Tomás tem 4 anos e mora em São Paulo, a maior cidade brasileira. Mas não vai à escola nem tem aulas de natação ou inglês, atividades comuns na rotina de crianças da mesma faixa etária. Ponto fora da curva em uma geração cada vez mais atarefada, o garoto é criado por pais que optaram por viver – e educar os filhos – sem pressa.
Adeptos do movimento slow parenting, eles procuram desacelerar a rotina, respeitando o tempo e as necessidades próprias da infância. “Não queremos impor nada nem ditar regras. A ideia é respeitar o tempo de cada criança, sem instituir a elas o que acreditamos ser o melhor”, explica Adriana Mani, mãe de Tomás.
A família é vizinha do Parque do Ibirapuera, o mais popular da capital, onde o caçula se diverte, fazendo as próprias escolhas. “O Tomás passa bastante tempo ao ar livre. Já me disseram até que ele não faz outra coisa a não ser ir ao parque, o que não é verdade. Ir ou não é uma escolha dele”, reforça Adriana, lembrando que as demandas não partem dela, surgem do próprio menino.
Tempo de qualidade
Em Belo Horizonte, a professora universitária Flávia Pellegrini, de 37 anos, vem seguindo o mesmo ritmo, slow, na criação das filhas Cecília, de 7 anos, e Olívia, de 3. Fundadora do projeto (que acabou virando movimento) Na Pracinha, que estimula vivências ao ar livre e a exploração dos espaços públicos pelas famílias, ela tenta tornar mais leve a rotina das meninas.
Procuro me dedicar da forma mais produtiva e sempre encontramos um momento que será só nosso. Tudo de forma que não haja pressão nem obrigação de nada. O que falamos muito é justamente em respeitar o tempo da criança e o que é pedido por ela. O que não dá é ter um bebê de 1 ano com a semana toda programada”, destaca.
Ócio criativo
Coordenador do Observatório da Cultura Infantil (Obeci) e professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, o pedagogo Paulo Fochi dedica-se ao estudo do tema e à defesa das crianças e da desaceleração infantil. Para ele, é fundamental desconstruir a ideia, já naturalizada, de que temos uma dívida eterna com o tempo.
“Toda essa ideia que temos de que as crianças precisam fazer um monte de coisas e acessar tudo para ter oportunidades no futuro é um grande equívoco. Se quero que meu filho desfrute de boas oportunidades, uma das grandes questões é saber educá-lo para a curiosidade. Isso significa não ter o tempo inteiro ocupado por uma programação diretiva, externa, que nada tem a ver com criar tempo e espaço para ter curiosidade sobre o meu ser e o meu estar no mundo”, argumenta.
Proprietária da Aldeia Jabuticaba, um espaço em BH destinado ao livre brincar, a psicanalista Pollyanna Xavier, de 39 anos, modificou a rotina antes mesmo de se tornar mãe. Reduziu o horário de trabalho e fechou o consultório planejando exatamente ter mais tempo – e de qualidade – com a primogênita, Alice, que hoje tem 5 anos.
Agora, Pollyanna, que também é mãe de Miguel, de 3, tem a possibilidade de cuidar com mais calma e maturidade das crias.
“Precisamos aprender a valorizar o tempo da infância porque criança não é um projeto de adulto, não é alguém que nasceu para ser preparado para o mercado. É preciso que elas se reconheçam como sujeito que tem o tempo dele e as próprias necessidades”, diz.
Quando as crianças têm o tempo todo ocupado com milhões de atividades, a única coisa que iremos gerar nelas é uma exaustão. E isso nada tem a ver com a possibilidade de serem pessoas curiosas, proativas, antenadas, relacionais com as pessoas e com o mundo e suscetíveis a transformações, características que me parecem ser necessárias daqui para frente. Ao contrário, serão crianças apáticas, enfadadas, não querendo absolutamente mais nada”
Paulo Fochi, pedagogo, doutorando em educação, pesquisador sobre infância e defensor da desaceleração de pais e crianças
Reflexo da aceleração, ansiedade é ‘tratada’ em sala de aula
Sintoma cada vez mais frequente no mundo inteiro, a ansiedade, um dos reflexos da rotina excessivamente acelerada, tem repercutido também em sala de aula. Um estudo realizado em 72 países apontou o Brasil como o campeão do problema em meninos e meninas na faixa etária dos 15 anos. Responsável não só pelas notas baixas como pela insatisfação com o conteúdo programático e até com as relações cotidianas, a questão vem sendo literalmente tratada por professores.
Educador há mais de 20 anos e especialista em habilidades socioemocionais, Eduardo Calbucci é um dos criadores do Programa Semente. Voltado para a integralidade do ensino, o projeto, espalhado pelo país inteiro, com mais de 20 mil alunos, preconiza a educação de forma ampla, contemplando questões como autocontrole para conhecer as próprias emoções, senso de trabalho em equipe, valorização da empatia e fortalecimento dos laços.
“Não significa que dar aula de português, matemática ou história tenha deixado de ser importante. Todas (as escolas) continuam dando aulas dessas disciplinas, mas só isso já não basta. Quando outras habilidades são desenvolvidas desde cedo, os resultados são observados inclusive no desempenho com as matérias tradicionais”, analisa o pesquisador.
Brasileiros ansiosos
Divulgado este ano pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e presente no relatório O Bem-Estar dos Estudantes, terceiro volume do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2015, o estudo entrevistou 540 mil jovens de 15 anos, alunos de redes públicas e privadas em 72 países.
A taxa de brasileiros que se sentem acuados pelas avaliações (81%) superou até a de países e economias onde a cobrança por desempenho na escola é maior, como Coreia (55,3%) e Hong Kong (67%). O percentual brasileiro também ficou acima da média dos países da OCDE (55%).
Na avaliação de Calbucci, quanto mais cedo as habilidades emocionais forem trabalhadas, maiores e melhores os resultados observados no dia a dia das crianças e, futuramente, como adultos.
“Essas questões podem ser ensinadas em qualquer momento da vida, não há contraindicação. Quanto mais cedo forem implementadas, porém, maiores os efeitos positivos. Normalmente, começa-se pelos últimos anos da educação”, enfatiza o pesquisador.
Além disso:
O Slow Parenting ganhou força nos EUA, apesar de ter sido criado, em 2008, pela enfermeira canadense Jean Alice Rowcliffe. Espalhado pelo mundo, o movimento tem como premissa ensinar as famílias o valor de desacelerar e de ter consciência sobre cada estágio do desenvolvimento dos filhos. O objetivo maior é afastar a necessidade de orquestrar a vida dos filhos em função da dos pais.
Adepta do movimento, a educadora britânica Helle Heckmann dedica-se, há mais de 30 anos, aos desafios de “proteger a infância do mundo moderno”. Enquanto viaja o mundo orientando pais e professores, reforça o que, para ela, é o erro mais grave dos acelerados: tratar as crianças como adultos pequenos.
“Crianças de até 7 anos precisam de 12 horas de sono. Mas como fazer isso numa sociedade onde a criança precisa seguir o estilo de vida adulto? Como tomar consciência de que uma criancinha é única e não um pequeno adulto? Quando escolhemos ter filhos, nossa vida precisa mudar em nome da satisfação das necessidades dela e não das nossas. E será que estamos dispostos a isso? Se não estivermos, precisamos estar cientes do preço que a criança terá de pagar”, analisa, em entrevista. (Informações do jornal Hoje em Dia)