“O fim de semana é tão curto que começa com a palavra fim”, diz uma imagem compartilhada nas redes sociais. Sempre muito desejado e aguardado, os dias de folga, porém, quando chegam, parecem passar num piscar de olhos e durar período insuficiente para o descanso. Com isso, a segunda-feira vira sinônimo de cansaço e desânimo para a maioria dos brasileiros. Para especialistas, esses sintomas mostram, sobretudo, que as pessoas não estão sabendo lidar com o estresse e, consequentemente, estão descansando de forma errada.
Nos raros momentos de tempo livre, o aeroviário Leandro Gerken, 32, procura jogar-se no sofá e assistir à televisão, mas, como são raros, ele reconhece que beneficia-se pouco disso. “Os finais de semana acabam sendo preenchidos com tarefas domésticas, além da responsabilidade e da atenção que temos que ter para criar os filhos”, conta.
Uma das razões para esse descanso errado, segundo a psicóloga e professora na Universidade de Tulsa, nos Estados Unidos, Jennifer Ragsdale, é a dificuldade que as pessoas têm também de largar mentalmente o trabalho quando estão em casa. “Quem fica ‘ruminando’ sobre um evento profissional passado (um conflito com um colega, um erro em um projeto) ou se preocupa com os compromissos que virão tem mais dificuldade de relaxar”, diz.
Outro fator recente está ligado ao uso excessivo de tecnologias que, de certa forma, ampliam o horário de trabalho. De acordo com uma pesquisa realizada em Harvard, 94% dos mil profissionais entrevistados disseram que trabalham 50 ou mais horas por semana. Detalhe: sem incluir o período de 20 a 25 horas por semana que a maioria deles gasta monitorando seus celulares fora do escritório.
“Se levamos o trabalho para casa durante o fim de semana e se esse trabalho é estressante, ele pode ativar nossa resposta fisiológica. Essa ação aumenta nossa frequência cardíaca e pressão arterial (entre outras mudanças físicas) quando sentimos que estamos sob ameaça, podendo acontecer mesmo quando não há estressor imediato ou ameaça presente”, diz Ragsdale.
Na Grã-Bretanha, já se fala inclusive numa possível “síndrome do sábado”, – uma espécie de abstinência do estresse que aumenta as chances de ficar doente nas horas de folga.
A terapeuta ocupacional Heloísa Agnes é daquelas pessoas que, mesmo quando está de férias, sempre arruma algo para fazer, principalmente se não estiver viajando. Depois de ficar desempregada, há dois anos, ela se desdobrou ainda mais para cuidar dos filhos. E ainda acabou arrumando dois empregos que lhe tiraram a chance de relaxamento. “Várias vezes à noite me deito e, diante da dificuldade em pegar no sono, acabo sacando meu smartphone para dar mais uma olhadinha nas redes sociais ou ler algum artigo”, diz. Somando-se a isso, ela afirma também sofrer com irritação nos olhos, dores no corpo, lentidão mental e física, angústia e ansiedade.
Leandro Gerken também diz ter percebido uma piora no cansaço com a entrada dos smartphones na rotina diária. “Em situações impensadas nas quais realmente estamos esgotados, acabamos recorrendo ao celular, entregando-o a minha filha para usar o tempinho de distração dela para descansarmos. Tenho a consciência de que não é o melhor método, e estamos revertendo essas situações em leitura de histórias infantis”, diz.
BENEFÍCIOS
Segundo o psicólogo, Lúcio Mauro dos Reis, em nossa sociedade o tempo vazio assusta e gera fobia do tédio. No entanto, existem, sim, benefícios. “O ócio pode ser extremamente produtivo e prazeroso. Ficar à toa sem fazer nada, mas fazendo muita coisa”, diz.
Ele cita o autor alemão Walter Benjamin para falar sobre o valor do ócio produtivo. “Essa perspectiva sugere desenvolver atividades para o equilíbrio físico e mental, criando condição de estar bem na segunda-feira. Se começo a viver o trabalho no sábado, a ansiedade já começa a ser disparada, e, na segunda-feira, acordo cansado, indisposto e sem vontade para fazer a coisas. É possível criar um ciclo ou de saúde ou de doença e pensar em uma perspectiva de vida mais tranquila, mesmo na contemporaneidade”, afirma o professor Reis.
Estresse crônico pode ser lesivo ao cérebro
O cansaço diante da sensação de que o fim de semana foi insuficiente pode estar ligado a alterações no ciclo circadiano (responsável pela regulação do sono), segundo a especialista em clínica médica do Instituto Sari Sarina Occhipinti.
“Em situações de dificuldade para lidar e administrar o estresse, o organismo e o cérebro ficam sempre estimulando a glândula adrenal, responsável por liberar o cortisol (hormônio do estresse). E, aí esse mecanismo pode ficar disfuncional, ou seja, como o cortisol é responsável pelo equilíbrio inclusive do ciclo circadiano quando esse mecanismo está disfuncional, a pessoa não consegue dormir bem, acorda cansada, o que deixa o corpo cada vez mais incapaz de descansar”, explica.
Pesquisadores já descobriram que essas alterações podem ser irreversíveis, gerando perda de memória. “O cortisol é lesivo ao cérebro se tiver um estresse crônico”, afirma Sarina.
O cansaço mental e a mente fatigada também geram descontrole hormonais responsáveis por aumento de peso, dor de cabeça frequente e dor muscular inexplicável e influenciam o sistema imunológico. O resultado é maior propensão a doenças.
“A primeira coisa para o descanso apropriado é o sono, período em que o organismo se reorganiza, sendo reparado e preparado para o dia seguinte”, diz a médica. Outras estratégias também podem ser usadas, como terapias comportamentais, neurofeedback (ginástica cerebral) e até medicação. ( O Tempo)