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A Promotoria das Fundações do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPRJ) não autorizou a contratação da Fundação Getulio Vargas (FGV) pela Samarco para avaliar e mensurar os danos socioeconômicos ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio Doce causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, em 2015. E, diante do posicionamento contrário do MPRJ, as forças-tarefas do Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público de Minas Gerais (MPE-MG) entenderam que a celebração do contrato deveria ser suspensa até esclarecimento da questão, o que já foi comunicado ao juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte. Vários vícios teriam sido encontrados no contrato, que é parte das medidas aditivas ao Termo Transacionado de Ajustamento de Condutas (TTAC) impostas pela força-tarefa Rio Doce, em novembro do ano passado.
A força é composta por procuradores da república e promotores de Justiça dos ministérios públicos Federal (MPF) e Estadual (MPE) de Minas Gerais e do Espírito Santo e a escolha da FGV teria sido fruto de mais de 40 reuniões de grupos de estudos. Em 18 de novembro do ano passado, a reportagem do Estado de Minas denunciou um conflito de interesses na contratação da FGV devido à mineradora Vale, que é controladora da Samarco, ao lado da BHP Biliton, ter um suplente à cadeira de curadoria da instituição. E foi justamente com base nessa denúncia que os promotores de Justiça da Promotoria das Fundações negaram a contratação da FGV.
O rompimento é considerado o maior desastre socioambiental brasileiro, que matou 19 pessoas e deixou cerca de 500 mil atingidos entre Minas Gerais e o Espírito Santo, devastando a bacia do Rio Doce e parte do litoral da Região Sudeste.
No ofício, que foi expedido em dezembro último, os quatro promotores de Justiça do Rio de Janeiro afirmam que o procedimento administrativo foi instaurado após “notícia de fato, oriunda a princípio de matéria jornalística”. Os promotores, de início, estranharam a procura pela FGV devido ao relacionamento com a controladora da Samarco. “O próprio Ministério Público (MPF e MPMG) coadunou com as condições da contratação, não vislumbrando qualquer impedimento no fato da Vale constar no Conselho Curador da FGV.” O Conselho de Curadores é o órgão responsável pela orientação geral da entidade, sendo a diretoria a executora dessas deliberações.
Em reunião preliminar com os representantes da FGV, mais indícios de conflitos de interesses que poderiam prejudicar os levantamentos de danos socioambientais em favor dos causadores. Os promotores contaram ter sido informados de que quem validou a contratação da FGV foi justamente do Conselho de Curadores da instituição, onde a Vale conta com um membro. “Fez-se muito mais que simples parecer jurídico ou submissão ao conselho curador (que não tem este tipo de atribuição de autorizar contratações).”
PARTE INTERESSADA O fato de a Samarco ter sido arrolada como a única causadora do dano e contratante, também chamou a atenção, uma vez que em todas as peças jurídicas e contratuais a Vale e a BHP Biliton devem aparecer como causadoras por serem controladoras da mineradora. A promotoria afirma ter enviado comunicado à força-tarefa Rio Doce informando “que a empresa Vale é integrante do Conselho de Curadores da Fundação Getulio Vargas e que a celebração do contrato em tela viola o que dispõe o parágrafo primeiro do artigo 43 da Resolução GPGJ.68/79, notadamente diante do evidente interesse econômico da Vale, empresa causadora do dano, na avaliação econômica do mesmo”.
A citada resolução proíbe que a fundação atue em negócios diretos ou indiretos, de qualquer natureza, que envolvam as empresas integrantes dos órgãos estatutários da FGV. É o caso da Vale, que integra o Conselho de Curadores desde 2012, como mostrou a reportagem do EM. “Desse modo, há evidente interesse econômico da Vale no resultado do dimensionamento do dano a ser por ela indenizado”, atestam os promotores. No ofício, os promotores de Justiça também salientam que a Vale tem um contrato imobiliário com a FGV para aluguel do Edifício Niemeyer, no Rio de Janeiro, onde funcionou a sede da empresa, “igualmente sem autorização da promotoria, demonstrando que a entidade não se submete adequadamente à fiscalização do órgão”.
Tentando legitimar essa contratação, a Vale informou aos promotores ter renunciado à sua cadeira na FGV. “Contudo, os promotores de Justiça decidiram que apesar da renúncia conferir uma aparência de normalidade ao negócio jurídico em questão, a esta altura, em que as tratativas já foram desenvolvidas, em contexto que incluiu notícia de evidente e lógico alinhamento de interesse econômico, salta aos olhos que tal medida revela-se de todo inócua para garantir a preservação do interesse público”, informou o MPRJ por meio de nota. “A decisão ressalta, ainda, que a FGV teria celebrado contrato de locação de valioso imóvel de sua propriedade com a Vale S/A, bem como que a Vale S/A e a Samarco figuram como doadoras da fundação, reforçando a necessidade de não autorização do contrato e de alinhamento de interesses.”
COMUNICADO Por meio de nota conjunta, o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Minas Gerais informaram que, em 19 de dezembro de 2017, receberam comunicação da Promotoria de Fundações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) – responsável pela curadoria da Fundação Getulio Vargas (FGV) – manifestando posição contrária à contratação da fundação pela Samarco Mineração para realizar o diagnóstico de danos socioeconômicos na Bacia do Rio Doce, decorrentes do desastre do rompimento da Barragem de Fundão. As forças-tarefas de ambas as instituições entenderam que a celebração do contrato deveria ser suspensa, e enviou um comunicado ao juízo da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte.
“Tendo em vista que a contratação da FGV decorre de um processo de tratativas que incluem a Samarco Mineração, a Vale e a BHP Billiton Brasil, o MPF e o MPMG também se reuniram com representantes das referidas empresas para tratar do assunto. Por meio de nota, a Samarco esclareceu que “não existe impedimento de contratação da FGV, seja por força de lei, ou decisão judicial.” A empresa informou que o processo de contratação da fundação ainda não foi concluído. “Os valores serão públicos após efetiva contratação”, afirmou. Já a Vale se limitou a dizer que não mais participa do Conselho de Curadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV). E a fundação, também por meio de nota, informou que não há contrato entre as partes e a Vale não faz mais parte de seu conselho.
Homologação anulada
Após o rompimento da Barragem de Fundão, operada pela Samarco em Mariana, em 2015, foi firmado um Termo Transacionado de Ajustamento de Condutas (TTAC) entre a mineradora e suas controladoras, Vale e BHP Biliton, União e governos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo para a reparação de danos, no valor de R$ 20 bilhões. Esse acordo criou a Fundação Renova para gerenciar e contratar as ações socioambientais, mas nunca foi aceito pelos representantes do Ministério Público Federal e Estadual.
Em 2016, os procuradores da república e promotores de Justiça da força-tarefa Rio Doce anularam na Justiça a homologação do TTAC e propuseram um custo de reparação de R$ 150 bilhões. Contudo, em 16 de novembro do ano passado, a força-tarefa assinou um novo acordo que redundará num Termo de Ajustamento de Conduta Final (TACF). Esse termo prevê a criação das Assessorias Técnicas (Ats), que são instituições especializadas e escolhidas pelas 15 comunidades atingidas já identificadas para auxiliar no acesso aos seus direitos financeiros, morais e culturais, definindo a extensão dos danos sofridos e as necessidades de reparação de cada realidade. As Ats serão financiadas pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos (FundoBrasil), instituição que, segundo a força-tarefa, tem “reconhecida atuação na área social e que receberá os recursos das empresas e marcará audiências para a escolha das ATs”.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi designada para avaliar e mensurar todos os danos socioeconômicos ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. De acordo com o MPF, as indicações da FGV e do Fundo Brasil são fruto de indicações em mais de 40 reuniões realizadas por um grupo de estudos constituído por representantes dos atingidos e instituições interessadas na solução dessa devastação. Entretanto, assim que a FGV foi escolhida, todas as universidades e várias instituições de pesquisa se retiraram do grupo de estudos.