Parece brincadeira, mas não é. Há pouco mais de um ano, no dia 16 de dezembro de 2016, a Prefeitura de Itabira realizou a solenidade relativa ao pagamento da terceira parcela anual dos contratos com quase cem proprietários rurais que participaram do Projeto “Preservar para não secar” – a primeira parcela foi paga em dezembro de 2014 e a segunda em dezembro de 2015. Em dezembro de 2017, deveria ser paga a quarta parcela e no final de 2018 a quinta e última parcela. Porém, a atual equipe do governo municipal decidiu acabar com o projeto e os proprietários rurais que participavam desde o primeiro ano ficaram “a ver navios” – o principal argumento foi a falta de recursos, mas já ficou demonstrado que os recursos para esse projeto já estavam disponíveis no FEGA (Fundo Especial de Gestão Ambiental).
Para quem não acompanhou os acontecimentos, apresento a seguir um resumo dessa história:
* Em 2013 a equipe da então Secretaria Municipal de Meio Ambiente estudou os problemas relacionados à “falta de água” em Itabira e elaborou a proposta de um projeto para incentivar a preservação de nascentes na área rural do nosso município, através do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), um tipo de projeto que já existia em alguns municípios, em governos estaduais e no governo federal – a legislação permite remunerar, por meio de projetos e programas desse tipo, as pessoas que contribuem para a preservação ambiental;
* Para elaborar o projeto implantado no ano de 2014 a Prefeitura de Itabira enviou algumas pessoas aos municípios de São Gonçalo do Rio Abaixo(MG) e Extrema(MG), que já contavam com projetos semelhantes implantados e funcionando, e também estudou projetos de governos estaduais e do governo federal – o projeto itabirano ganhou o nome de “Preservar para não secar” e se tornou referência, sendo o governo municipal daquela época elogiado por representantes de vários órgãos públicos estaduais e organizações não-governamentais que atuam na área ambiental, além de ter sido procurado posteriormente por outros municípios que cogitavam implantar projetos semelhantes;
* No segundo semestre de 2014 foi aberto um edital para inscrição dos interessados em participar do projeto e cerca de cem proprietários rurais se cadastraram e elaboraram um relatório sobre suas propriedades e apresentaram uma série de documentos, que após analisados deram origem ao contrato firmado por cinco anos, através do qual os proprietários se comprometeram a manter preservadas as nascentes e áreas de mata nativa existentes em suas propriedades, além de manter ou implantar estruturas de saneamento básico para destinar de forma adequada o esgoto sanitário gerado em cada local e organizar toda a documentação relativa à regularização das áreas de preservação permanente ao redor das nascentes e dos cursos d’água e também das áreas de reserva legal previstas em lei, através do registro no Cadastro Ambiental Rural(CAR);
* Em 2015 e 2016 foram realizadas visitas, vistorias e avaliações em cada propriedade cadastrada no projeto verificar se os proprietários cumpriram os compromissos assumidos e confirmar se teriam direito a receber os pagamentos previstos para dezembro de cada ano – praticamente todos os proprietários se mantiveram no projeto e receberam os valores, sendo pagos em dezembro de 2016 um total de R$ 657.714,54 para 93 (noventa e três) proprietários que cumpriram as metas de preservação e cercamento de nascentes, inscrição no CAR, manutenção adequadas das áreas de preservação e implantação do saneamento rural adequado em suas propriedades;
* Em 2017 os pagamentos não foram realizados, apesar de os proprietários continuarem cumprindo os compromissos assumidos – o argumento de “falta de recursos” utilizado para acabar com o projeto não é verdadeiro, uma vez que os recursos utilizados para pagar os proprietários são do FEGA (Fundo Especial de Gestão Ambiental) e no final de agosto, mais exatamente em 24 de agosto de 2017, a presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) e secretária municipal de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Priscila Braga Martins da Costa, afirmou na reunião do conselho que o saldo desse fundo era de cerca de um milhão e trezentos mil reais, valor que já seria suficiente para pagar o projeto “Preservar para não secar” em 2017 e em 2018 e ainda sobrar muito dinheiro, uma vez que o FEGA ainda tem a receber um grande volume de recursos relativos a esses anos;
* Confiram o que diz a Lei Municipal 3761, de 2003, em seu artigo 38: “Art. 38. Constituem receitas do FEGA: I – recursos provenientes de dotação específica, se inserida na Lei Orçamentária Anual do Município; II – a arrecadação de multas por infração à legislação ambiental; III – doações, auxílios, subvenções, contribuições, transferências e participações em instrumentos jurídicos firmados entre ou com entidades municipais, estaduais, federais e internacionais; IV – os recursos provenientes da cobrança de tarifas e taxas sob a esfera de competência da Secretaria de Meio Ambiente; V – as contribuições resultantes de doações de pessoas físicas e jurídicas ou de organismos públicos e privados, nacionais ou internacionais; VI – os rendimentos de qualquer natureza que venham auferir como remuneração decorrente de aplicação do seu patrimônio; VII – o saldo de exercícios anteriores; VIII – ICMS ecológico destinado ao Município; IX – 1,0% (um por cento) da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), destinada ao Município; e X – outros rendimentos que, por sua natureza, possam ser destinados ao FEGA.” – a título de exemplo, somente os valores relativos ao inciso IX (1% da CFEM) devem gerar para o FEGA cerca de meio milhão de reais em 2017.
Mais uma vez, deixamos aqui a sugestão de que o Codema, os proprietários rurais, as lideranças comunitárias, os vereadores, os setores organizados da sociedade de Itabira e os cidadãos em geral procurem se informar melhor sobre a legislação municipal, sobre os projetos existentes em nosso município e sobre a arrecadação e a aplicação dos recursos públicos, principalmente sobre os fundos municipais e outros recursos cujas prestações de contas e fiscalização ainda deixam muito a desejar. Até a próxima!
* Nivaldo Ferreira dos Santos é Mestre em Administração Pública, Professor, Líder Comunitário e Servidor Público
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