Na contramão da crise, em Serra da Saudade, no Alto Paranaíba, o município menos populoso do país, sobra dinheiro para fazer o que, na maioria dos lugares, as pessoas têm que tirar do próprio bolso para colocar em prática. Na cidade onde todo rosto desconhecido atrai olhares desconfiados, afinal, todo mundo se conhece, a prefeitura paga exame particular que a rede pública de saúde não cobre e custeia parte da faculdade dos moradores. O Wi-Fi é de graça nas três praças locais, e a academia, completa, também. Quem vive lá garante que não existe lugar melhor no mundo.
Apesar de ter um território maior que o de Belo Horizonte, Serra da Saudade possui 812 moradores, o correspondente a 0,03% do total da capital, conforme estimativa do IBGE de 2017. Ser tão pequena favorece a cidade na arrecadação per capita dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), distribuído conforme o número de habitantes – no ano passado, o município recebeu R$ 6,7 milhões, o que totaliza R$ 8.316 por habitante. Para se ter uma ideia, na capital mineira, o valor per capita é de R$ 158. “O FPM é todo empregado no município, sobretudo na saúde e na educação. Nós fazemos de tudo aqui”, afirmou o prefeito Alaor Machado (PP).
A Unidade Básica de Saúde (UBS) de Serra da Saudade tem um médico e funciona de segunda-feira a sexta-feira, mas a prefeitura garante que não deixa ninguém desassistido. “Nos horários descobertos, temos um plantonista que leva os pacientes para as cidades vizinhas. As consultas especializadas são encaminhadas e, quando são particulares, o município geralmente paga”, disse o secretário municipal de Saúde, Amarildo Fernandes. A unidade também faz distribuição de medicamentos.
Educação. A cidade tem duas escolas municipais, que atendem alunos do nível infantil ao fundamental, e cede espaço para uma escola estadual, de ensino médio. Todas oferecem duas refeições por dia aos estudantes. “Desde 2011, nosso índice de evasão é zero. A cidade pequena favorece o controle, os professores visitam os alunos, conhecem a história de cada um. Quando alguém falta três vezes, a gente procura a família para saber o que aconteceu”, disse o secretário municipal de Educação, Ivan de Oliveira.
Como ocorre em outras cidades, os alunos da área rural têm acesso a transporte para ir e voltar da escola, mas a Prefeitura de Serra da Saudade fornece também condução para quem faz faculdade em Luz e em Bom Despacho, no Centro-Oeste mineiro. Mais do que isso, o município arca com metade dos custos do ensino superior de moradores que estudam a distância, por meio de parceria com instituições privadas. “Cerca de 80% de nossos professores foram formados no ensino a distância que nós financiamos”, disse o secretário.
Odilon Costa, 92, completou 18 anos vivendo na cidade e, desde então, nunca mais a deixou. Ele gosta da tranquilidade de observar o movimento sentado no banco de casa, com as janelas abertas, sem medo. “É um lugar bom para se viver”, afirmou. A estudante Isabela Machado, 24, trabalha em um dos poucos comércios da cidade e não pensa em abandonar Serra da Saudade tão cedo: “Eu gosto do sossego”.
Jovens vão embora atrás de emprego
Nem tudo são flores em Serra da Saudade, que sofre com o desemprego e vê os jovens irem embora em busca de oportunidade profissional. Assim, a população envelhece e, em vez de crescer, encolhe a cada ano – em 2000, eram 873 habitantes.
“O emprego é na prefeitura ou na área rural, mas todo mundo quer ficar na cidade”, afirmou o prefeito Alaor Machado, acrescentando que a prefeitura emprega 300 pessoas. Comércios são poucos. Nem farmácia ou posto de gasolina a cidade tem. “É difícil vir uma indústria para cá. Não tem muito atrativo”, completou ele.
A população ocupada de Serra da Saudade soma 29%, segundo números do IBGE em 2015 – na capital, o índice é de 55,4%. O estudante Pedro Henrique, 18, começou a faculdade de veterinária e pretende deixar Serra da Saudade. “Não tenho perspectiva nenhuma de formar carreira aqui”, disse.
Saiba mais
Segurança. No pelotão de Serra da Saudade, um militar disse que o último homicídio na cidade ocorreu há quase 50 anos. As ocorrências são raras, e os moradores são orientados a anotar a placa de carros desconhecidos.
Mais. Além de academia e de Wi-Fi liberados, a prefeitura oferece aos moradores, todos os anos, uma ceia caprichada de Natal na praça. (O Tempo)