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Para começar, Aids não é doença, não está relacionada à orientação sexual ou identidade de gênero e também não ficou restrita às décadas de 1980 e 1990, quando grandes nomes da cultura e da intelectualidade brasileiras, como Cazuza, Renato Russo e o sociólogo Betinho, morreram em razão dela.
A síndrome está condicionada à infecção pelo vírus HIV, e o Brasil vive um momento de epidemia, segundo o Ministério da Saúde. A pasta estima que 830 mil pessoas sejam portadoras do vírus em todo o país – 84% delas já foram diagnosticadas. A recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) é de 90%.
Se o leitor confunde Aids com HIV, antes de começar a leitura, é preciso que tome conhecimento. A Aids é a manifestação sintomática do Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) e, portanto, só aparece quando ele não é controlado. O que ocorre é uma queda no sistema imunológico, que fica vulnerável a doenças como pneumonia e tuberculose.
Até os anos 1990, casos de infecção pelo vírus eram descobertos somente quando as pessoas já haviam atingido o estágio da Aids. Naquela época, o Brasil ainda estava em fase de descoberta do vírus e desenvolvia as primeiras formas de tratamento. Hoje, com a detecção precoce do HIV, o número de casos de Aids tende a ser cada vez menor.
Outro ponto importante é que a principal forma de transmissão do HIV é o sexo, desde que sem camisinha. Qualquer relação sexual desprotegida, seja homossexual ou heterossexual, está suscetível à contaminação pelo vírus.
Então HIV não é Aids?
O Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) é um tipo de retrovírus que ataca as células do sistema imunológico, responsável pela defesa do corpo contra organismos invasores, como bactérias, fungos e, claro, os vírus. Quando o HIV entra na circulação sanguínea, ele ataca os linfócitos T-CD4+, que também são chamados de glóbulos brancos, e altera o DNA deles para que possa se multiplicar.
Uma vez no sangue, o HIV não é eliminado – por enquanto, a ciência ainda não desenvolveu tecnologias capazes de extinguir o vírus. O que se pode fazer é reduzir a carga viral com o chamado “coquetel antirretroviral”, ou seja, diminuir taxa de multiplicação do HIV pelo uso de um combinado de medicamentos. Assim, esse índice pode chegar próximo de zero, quando o vírus fica indetectável – ou seja, com chance de transmissão quase nula.
Para funcionar, no entanto, os remédios – tenofovir, lamivudina e dolutegravir – precisam ser tomados diariamente, sempre no mesmo horário, e o mais precoce possível desde o diagnóstico da presença do vírus no sangue. Quanto antes, melhor a chance de atingir à carga viral indetectável.
Posso ter HIV e não ter Aids?
Somente quando o vírus HIV não é tratado, a pessoa infectada desenvolve a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), que é provocada pela queda da capacidade de combate do sistema imunológico. As principais doenças associadas à Aids são respiratórias, como a pneumonia e a tuberculose, além de insuficiência renal, doenças cardíacas, tumores e cânceres.
Por isso, o Ministério da Saúde alerta sobre a importância de se fazer o teste anti-HIV, especialmente depois de uma situação de risco, como relação sexual desprotegida, compartilhamento de seringas ou uso de materiais cortantes não esterilizados (veja abaixo como e onde fazer).
Além do risco pessoal, o desconhecimento sobre a infecção pode ser um perigo para os parceiros sexuais. Como o HIV é um tipo de vírus cujo período de incubação é prolongado – o que significa que os sintomas costumam demorar a aparecer – é possível que pessoas infectadas sequer tenham conhecimento da própria condição.
Como se pega o HIV?
Qualquer pessoa que tenha tido uma relação sexual sem camisinha pode ter contraído o vírus HIV, “não importa idade, estado civil, classe social, identidade de gênero, orientação sexual, credo ou religião”, explica o Ministério da Saúde.
Outras formas de infecção são uso de seringa por mais de uma pessoa ou de instrumentos cortantes não esterilizados, de mãe para filho – na chamada “transmissão vertical” – e por transfusão de sangue contaminado.
Veja lista do Ministério da Saúde sobre como se “pega” e como “não se pega” o HIV:
Beijo?
Sexo oral?
Desde que sem camisinha.
Suor e lágrima?
Sexo vaginal ou anal?
Desde que sem camisinha.
Picada de inseto?
Tatuagem?
Desde que a agulha não esteja esterilizada.
Aperto de mão?
Abraço?
Compartilhar sabonete, toalha e lençóis?
Compartilhar seringa?
Usar mesmo talher ou copo?
Sentar no mesmo banco?
Instrumentos que cortam?
Desde que não estejam esterilizados.
Nadar na piscina?
Respirar o mesmo ar?
Como funciona o teste anti-HIV?
A recomendação para quem esteve em alguma situação de risco é procurar uma unidade pública de saúde para fazer o teste anti-HIV. O exame pode ser tanto de sangue, quando pela coleta de mucosa da boca, chamado “teste rápido”, que mostra o resultado em cerca de 30 minutos.
O ideal é buscar o diagnóstico, no mínimo, 15 dias após a situação de risco por conta da “janela imunológica”, período de falso negativo, entre a infecção pelo vírus e o momento em que o organismo começa a produzir anticorpos – quando exames sorológicos dão conta de detectá-lo.
Em 1985, durante os primeiros experimentos diagnósticos do HIV, a janela variava de 6 semanas a 2 meses. Hoje, a média é de 15 dias, segundo o Ministério da Saúde. Segundo o Hemocentro de Brasília, há tecnologias capazes de obter resultados confiáveis em prazo ainda menor – dentro de dez dias.
Atenção: No período da janela imunológica, ainda que vírus não seja detectado pelos exames, ela já pode ser transmitido.
No DF, é possível fazer o teste rápido em qualquer uma das 170 unidades básicas de saúde e no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), que fica no mezanino da Rodoviária do Plano Piloto e funciona das 8h às 18h. A pessoa não precisar se identificar e pode pedir ajuda de uma equipe de profissionais para interpretar o resultado. Para saber os endereços, horários de funcionamento e tirar dúvidas, basta ligar no Disque Saúde (136).
Posso ter HIV e não transmitir?
Isso ocorre quando a pessoa portadora do HIV chega a um ponto do tratamento em que a carga viral fica próxima de zero. Na prática, isso significa que a quantidade de vírus no sangue é tão baixa que ele fica “indetectável”.
Neste estágio, as chances de transmissão do são quase nulas, segundo o Ministério da Saúde. Para alcançar esta condição, no entanto, é preciso que o coquetel antirretroviral seja administrado conforme a recomendação médica.
Como é o tratamento?
O tratamento contra o vírus HIV é recomendado o quanto antes após o diagnóstico. Atualmente, são três os medicamentos que compõem o chamado “coquetel antirretroviral”: tenofovir e lamivudina associados em um comprimido e dolutegravir em outro.
O combo de remédios precisa ser tomado de acordo com a recomendação médica, no mesmo horário todos os dias. Quanto mais precoce for iniciado o tratamento e maior o comprometimento da pessoa que tem o HIV, melhores as chances de chegar à carga viral zero.
Os efeitos colaterais, segundo a infectologista Valéria Lima, que também trabalha no Hospital Universitário de Brasília (HUB), são poucos. “A maioria dos meus pacientes diz que tolera muito bem, que parece que não está tomando nada. Mas pode dar enjoo, soltar o intestino solto e afetar um pouco o sono”.
Aids é coisa de gay?
Esse estigma, que vem da década de 1980, ainda persiste sobre a população homossexual, mas a ciência não reconhece o vírus HIV como mais propenso às relações sexuais homoafetivas. Isso porque a transmissão ocorre por meio do sangue, ou seja, por meio de pequenas fissuras provocadas na pele e mucosas durante a relação sexual sem camisinha – o que pode acontecer tanto durante o sexo homossexual, quanto heterossexual.
Há quase 40 anos, o vírus HIV chegou a ser chamado de “Imunodeficiência Gay”, quando ainda não se sabia de onde ele vinha, como era transmitido e de que forma era possível controlá-lo. Na época, casos de artistas e intelectuais homossexuais ganharam repercussão nacional, como do Cazuza, do Renato Russo, do cartunista Henfil, do sociólogo Betinho e do ator Lauro Corona. No entanto, hoje é de conhecimento público que o vírus nunca foi seletivo.
Mesmo assim, “homens que têm relação sexual com outros homens” são tratados como grupo de “risco” pelo Ministério da Saúde, ainda que o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) adote o termo “grupo chave” e use o termos “risco” para falar de comportamentos. Profissionais do sexo e usuário de drogas também estão neste grupo.
Os dados do último boletim epidemiológico disponível no site do Ministério da Saúde sobre HIV e Aids apontam que os homossexuais representam 47,2% dos casos registrados de Aids entre 2007 e junho de 2016, contra 38,5% dos heterossexuais – os 9,5% restantes correspondem aos bissexuais.
Apesar disso, a pasta informa que não é possível fazer uma análise rigorosa com relação às tendências da infecção pelo vírus no Brasil, porque a notificação compulsória entrou em vigor somente em 2013. Ou seja, antes disso, nem todo diagnóstico de HIV era registrado.
Então não se morre de Aids?
A Aids é a síndrome provocada pelo vírus HIV que debilita o sistema imunológico e abre espaço para as chamadas doenças oportunistas. São essas doenças que podem levar à morte, como pneumonia, tuberculose e cânceres. A Aids por si só, segundo especialistas não tem potencial para matar, por isso, sequer é considerada uma doença.
Chegar ao estágio da Aids, no entanto, não é um caminho sem volta, uma sentença de morte. A presidente da Sociedade de Infectologia no DF, Valéria Paes Lima, explica que é possível reverter o quadro com medicação e fortalecer as células de defesa do corpo.
“Com as medicações é possível reduzir a carga viral, mas enquanto a imunidade melhora, a pessoa fica sujeita a doenças oportunistas. O prazo varia muito de pessoas pra pessoa, conforme idade e até mesmo por outras doenças que a pessoa já tenha, como diabetes ou pressão alta.”
Segundo a infectologista, a Aids costuma ser identificada a partir do sintoma de uma doença oportunista, mas, principalmente, pelo nível de CD4 no sangue, que é um componente da membrana do linfócito T-CD4+. A taxa considerada saudável fica entre 800 e 1.200 células/mm3. Quem tem Aids, ficam com cerca de 200 células/mm3.
Profilaxias pré e pós-exposição
O que é PEP?
A chamada PEP é a Profilaxia Pós-Exposição, uma série de medicamentos que devem ser tomados para evitar que o HIV se instale no organismo após uma situação de risco. Popularmente é conhecida como a “pílula do dia seguinte do HIV”. A diferença é que não basta tomar um comprimido, são necessárias 28 doses – uma por dia.
O ideal é que a PEP seja iniciada logo nas primeiras horas após a exposição ao vírus. O prazo máximo para que tenha efeito é de 72 horas. A profilaxia é recomendada especialmente nos casos de violência sexual, para profissionais da saúde que tenham se acidentado, para profissionais do sexo e pessoas que se relacionam com parceiros soropositivos.
No entanto, quem tiver tido uma relação sexual consentida sem camisinha também pode buscar o pronto-socorro e solicitar a PEP. “Lá, essa pessoa vai ser orientada sobre a importância do uso do preservativo e as precauções que precisa tomar para evitar nova exposição”, explicou a infectologista Valéria Lima.
O que é Prep?
A PREP é a Profilaxia Pré-Exposição, ou seja, uma prevenção à infecção pelo vírus. Diferente de uma vacina, a PREP não torna a pessoa que toma o medicamento imune ao HIV, mas evita que ele se instale no sistema sanguíneo.
O público prioritário para este tipo de profilaxia, segundo o Ministério da Saúde, compreende os homossexuais, homens que fazem sexo com outros homens, transexuais, profissionais do sexo e parceiros sorodiscordantes – quando um tem o vírus e o outro não.
Por enquanto, a Prep ainda não está disponível no SUS, mas deve começar a chegar em janeiro de 2018. Segundo a Secretaria de Saúde do DF, a capital deve receber a profilaxia no Hospital Dia, que fica na 508/509 Sul e é considerado o maior centro de referência em tratamento do HIV e da Aids em Brasília.
Desde 2014, a Prep é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para pessoas em risco considerável de se infectarem com HIV e sua eficácia foi comprovada por quatro estudos clínicos. (informações reproduzidas do G1)