Após lamentar as “feridas profundas” da Amazônia e a violência contra a mulher, o papa Francisco afirmou nesta sexta-feira (19) que o pulmão do planeta nunca esteve tão ameaçado quanto agora e disse que o tráfico de pessoas é “escravidão”, durante sua visita a uma remota região do Peru.
“Provavelmente os povos amazônicos originários nunca estiveram tão ameaçados em seus territórios como estão agora”, disse o pontífice em um encontro com 3.500 índios peruanos, brasileiros e bolivianos em Puerto Maldonado, no segundo dia de sua visita ao Peru.
“Vemos as profundas feridas que a Amazônia e seus povos levam consigo. E quis vir visitá-los e escutá-los para (…) reafirmar uma opção sincera pela defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas”, acrescentou o Papa argentino no encontro ocorrido em uma arena esportiva.
Danos ambientais, desmatamento, contaminação de rios, pobreza, tráfico de pessoas e prostituição são enfrentados pelos povos originários, que pediram ajuda ao papa.
“Pedimos a ele que nos defenda”, pois “os nativos são sobreviventes de muitas injustiças”, disse Yésica Patiachi, do povo Harakbut.
– ‘Não deixar que as mulheres sejam pisoteadas’ –
Depois o Papa compareceu a um encontro multitudinário com fiéis, no qual afirmou que o tráfico de pessoas não é mais do que “escravidão”, também criticou a violência contra as mulheres
“Nos acostumamos a usar o termo ‘tráfico de pessoas’ (…), mas, na realidade, deveríamos falar de escravidão: escravidão para o trabalho, escravidão sexual, escravidão para o lucro”, disse.
“As florestas e os rios são usados até o último recurso e depois deixados vazios e sem função. As pessoas também são tratadas sob essa lógica”, acrescentou.
Declarou que “dói constatar como nesta terra, que está sob o amparo da mãe de Deus, tantas mulheres são desvalorizadas, menosprezadas e expostas a inúmeras violências”.
“Não se pode ‘naturalizar’ a violência com as mulheres (…). Não é certo olhar para o outro lado e deixar que tantas mulheres, especialmente adolescentes, sejam ‘pisoteadas’ em sua dignidade”, continuou, na presença do presidente Pedro Pablo Kuczynski.
Ao sair do encontro com os índios, Francisco usou um mini papamóvel antes de chegar ao papamóvel tradicional para ir a um grande encontro no prédio de um instituto tecnológico.
– ‘Não levam o ser humano em conta’ –
O Papa chegou de manhã a Puerto Maldonado, localidade de quase 100 mil habitantes, o último ponto urbano do Peru antes de adentrar a floresta, perto da fronteira com Brasil e Bolívia.
Francisco ouviu as reclamações das comunidades preocupadas com a exploração selvagem dos recursos naturais, um dia depois de terminar uma viagem pelo Chile marcada por polêmicas pelos abusos sexuais na Igreja.
No entanto, o pontífice também alertou que há programas de conservação da natureza que tampouco levam em conta os povos amazônicos.
“A ameaça contra seus territórios também vem pela perversão de certas políticas que promovem a ‘conservação’ da natureza sem levar em conta o ser humano”, expressou, criticando os programas de esterilização de mulheres, praticados no Peru durante o governo de Alberto Fujimori (1990-2000).
No Chile, o Papa multiplicou as declarações de contrição pelo silêncio da Igreja diante dos abusos sexuais do clero, embora tenha defendido o bispo acusado de acobertá-los, o que enfureceu as vítimas
O tema da pedofilia também apareceu no Peru, embora não prevejam uma dificuldade na visita papal: o Vaticano interveio há alguns dias no grupo laico peruano Sodalício da Vida Cristã, cujo fundador, Luis Fernando Figari, e outros três dirigentes são acusados de abusos sexuais.
– Mineração, fator ‘crítico’ –
Puerto Maldonado é a capital da mineração ilegal do Peru, que gera lucros de um bilhão de dólares por ano, mas não deixa benefícios aos povos originários nem à Receita, que perde a arrecadação de cerca de 350 milhões de dólares por ano em impostos, segundo cifras oficiais.
“No sul do Peru, a atividade mineradora é o fator mais crítico” do desmatamento, assegura Matt Finer, diretor do projeto Maap (controle dos Andes amazônicos), formado por duas associações ecologistas, uma local e outra americana.
A destruição da Amazônia se acelerou em 2017 com um recorde de 20 mil hectares devastados, o equivalente a 28.500 campos de futebol, segundo o Maap.
Além disso, os mineiros usam mercúrio para amalgamar o ouro, o que contamina os rios.
A Amazônia, que cobre um terço do território peruano, é tão extensa e remota que não há presença do Estado, o que facilita o crime. Muitas aldeias apenas são acessíveis pela via aérea ou fluvial.
No primeiro semestre de 2017 foram relatados na zona de Puerto Maldonado mais de 100 casos de prostituição infantil e esta lidera o ranking do tráfico de pessoas no Peru, segundo o Ministério Público.
No sábado, o Papa visitará a cidade de Trujillo (norte) e no domingo encerrará sua visita com uma missa campal na base aérea de Lima, onde foram vistas pessoas vendendo ingressos para ver o Papa, embora a entrada seja gratuita.
Em Puerto Maldonado não está programada nenhuma missa papal.