Um milagre antecipado de Natal. É o que acredita a empregada doméstica Sílvia Maria da Silva, de 50 anos, que adiantou sua ida à padaria na manhã deste sábado (2), por ter acordado ainda de madrugada e perdido o sono, e achou uma garotinha recém-nascida abandonada na rua, dentro de uma caixa de papelão. Normalmente, Sílvia sai para comprar pão às 7h40, mas saiu do endereço onde trabalha, na rua Cassiano Campolina, no bairro Dona Clara, na Pampulha, exatamente às 6h05.
Sílvia não deu dez passos e escutou um barulho vindo da caixa que estava na calçada, entre uma lixeira e uma árvore. “Um gemido, tipo de um cachorrinho. Fui curiosa e puxei o pano que cobria a caixa. Para a minha surpresa, era uma criança dentro da caixa. Fiquei muito emocionada, tremendo”, disse a doméstica, sem conter as lágrimas. A recém-nascida, que pesa 2,4kg, ainda estava com o cordão umbilical e foi socorrida no Hospital Sofia Feldman.
Quem abandonou a criança teve o cuidado de deixá-la sobre uma toalha de banho, no interior da caixa, com fralda descartável e com roupas, meias e enrolada em uma manta. Sobre a caixa, um edredom para proteger o bebê da chuva. “Foi uma coisa de Deus. Ele me colocou essa criança no meu caminho. Para mim, foi um milagre antecipado de Natal que vai mudar a minha vida para sempre”, acredita a doméstica.
Sílvia conta que correu para chamar os patrões, que moram em um prédio ao lado. “A criança estava viva. Ela mexeu”, disse, emocionada. Ela e os patrões levaram a caixa e o bebê para o apartamento e acionaram a Polícia Militar (PM).
“É muito emocionante. Tanta gente que ama criança e tanta gente abandonando uma criança”, lamentou Sílvia, que é solteira, não tem filhos e disse que gostaria muito de adotar a criança, mesmo sabendo da existência de uma fila de espera. “Uma menina linda. Gostaria muito de adotá-la. Colocaria o nome de Vitória”, comentou.
Segundo a doméstica, tudo indica que a menina tinha acabado de ser abandonada, pois havia chovido de madrugada, o chão estava molhado e a recém-nascida ainda estava aquecida. “A menina usava uma blusinha e uma meia de menino. Pelo jeito, quem a deixou já deve ter algum filho homem”, observou a doméstica. “Gostaria de acompanhar a vida dessa garotinha. Seria um presente de Natal para o resto da minha vida se eu pudesse ter ela para mim. É uma história triste, mas estou feliz por salvar uma vida”, comentou. “Já chorei muito hoje e ainda tenho muito para chorar, hoje e sempre. Esse dia vai ficar marcado na minha vida”, disse a doméstica, enxugando as lágrimas.
Emoção
A professora Renata Moreira Dutra, de 43, patroa de Sílvia, é outra que não consegue conter as lágrimas de emoção. Ela e o marido, o advogado Júlio César Moreira, de 51, acompanharam Sílvia e os militares ao Hospital Sofia Feldman, para onde a criança foi levada. A médica permitiu que Renata cortasse o cordão umbilical da menina e a professora se emocionou.
“Estou emocionadíssima. Pegamos a caixa com a criança e a colocamos em cima da mesa da minha sala. A criança deu uma choradinha e eu, no meu instinto materno, pois tenho dois filhos, peguei a criança enroladinha no pano e ela parou de chorar. Eu só a tirei do meu colo quando a entreguei para a médica lá no hospital”, conta a professora. “A médica me perguntou seu eu queria cortar o cordão umbilical e para mim foi uma emoção maior ainda”, comentou Renata.
Depressão
A professora disse não julgar a mãe que abandonou a criança. “No meu primeiro filho, eu tive depressão pós-parto. Não, obviamente, nesse nível, de abandonar a criança. Mas, é um problema gravíssimo. Penso que essa mãe, neste momento, deve estar sofrendo muito”, acredita Renata.
Outra hipótese para o abandono, na opinião dela, seria um caso de pobreza extrema da mãe. “Talvez, ela não tenha condições de criar essa criança. A mãe também pode ter sido estuprada. Não julgo essa mãe. Só peço a Deus que seja misericordioso com ela. Essa mãe ainda deve estar sentindo dores pós-parto. Deve estar sangrando, fisicamente e por dentro também, de sofrimento”, disse a professora.
Para Renata, foi Deus que colocou Sílvia no caminho da criança. “Tenho certeza que Deus colocou Sílvia para acordar mais cedo, em pleno sábado chuvoso, e resolver ir à padaria às seis e pouca da manhã, comprar pão. Isso é uma coisa fora da rotina dela. A Sílvia mora conosco há sete anos. Ela, realmente, foi um anjo. uma pessoa escolhida por Deus”, disse a professora, lembrando que o atendimento à criança foi rápido e salvou a vida dela. “Segundo a médica, esse atendimento rápido foi decisivo para a criança estar com o quadro clínico extremamente estável”, disse Renata. “Sílvia foi uma heroína”, comentou, ao abraçar a funcionária.
Adoção
A expectativa do advogado Júlio César, caso a família da criança não seja localizada, é que o poder judiciário seja rápido no processo judicial de adoção. “Que ela ganhe logo uma família. Essa criança só tem três ou quatro horas de vida neste momento e que possa receber o amor que ela não teve nessas primeiras horas de vida”, espera o advogado, emocionado. “Estamos em dezembro, próximo do Natal, e nada acontece por acaso. Ter colocado a gente no caminho desta criança foi um desígnio de Deus”, acredita Júlio César.
Imagens
Peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil estiveram na rua Cassiano Campolina tentando imagens de câmeras de vigilância dos imóveis próximos ao local, na esperança de identificação da pessoa que abandonou a criança. As investigações continuam.
A jornalista Ana Flávia Fonseca Araújo, de 40, é moradora antiga da rua e conta que há 20 anos uma outra bebê recém-nascida foi abandonada a dois quarteirões do local. “Não sei o destino dela. Só sei que veio a polícia e fez todos os trâmites legais”, comentou. O bairro Dona Clara ainda não era tão desenvolvido na época, segundo ela, e os imóveis não tinham câmeras de vigilância.
Hospital
O Hospital Sofia Feldman divulgou nota informando que a recém-nascida passou por avaliação de pediatras e encontra-se bem. O estado de saúde dela é estável e segue sob os cuidados da equipe multiprofissional. Segundo o hospital, a criança deu entrada por volta das 6h30 e a hora provável de nascimento foi por volta das 4h.
O serviço social do hospital acompanha a criança. Nesta segunda-feira, o caso será levado ao conhecimento da Vara da Infância e da Juventude para os procedimentos cabíveis. A criança vai permanecer sob os cuidados do hospital, à disposição da Justiça. (Informações reproduzidas do jornal O Tempo)