O governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy anunciou neste sábado (21/10) a aplicação, pela primeira vez na história da democracia espanhola, do artigo 155 da Constituição, medida que prevê uma intervenção na autonomia política da Catalunha.
Com a decisão, o chefe do governo catalão e líder do movimento independentista, Carles Puigdemont, e todo o seu gabinete deverão ser suspensos. Um representante de Madri seria posto em seu lugar, até que, dentro de seis meses, novas eleições sejam realizadas na Catalunha.
O objetivo, segundo anunciou Rajoy em discurso, é fazer a Catalunha voltar à legalidade, recuperar a normalidade, continuar a recuperação econômica – “que se a colocado em perigo” – e realizar novas eleições regionais.
O anúncio é a resposta derradeira de Madri à busca dos separatistas catalães pela independência, um movimento tido como ilegal pelas leis espanholas. A medida terá que passar pelo Senado, que deve votá-la na sexta-feira. No sábado, ela entraria em vigor.
“Não se trata de suspender a autonomia nem acabar com o governo autônomo”, discursou Rajoy. “A administração da Generalitat (catalã) seguirá sendo a administração ordinária, mas sob ordens das novas autoridades designadas por Madri.”
A aprovação no Senado é tida como certa: durante toda a semana, Rajoy, que parece estar saindo fortalecido da crise, buscou o maior consenso possível antes de tomar tal passo, costurando acordo com aliados e as alas oposicionistas. Hoje, tem maioria confortável para passar a medida.
Há o temor de que a intervenção aumente a perspectiva de mais protestos de grande escala na Catalunha, onde grupos pró-independência já foram capazes de levar mais de 1 milhão de pessoas às ruas.
A decisão do governo Rajoy representa a primeira vez nas quatro décadas de democracia da Espanha que Madri ativa o artigo 155 da Constituição para efetivamente substituir um governo regional e convocar novas eleições.
O artigo estabelece que, se uma autoridade autônoma (no caso a Catalunha) não atender aos requerimentos para voltar à legalidade, o governo central pode aprovar um decreto com medidas concretas para assumir as competências políticas regionais.
A crise catalã
O impasse na Catalunha está sendo considerado a pior crise política na Espanha desde a tentativa frustrada de golpe militar de 1981, e o governo Rajoy está sob pressão para resolvê-la, enquanto a economia começa a sentir seus efeitos.
A incerteza política prolongada fez com que milhares de empresas transferissem suas sedes para fora da Catalunha. Segundo a associação patronal Pimec, cerca de 1.300 pequenas e médias empresas – quantidade que representa 1% das empresas catalãs de até 250 empregados – adotaram a medida. Segundo pesquisa do jornal El Periódico, 68% dos catalães defendem a realização de eleições para resolver a crise política, enquanto 27% são contra.
A decisão de Rajoy marca o ápice de uma crise que já se estende por mais de um mês, que colocou em xeque a jovem democracia espanhola e forçou inclusive o rei Felipe 6º a se manifestar.
Em 1º de outubro, os catalães foram às urnas, num referendo considerado ilegal por Madri, para votar sobre a independência. O “sim” à separação recebeu mais de 90% de apoio. Mas o comparecimento foi de apenas 43%.
Dizendo ter o “mandato do povo”, Puigdemont, o chefe de governo catalão, compareceu em 10 de outubro ao Parlamento regional e declarou independência, num discurso confuso que terminou com ele mesmo suspendendo o processo separatista à espera de diálogo.
Madri deu um ultimato a Puigdemont e recusou-se a dialogar. Abriu-se então uma queda de braço com Barcelona, que culminou neste sábado com a suspensão temporária da autonomia catalã.
“Não há país no mundo disposto a permitir que se produza em seu seio uma situação como essa”, declarou Rajoy.
RPR/ots