A reforma trabalhista, que entra em vigor no próximo sábado, abre uma brecha perigosa para os trabalhadores domésticos. Conforme a federação nacional da categoria, ao regulamentar o trabalho intermitente, a nova Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) permitirá que as domésticas possam ser contratadas e pagas por hora trabalhada, conforme solicitação do empregador, o que pode precarizar as condições de trabalho.
Para a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista Ferreira, há um grande risco de os empregados que já têm carteira assinada para jornadas regulamentadas sejam demitidos para serem substituídos por outros sob regime intermitente. “Para o patrão é simples: ele reduz a jornada e diminui o salário pago”, resume Luiza.
O diretor do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora, Humberto Marcial, concorda que essa possibilidade é real, já que, na sua avaliação, baratear o custo da mão de obra é um dos pilares da reforma.
“Vejo sim esse risco de demissão e a possibilidade de contratar de uma maneira menos onerosa. Para o empregador, vai interessar o custo”, afirma Marcial.
O que é
A jornada intermitente prevê períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses. O empregador deve convocar o empregado com até três dias de antecedência deixando clara a carga horária. Recebida a comunicação, o empregado tem até um dia útil para responder se aceita ou não.
Para alguns especialistas, esse tipo de trabalho cria uma falsa sensação de geração de empregos. É como se o contrato intermitente mascarasse a situação de desemprego. A pessoa tem um vínculo formal, mas vai viver de bico. E corre o risco de obter uma renda insuficiente para suprir suas necessidades.
Outro lado
Apesar das críticas à possibilidade de as empregadas poderem ser empurradas para o regime de trabalho intermitente, há quem entenda que isso irá estimular a formali-zação. Entidades divergem sobre o número, mas, hoje, a maior parte da categoria não tem carteira assinada.
Para a Fenatrad, apenas 5% das empregadas têm vínculo formal. Já os dados do Instituto Doméstica Legal, que fornece serviços de gestão a empregadores, apontam que 33% das trabalhadoras são registradas. O presidente do instituto, Mário Avelino, acredita que é possível que a reforma ajude a reduzir esse número.
“Para cada três trabalhadores, apenas um tem carteira. Muitos deles trabalham em um jornada pequena. O contrato intermitente vai estimular a formalidade no emprego doméstico para, por exemplo, o cuidador de idosos folguista, que atua três dias por semana”, diz.
Especialista defende que nova CLT leva segurança jurídica para o empregador
A reforma trabalhista altera mais de 100 artigos da CLT. E o emprego doméstico também será afetado, porque tudo o que não está previsto na Lei Complementar 150, sancionada em 2015 e que regulamenta o trabalho doméstico, obedecerá às novas regras.
Para o presidente do Instituto Doméstica Legal, nenhuma das mudanças é prejudicial para a categoria.
“Nenhum direito constitucional, como 13º, férias remuneradas e FGTS, será retirado. Além disso, a reforma dá segurança jurídica para o empregador”, diz o presidente do instituto, Mario Avelino.
Ele cita como medidas positivas a demissão acordada, que reduzirá os custos para os patrões. Segundo ele, as novas regras da CLT irão reduzir o número de ações aventureiras na Justiça, já que os custos do processo podem ser arcados pela parte perdedora.
Já para o trabalhador, a multa por não assinar a carteira de trabalho é mais uma forma de proteção que foi incluída na nova CLT. A regulamentação de horas extras além das duas previstas é outra vantagem.
Para a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Luzia Pereira Batista, como a nova CLT prevê que o negociado prevalece sobre o legislado, a relação desigual entre as partes sempre será ruim para o empregado.
Divergência
O advogado trabalhista Conrado Di Mambro Oliveira diz que a LC 150 legisla exaustivamente sobre o trabalho doméstico. Assim, para ele, não há espaço para a CLT. Oliveira cita, por exemplo, que o trabalho doméstico é definido pela continuidade. Então, a jornada intermitente não poderia ser utilizada aí.
“Se a doméstica trabalha três dias, já está caracterizada a continuidade. Na verdade, não vejo muito motivo para o trabalho intermitente neste caso, já que posso contratar uma diarista, que é uma prática prevista e legal”, diz.
Oliveira explica que era esperado que o governo editasse uma Medida Provisória para sanar dúvidas, inclusive sobre a jornada intermitente. Mas como a reforma está na véspera de entrar em vigor, é difícil que isso aconteça. E a Justiça pode acabar sendo um caminho.
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