A Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) decide nesta quinta-feira (14) se suspende as regras que impedem operadoras de telecomunicação de cobrar preços diferentes de acordo com o tipo de conteúdo acessado.
As empresas que fornecem acesso à internet são favoráveis à decisão. Já as companhias que usam a internet para entregar conteúdo são contrárias, assim como ativistas do mundo digital e acadêmicos que criaram a rede mundial dos computadores. No centro da discussão está a neutralidade de rede, que determina que nenhum pacote transmitido pela rede tenha seu tráfego discriminado.
Na prática, esse princípio da internet garante que mensagens enviadas pelo WhatsApp tenham prioridade equivalente aos dados enviados pelo Netflix durante a exibição de um filme, por exemplo. Ou seja, nenhum pacote, seja lá de que serviço for, pode furar a fila.
Regulamentação
No Brasil, a neutralidade de rede passou a ser garantida a partir de 2014, quando o Marco Civil da Internet entrou em vigor –no passado, algumas exceções foram liberadas, como os conteúdos necessários a serviços de saúde e segurança e intervenções para garantir a rede, como impedir robôs de inundar um serviço prioritário como o da Receita Federal.
Nos Estados Unidos, a regra entrou em vigor em 2015, durante a presidência do democrata Barack Obama –o pleito foi uma promessa de campanha. Naquele ano, a FCC começou a classificar a banda larga como um serviço de utilidade pública, assim como a eletricidade e o telefone fixo.
Utilidade pública
Essa classificação, incluída em 2015 no Ato das Comunicações americano, criado em 1934 para impedir que a telefonia fosse interrompida, controlada ou ainda fornecida de acordo com o conteúdo das conversas.
Equiparar internet e telefonia garantiu que nenhum conteúdo online pudesse ser bloqueado e impediu que a rede fosse dividida em faixas, uma para os serviços que podem pagar para serem transmitidos de forma veloz, e outra, para os que não podem. A interrupção ou limitação do acesso só pode ser feita por falta de pagamento ou quando o pacote de dados chega ao fim.
Na época, Tom Wheeler, então presidente da FCC, justificou a mudança dizendo que:
“[O acesso à internet é] muito importante para deixar os provedores de banda larga fazerem as regras”.
Apenas um conselheiro, o atual presidente da comissão Ajit Pai, afirmava que “não havia problema para resolver”.
“A internet não está quebrada.”
O republicano nomeado pelo presidente Donald Trump para presidir a FCC é o principal defensor da reclassificação.
O que muda?
O que os cinco membros da FCC votarão é se a banda larga fixa volta a ser classificada como “serviço de informação” e a internet móvel como “serviço de interconexão”. Enquadrados dessa forma, as duas modalidades de conexão saem do âmbito da FCC e passam a poder ser comercializadas de acordo com o interesse do mercado.
Segundo a comissão, infrações à neutralidade de rede serão coibidas com as normas já existentes nas leis antitruste e de proteção ao direito do consumidor.
“Segundo a minha proposta, o governo federal vai parar de microgerenciar a internet”, afirmou Pai.
O que a FCC fará é aumentar a exigência por transparência. As operadoras serão obrigadas a informar:
- como gerenciam a rede;
- a performance da rede;
- termos comerciais do serviço.
“Isso ajuda os consumidores a escolher o que funciona melhor para eles e permite que empreendedores e outros pequenos negócios obtenham informações necessárias para inovar”, informa a FCC. “Consumidores individuais, não o governo, decidem qual é o acesso à internet corresponde da melhor forma a suas necessidades individuais.”
A FCC ainda eliminará as regras de conduta que provedores de internet têm de seguir. Dá três argumentos para isso:
- Jurídico: não há “autoridade legal” para cobrar dessas empresas as mesmas exigências de empresas de telecomunicação;
- Custo-benefício: “O custo dessas regras à inovação e ao investimento são muito mais pesados do que qualquer benefício que podem trazer”, diz a FCC.
- Outras leis: os clientes terão outros meios para se proteger, já que a transparência dos serviços vai aumentar e “comportamentos inconsistentes com uma internet aberta” poderão ser punidos como práticas anticompetitivas e atentados ao direito do consumidor.
A revogação da garantia à neutralidade de rede é o mais alto ponto da série de flexibilizações regulatórias que a FCC vem fazendo durante a gestão de Donald Trump na Casa Branca.
A comissão já afrouxou regras que impediam a concentração de rádios e estações de TVs, além de propor limitar um programa que subsidia o acesso à internet banda larga para população de baixa renda e tenta acabar com a obrigação de empresas responderem em até 180 dias a respeito de limitações na infraestrutura de rede.
Como era antes?
Antes de a FCC classificar a internet banda larga como serviço de utilidade pública, empresas de telecomunicações nos Estados Unidos estavam livres para degradar o tráfego online dos serviços que quisessem. Elas podiam até fechar acordos comerciais que quisessem turbinar a velocidade de seus programas. As eventuais práticas abusivas eram avaliadas caso a caso pela FCC, que poderia aplicar uma punição.
Veja exemplos de situações que ocorreram nos Estados Unidos antes de valer a regra da neutralidade de rede:
- Velocidade maior para serviço de streaming: Exemplo desse último caso foi o que ocorreu entre Netflix e Comcast em fevereiro de 2014. O serviço de streaming pagou para a provedora de internet Comcast ampliar a velocidade de transmissão de seus vídeos e séries. No mês seguinte, a velocidade dos clientes da Comcast que assinavam a Netflix já havia subido de 1,5 Megabit por segundo para 2,5 Mbps.
- Bloqueio de ligações pela internet: Em 2015, a Madison River Communications estava prestes a lançar ações na Bolsa de Valores quando forçou a FCC a intervir nessa área pela primeira vez. Dona de várias companhias de telefone no sudeste e meio-oeste dos EUA, a companhia foi flagrada bloqueando ligações telefônicas pela internet (VoIP) para podar a concorrência. A comissão fechou um acordo para a empresa pagar uma multa de US$ 15 mil e se comprometer a cessar a prática.
- Tráfego de dados: O primeiro caso de uma grande empresa punida por infringir a neutralidade de rede também foi protagonizado pela Comcast. A companhia degradava o tráfego do BitTorrent, programa de troca de arquivos entre usuários (“peer-to-peer”) que permite baixar conteúdos pirateados. Em 2008, a FCC decidiu que a ação era ilegal. A Comcast deveria cessá-la e avisar seus clientes sobre como gerenciava o tráfego.