“Minas são muitas”, como diz o poema de Guimarães Rosa, e muitos são os talentos dos artistas das Gerais. Prova vem da produção de artesãos como Alice Mascarenhas, Magno Barroso e Mario Telles, que tiveram peças destacadas em ambientes da última edição da mostra de decoração Morar Mais por Menos e participam de exposição permanente no Centro de Artesanato Mineiro (Ceart), do Palácio das Artes. Cada um à própria maneira, trabalham em matéria-prima diversa como cerâmica, papelão de saco de cimento reciclado ou madeira, mostrando que não há limites para expressar a criatividade e a cultura locais.
Decorativos ou utilitários, os modelos conferem personalidade à decoração e emocionam ao retratar simbologias do cotidiano de um povo. “É um prazer e uma satisfação saber que a minha peça está na casa de alguém, sendo valorizada, revelando a cultura de Divinópolis, de Minas e do Brasil”, comenta Mario Telles. Nascido na cidade do Oeste mineiro, ele está com 75 anos, 50 deles dedicados à arte de talhar peças em madeira, cujos desenhos são inspirados em cenas corriqueiras e em manifestações culturais como a folia de reis e o congado. A arte que abraça apreendeu com o pai, Geraldo Telles de Oliveira – o famoso GTO, e repassa para o filho, Alex, representante da terceira geração de uma família que se tem dedicado a esculpir histórias em cedro, jacarandá, vinhático e outras matérias-primas desde a década de 1950. “Ele foi autodidata, aprendeu sem ver ninguém trabalhar, sem estudar. E foi minha inspiração, pois persegui a criatividade dele, um mestre em trabalhar a madeira em peças de estilo rústico”, detalha o sucessor.
No ateliê, localizado no espaço em que o pai trabalhava e que hoje sedia um pequeno museu, Mario Telles produz peças como a roda da vida (círculo que retrata pessoas em seu interior), pau de sebo, mandalas e biombos.
Além da madeira, tornou-se especialista na lida com as ferramentas serrote, macete, formão (entalha) e trado. Ele conta que as peças são talhadas em diversos tamanhos e pesos, em modelos de dimensões que variam dos 20cm até os 4 metros e podem chegar a mais de 60kg. “Ainda não fui ao exterior, mas há peças minhas em Portugal, na Itália e no Brasil inteiro, inclusive em museus.” O preço varia, e peças com assinatura dele têm experimentado valorização, revela. “Muitos colecionadores e marchands reconhecem nosso trabalho”, comemora.
RETRATO DE EMOÇÕES
Mestre da cerâmica há mais de três décadas, Magno Barroso, natural de Sardoá, no Vale do Rio Doce, aprendeu o ofício trabalhando com tijolos decorativos, negócio de um tio, quando teve o primeiro contato com as caieiras ou fornos a lenha.
Dali, elegeu a argila como matéria-prima, começou a produzir peças decorativas e utilitárias e ganhou mundo. “Morei nos EUA e na Argentina por muitos anos, países onde difundi a arte e o design.” Irmão do também artista plástico Máximo Soalheiro, ele conta que a produção recente contempla a mistura de cerâmica a outras matérias-primas, como aço, borracha, madeira e vidro. Chamam a atenção do público criações como o jogo de xadrez com peças de porcelana e tabuleiro de madeira de alta densidade reciclada. “Tenho peças premiadas e participo de exposições e eventos sazonais e fixos como Ceart (Palácio das Artes), Museu das Minas e do Metal (MM Gerdau), Feira de Artesanato Brasil Original e Centro de Referência em Artesanato Brasileiro (Crab)”, conta.
Ele aposta ainda em mostras de decoração para difundir o trabalho, “oportunidade de vitrine diante de um público que, naturalmente, já busca o que é belo, interessante, peças que funcionam como alimento da alma”, caracteriza. E vai além: “Vejo a produção de artistas que trabalham com paixão e amor pelo que fazem como um respiro que compõe e completa um ambiente, um potencial criativo. O feito a mão traz cultura, projeta e valoriza a arte brasileira na decoração”.
Ainda criança, na natal Entre Rios de Minas, na Região Central, Alice Mascarenhas sempre estava às voltas com uma produção artesanal, criando. “Recebi influência da minha mãe, artista autodidata que sempre gostou muito de desenhar, escrever, pintar aquarela.” Naquela época, elementos da natureza eram as principais matérias-primas para a produção de peças decorativas, “madeira, aparas de árvores, argila, frutos”, conta. Mas desde que veio para BH, em 2008, e se deparou com o espaço exíguo do apartamento, passou a explorar jornal, saquinho de pão e saco de cimento para criar esculturas em técnica de papietagem que retratam as emoções vividas no cotidiano, em família, entre amigos. “O afeto, o carinho de mãe com filho, cenas do dia a dia como uma moça saindo com uma bolsinha, o vento que toca o cabelo, a singeleza da vida é o que me inspira.”
No portfólio da artesã há desde peças pequenas (15cm) àquelas de grande estatura. “Cheguei a esculpir um modelo de 1,95m, uma noiva, para exposição na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mas em geral trabalho obras de volume mediano, a partir dos 30cm de altura. Gosto da liberdade e, assim, as peças saem como querem sair”, brinca. Também com peças expostas na última edição da Morar Mais por Menos, a artesã tem participação contumaz na Feira Nacional de Artesanato e Brasil Original e também no Ceart, além de receber encomendas particulares. Mesmo nesses casos, quando recebe um briefing, garante: “Todas as peças emocionam”. E finaliza: “Há pouco, recebi a encomenda para esculpir uma família com uma criança com necessidades especiais e fiz uma cadeirinha para colocá-la. Então, a minha arte é isso, retratar coisas que fazem parte da vida, em expressões humanas. Por isso emocionam muita gente”. (Estado de Minas)