Primeiro veio o bullying: “Fulana é horrorosa”. Depois, com as redes sociais, o ciberbullying, em que as ofensas passaram a ser feitas online, alcançando grandes proporções. Existe também a automutilação: pessoas com sintomas depressivos que se cortam. Agora surge um novo fenômeno, não menos assustador: jovens estão se agredindo de maneira anônima e online. Um estudo norte-americano mostrou que um em cada 16 adolescentes já fez esse tipo de post, denominado “autociberbullying” ou “automutilação digital”. Isso acontece quando alguém cria um perfil online falso para postar, compartilhar ou enviar mensagens e ameaças de ódio contra si próprio. E já há casos do tipo denunciados no Brasil.
“Nos faça o favor de se matar”; “Você deve pular de um telhado e se matar”; “Você é patético e não merece estar vivo”. Esses comentários foram publicados em um popular aplicativo de redes sociais anônimas dos Estados Unidos (EUA), e um professor de justiça criminal da Universidade de Wisconsin-Eau Claire, Justin W. Patchin, foi contatado por um policial que estava investigando essas ameaças. Até que eles descobriram que o remetente das mensagens prejudiciais era o próprio destinatário.
Patchin e Sameer Hinduja, professor da Escola de Criminologia e Justiça Criminal da Universidade Florida Atlantic, dirigem o Cyberbullying Research Center. Eles entrevistaram 5.539 jovens de 12 a 17 anos para entender o alcance do que chamam também de “autodano digital”. Os pesquisadores se impressionaram com o fato de 6,2% dos adolescentes terem respondido que já publicaram online, anonimamente, algo ofensivo sobre si mesmos.
De acordo com a pesquisa, meninas fazem isso com menor frequência que os rapazes, mas os motivos que as levam à autoagressão seriam mais preocupantes, segundo Patchin. Enquanto os meninos dizem querer apenas chamar a atenção, nas palavras delas há sinais de depressão, diz o especialista americano. Os adolescentes homossexuais, os que já haviam sido vítimas de ciberbullying, e os que relatam fazer uso de drogas, ter sintomas depressivos ou ter se envolvido anteriormente com comportamentos de automutilação offline são significativamente mais propensos ao autodano digital.
Esses comportamentos ganharam mais atenção em 2013, quando a garota inglesa Hannah Smith, 14, enviou mensagens negativas anônimas em uma plataforma de mídia social semanas antes de seu suicídio. No ano passado, a norte-americana Natalie Natividad, 15, também suicidou-se depois de sofrer bullying na escola e online. As ofensas anônimas contra ela em um aplicativo a chamavam de “feia” e diziam que ela “deveria se matar”. As investigações mostraram que as duas jovens eram as próprias autoras da maioria das mensagens de ódio.
Começo
“Havia um foco maior nas formas tradicionais de autolesão entre adolescentes (que se cortavam, se queimavam), não só por causa do dano físico e da turbulência interna, mas também pela ligação do autodano com o suicídio. No entanto, a versão digital da automutilação não estava tendo a mesma investigação”, escreveu Patchin em seu artigo sobre o estudo, publicado na página do Cyberbullying Research Center e enviado por ele à reportagem. O professor ressalta, porém, que esse levantamento é só o começo da percepção sobre esse universo.
No Brasil, o psicólogo e diretor de educação da SaferNet (associação civil com foco na defesa dos direitos humanos na internet), Rodrigo Nejm, afirma que há relatos pontuais de educadores de algumas escolas que se encaixam nesse fenômeno. “Tomamos conhecimento de alguns casos em que o próprio sujeito inicia o ataque contra ele online para entender como os outros o veem, para acessar sua popularidade, testar se alguém vai defendê-lo, ou casos relacionados com grupos que já praticam a automutilação (offline)”, alerta Nejm. (O Tempo)