Assim como tantos outros medos contemporâneos, o do impacto da inteligência artificial (A.I., na sigla em inglês) sobre a vida humana se expressa com veemência tanto no debate político e social como no setor de diversão, no qual se sucedem os filmes sobre robôs renegados que ameaçam tomar conta do mundo.
Zoubin Ghahramani, professor de engenharia informática na Universidade de Cambridge, esteve em Berlim para uma palestra na Universidade Técnica (TU). A DW o entrevistou sobre inteligência humana e artificial, aprendizado de máquinas e sobre sua visão do futuro da A.I..
O também cientista-chefe da Uber, apelidado “guru da A.I.”, relativiza o temor de que um dia máquinas inteligentes venham a se apossar das atividades humanas: “Gosto de pensar que a A.I. não substituiu os seres humanos, mas sim lhes dá algum tipo de superpoder.” E alerta: “Eu me preocupo mais com o lado humano do que com as máquinas.”
DW:
Zoubin Ghahramani: Quando ouvem o termo “inteligência”, as pessoas costumam pensar nas diferenças entre indivíduos, mas na verdade a questão mais interessante é: “Em que diferimos de outros animais, de plantas e computadores?”
A evolução tornou os humanos bons em certas coisas e menos bons em outras, e cada pessoa é diversa. Nós tendemos a chamar as coisas em que somos bons de “inteligência”, o que eu considero injusto com outros animais e até mesmo com os computadores. Nós, humanos, gostamos de pensar que somos especiais; assim que começamos a entender algo, a mística se desfaz.
O xadrez, por exemplo, era considerado o ápice da inteligência. Então, em 1997, esse jogo se tornou uma das primeiras conquistas da A.I., quando o campeão mundial Garry Kasparov perdeu contra o supercomputador Deep Blue, da IBM. No momento em que compreendemos como um computador podia jogar xadrez, dissemos: “Bem, isso não é realmente inteligência.”
Qual é a diferença entre inteligência artificial e aprendizado automático ou machine learning? E como definiria uma máquina inteligente?
Desde que se começou a desenvolver computadores, tem-se pensado como torná-los inteligentes. Originalmente se achava que a chave fosse estabelecer um monte de regras, que o computador saberia e pelas quais se guiaria, através de raciocínio lógico.
O aprendizado de máquina foi uma dissidência da A.I., baseada na decisão que não se queria enfiar mais regras nos computadores, mas sim que eles aprendessem a partir de padrões e dados informáticos. Imagine que você deseja que um computador aprenda a diferença entre gatos e cães. Acho que nenhum humano seria capaz de sentar e escrever as regras para tal, mas somos capazes de identificar essa diferença quase imediatamente.
Então, como conseguir isso das máquinas? Podemos dar-lhes milhões de imagens com os rótulos “gato” e “cão”, e aí fornecer um método para elas aperfeiçoarem ao longo do tempo. Essa é a parte do aprendizado automático: primeiro a máquina comete erros na identificação da imagem, mas com o tempo modifica as computações para melhorar seu desempenho. Num certo ponto, você lhe dá uma imagem e ela reconhece se é um gato ou um cachorro. E, um dia, vai traduzir do inglês para o francês, reconhecer fala ou talvez dirigir um carro.
Muitos temem a A.I.. Que impacto ela terá sobre a humanidade?
A inteligência artificial vai afetar grande parte dos aspectos de nossas vidas. O impacto é semelhante ao de outras revoluções ocorridas na história humana, como a agrícola, a industrial e a informática. Durante a revolução industrial, um grande número de processos, antes manuais, foi automatizado por dispositivos como o motor a vapor. E com a revolução informática algumas computações muito mecânicas foram automatizadas – como a contabilidade.
O que vemos com a A.I. é que alguns aspectos do reconhecimento de padrões e tomada de decisões estão sendo automatizados, o que pode ter um número tremendo de impactos positivos. Considere a medicina: algoritmos para analisar imagens médicas podem ser muito mais rápidos, baratos e precisos no diagnóstico de certas doenças; os computadores podem examinar dados genéticos à busca de determinados padrões, e os tratamentos podem se tornar mais personalizados.
O impacto da A.I. sobre nossas cidades também será transformador: carros autônomos tornarão desnecessária a aquisição de um veículo, o transporte se tornaria, essencialmente, um serviço barato, eficiente e de baixo dano ambiental, os estacionamentos desapareceriam. Toda a natureza das cidades mudaria, e as pessoas teriam mais tempo, pois poderiam trabalhar no caminho do trabalho.
Devemos ter em mente, porém, que a inteligência artificial também causará ruptura, principalmente social. Em geral, quando um processo é aperfeiçoado e tornado mais eficiente, as formas de emprego em torno dele são alteradas, o que pode desalojar os humanos. Precisamos nos preparar para isso, pois não temos como frear o progresso tecnológico. No longo prazo, isso pode elevar o padrão de vida, produtividade e saúde para todos. Por outro lado, é preciso cuidar para que a A.I. não aumente a desigualdade, e que seus benefícios sejam amplamente distribuídos.
Aparentemente, uma das maiores apreensões é que o emprego crescente da inteligência artificial acarrete perda de empregos e torne redundantes os trabalhadores. Esse medo é justificado?
Muitos que estudaram essa questão concluíram que o que será automatizado não são atividades inteiras, mas sim tarefas específicas. Alguns empregos acabarão indo, mas eu gosto de pensar que a A.I. não substituiu os seres humanos, mas lhes dá algum tipo de superpoder.
Comparando a vida moderna com a de 100 anos atrás, realmente temos superpoderes: podemos voar em volta do mundo em poucas horas, nos comunicar com gente de todas as partes, nos orientar em cidades onde nunca estivemos, acessar conhecimento em diferentes línguas simplesmente tirando algo do bolso. Gosto de pensar que, com a inteligência artificial, estamos criando ferramentas que nos darão superpoderes.
A questão crucial é como vamos utilizar esses superpoderes. Para dar a todo o mundo um padrão de vida melhor, tornar os transportes mais eficientes, fazer a vida de todos mais saudável, incrementar a felicidade global ou evitar guerras? Ou vamos usá-los para prejudicar a humanidade e o nosso mundo?
Na verdade, me preocupo mais com o lado humano do que com as máquinas, pois, nas mãos erradas, a tecnologia pode ser mal usada. Temos que providenciar salvaguardas contra isso.(Deutsche Welle)