Uma coisa é ter uma obra inquestionável, importante para a história da arte. Outra é alcançar a universalidade e a atemporalidade a partir dela. Charles Chaplin é um dos poucos artistas no mundo, se não o único, que conquistou esses dois atributos. Falecido há 40 anos, no dia do Natal de 1977, em Corsier-du-Vevey, na Suíça, o criador do eterno vagabundo Carlitos ainda exerce um grande fascínio sobre as plateias.
“Uma criança faminta na África ou uma pessoa com pouca instrução formal vai entender e emocionar com uma cena feita há 70, 80 anos da mesma maneira que todo mundo”, observa Rafael Ciccarini, vice-reitor executivo da Uni-BH, responsável por trazer a Belo Horizonte, em 2012, a maior mostra de filmes de Chaplin realizada no Brasil, quando estava à frente da coordenação do Cine Humberto Mauro.
Excluídos
Para Ciccarini, a importância do artista inglês vai muito além do realizador de cinema. Está também no homem “que tentou se colocar em tudo o que fez, levantando várias bandeiras sociais como alguém que defendia os excluídos”. O personagem pobre, de roupas desproporcionais e sujas, chapéu-coco e bengala nada mais é do que uma reprodução do próprio autor, que cresceu no subúrbio de Londres, com pais praticamente ausentes.
“Toda a sua obra teve uma dimensão autobiográfica. Está na essência do trabalho dele tratar esses temas pessoais e universalizá-los. Ele está sempre no limiar entre a alegria e a tristeza”, registra Ciccarini. Como exemplo, ele cita a icônica sequência em que um Carlitos esfomeado tenta comer, no filme “Em Busca do Ouro”, o pé de uma bota como se fosse um farto jantar. “É trágico, porque não tem o que comer, mas ela fica lúdica de alguma maneira. Realizar esse meio de campo é muito difícil”, analisa.
A partir de Carlitos, o pesquisador diz ser possível fazer uma leitura do século XX. “Carlitos acredita na vida. Ele comete erros, é trapalhão, mas é do bem. Depois do Holocausto e dos campos de concentração, ele desaparece, já não faz mais sentido. O mundo pode ser dividido em antes e depois de Carlitos”, registra.
O filme seguinte à Segunda Guerra é “Monsieur Verdoux”, pessimista, cinzento e pragmático, como destaca Ciccarini. Ele comenta a cena final, em que Verdoux caminha em direção ao horizonte, era a forma como Chaplin gostava de terminar os filmes de Carlitos. “É como se lembrasse do vagabundo, fazendo alusão a outro tempo”, diz. (Hoje em Dia)