O número de jovens e idosos infectados pelo vírus HIV cresceu de forma expressiva em Minas na última década. Só entre os adolescentes de 15 a 19 anos, o contágio foi cinco vezes maior, passando de 37 casos em 2007 para 201 no ano passado. Entre os maiores de 65, os registros triplicaram no mesmo período.
O salto nas notificações vai na contramão das melhores condições de diagnóstico e tratamento da Aids. Disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os remédios têm menos efeitos colaterais e a testagem para confirmar a contaminação é rápida. Hoje, Dia Mundial de Luta contra a Aids, especialistas em saúde garantem que a doença ainda parece distante para a maior parte das pessoas.
Embora a população tenha cada vez mais conhecimento, muitos ignoram os riscos e acreditam que não serão contaminados, mesmo diante do sexo desprotegido. “As escolas até trabalham as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) com os adolescentes, mas existe um enorme abismo entre ter a informação e adotar o comportamento correto”, afirma a médica Irene Adams.
Imunologista, ela coordena o Projeto Ammor, iniciativa de promoção da saúde e prevenção de Aids para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e pessoas que vivem com o HIV em Belo Horizonte (BH). “A maior parte dos jovens não se reconhece nesse discurso. Acha que, mesmo transando sem camisinha, a doença não vai acometê-los”, acrescenta a especialista, que trabalha na área há 30 anos.
Segundo o infectologista e professor da Faculdade de Medicina da UFMG Dirceu Greco, grande parte da população vive uma aparente impressão de que o HIV está superado. “As pessoas param de falar, parece que ele desapareceu. Só que isso vem acompanhado de uma série de mudanças na vida sexual da população, que hoje é mais precoce. O sexo está mais casual e frequente para todos”, diz.
Sem reforço
Nem sempre o comportamento “sexualmente empoderado”, como classifica a professora da Escola de Enfermagem da UFMG Vânia de Souza, é acompanhado de um reforço na prevenção contra o vírus.
Especialista em infecções transmitidas por meio de relação sexual, ela observa que, para os idosos, a disseminação do vírus também está relacionada à vida sexual mais ativa na terceira idade.
“Os idosos estão vivendo uma experiência nova de sexo. Hoje, há vários viúvos ou divorciados que passaram a vida toda com um parceiro, sem adotar qualquer medida de prevenção, e que agora têm vida sexual ativa. Muitos acham que a mesma relação que tinham no casamento irá perdurar nas relações momentâneas”.
Histórias de superação e muito preconceito marcam quem convive com o vírus
Para uns, a vida após a Aids é normal e cheia de realizações. Para outros, a infecção é um segredo guardado a sete chaves. “Hoje, o tratamento é infinitamente melhor, mas o que não mudou foi a ignorância das pessoas. Poucos sabem que é completamente possível conviver com o HIV e que o contágio só ocorre em situações muito específicas, por isso, quem descobre o vírus ainda se sente forçado a esconder”, lembra a imunologista Irene Adams.
Devido ao preconceito, a médica defende que contar sobre a carga viral é uma escolha de cada um. É o caso da desempregada Cláudia*, de 37 anos. Só a mãe dela e as duas filhas sabem. “Já namorei homens que nunca mais olharam na minha cara quando contei sobre o vírus. Cheguei a perder empregos porque tinha que fazer exames a cada seis meses”, conta. Ela foi infectada aos 21 anos pelo ex-companheiro, que morreu em decorrência da doença. Desde então, Cláudia segue à risca o tratamento e tem carga viral indetectável.
O outro lado
Já a recepcionista Laura*, de 51 anos, sai de Ribeirão das Neves, na Grande BH, todos os dias, para trabalhar na capital. Alegre e comunicativa, ela fala da família com brilho nos olhos. “Minha filha me dá muito orgulho e meu marido sempre me apoiou e esteve ao meu lado”. Laura é soropositiva e descobriu a doença aos 32 anos, quando a infecção já estava em estágio avançado.
Após passar seis meses internada no hospital, correndo risco de morrer, tentou, aos poucos, recuperar a qualidade de vida. Mas o tratamento contra a Aids ainda era incipiente no fim dos anos 1990. Ela tomava 20 comprimidos ao dia, chegou a perder a visão de um olho, teve tuberculose e uma grave infecção nos rins.
Hoje, Laura comemora que este seja um passado distante. “Não tem nem comparação. A pessoa que convive com o HIV atualmente consegue ter um dia a dia muito mais tranquilo e digno. Tomo somente uma pílula diária e estou saudável, nem lembro do vírus”, diz.
* Nomes fictícios/informações do Jornal Hoje em Dia