M.S. era conhecida da família de sua empregadora havia cerca de 30 anos – ela e o marido já tinham trabalhado para o pai da patroa em uma fazenda em Itapiru, um distrito de Rubim, no Vale do Jequitinhonha. Quando o marido morreu, M.S. deixou a fazenda e foi trabalhar na casa da conhecida. Oito anos depois, aos 68 anos, ela se tornou a única trabalhadora doméstica a ser resgatada em condição análoga à escravidão em Minas.
Junto com seu filho, dormia em um cômodo de 2 m de largura, trabalhava todos os dias da semana, sem folga e sem salário. “Só cabiam duas camas e uma prateleira”, conta o filho da resgatada, que pediu para não ter o nome divulgado.
Hoje com 22 anos, ele morou por aproximadamente dois anos com a mãe e tentou alertá-la sobre a exploração, mas não teve sucesso. “Ela não recebia nada. Tudo que a gente comprava na venda do pai da patroa era anotado, e a dívida não acabava nunca. Se a gente pagava R$ 1.000, devia R$ 2.000. E a mulher ainda enganou minha mãe e passou a pegar a pensão do meu pai”, relata.
O dinheiro do benefício era usado pela empregadora para comprar comida para a casa. A patroa dava à empregada entre R$ 50 e R$ 100 por mês. Para completar, ainda fez três empréstimos consignados em nome da idosa.
O resgate aconteceu em julho de 2017, a partir de uma denúncia anônima. “Não sei quem foi, mas agradeço muito a essa pessoa. Se não fosse isso, minha mãe ainda estaria lá”, conta o filho da vítima.
Segundo o coordenador do Grupo Móvel, responsável pelo resgate, Geraldo Fontana, a situação de agregados domésticos trabalhando sem salários é comum, mas é difícil punir, pois as informações ficam restritas às residências. “É muito raro que se faça (um resgate) no ambiente doméstico porque você precisa receber uma denúncia. Para esse resgate, em Itapiru, tivemos que conseguir uma ordem judicial. Esses elementos explicam por que o número de ações em residências é tão baixo”, ressalta.
Fontana destaca que a total dependência da senhora em relação à patroa agravava a situação de vulnerabilidade. “Ela morava e comia na casa. Achava que não tinha caminho para romper esse ciclo de exploração”, diz.
A empregadora foi condenada a pagar R$ 72 mil de acerto trabalhista dos últimos cinco anos, mas firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e está pagando R$ 5.000. Ela foi multada e os empréstimos consignados foram suspensos. A idosa recebeu seguro-desemprego.
Nos autos, a patroa alegou que estava apenas ajudando a mulher, que não tinha onde morar. “Ela terá que responder também a um processo criminal”, explica o auditor fiscal do Trabalho.
O juiz Carlos Haddad, autor de um estudo sobre os desdobramentos dos autos de infração, diz que o fato de haver um único resgate do tipo se deve não à inexistência desse tipo de crime, mas a sua invisibilidade. “Culturalmente, é aceito que uma pessoa trabalhe em uma casa em troca apenas de moradia”, diz Haddad.
Dívida
Mentira. Para manter a servidão, a patroa alegava que a senhora tinha uma dívida na venda do pai dela. “O dono me disse que não existia dívida nenhuma”, conta o auditor Geraldo Fontana.