No Brasil, a Netflix parecia incomodar apenas as empresas de TV paga, preocupadas com a diminuição da base de clientes após filmes e séries badaladas serem ofertados em streaming a preços mais baixos. Com “O Mecanismo”, produção original dirigida por José Padilha, inspirada na operação Lava Jato, ela se viu no centro de uma polêmica de teor político, com uma parte de seu público cancelando a assinatura da plataforma.
O número de desistências deverá ser pequeno, mas o bastante para chamar a atenção da gigante norte-americana. “Com 118 milhões de assinantes no mundo, é óbvio que não se vai quebrar a Netflix. Mas nenhuma corporação fica tranquila ao ver 500 cancelamentos do serviço de um dia para outro”, observa o crítico de cinema mineiro Pablo Vilaça, “líder acidental” ao boicote a Netflix.
Essa história começou nas redes sociais, quando o editor do site “Cinema em Cena” anunciou que cancelaria sua assinatura após ver uma série “desonesta”, que distorce fatos recentes da política brasileira. “Não sugeri nenhum boicote. Apenas anunciei que o faria. E várias pessoas começaram a me mandar imagens de captura de tela mostrando que haviam cancelado também”.
Em poucas horas, o assunto já tinha tomado conta das redes sociais, dividida entre os que louvavam a atitude de Vilaça e os que o crucificavam. Ele não tem dúvidas de que a Netflix tem boa parcela de responsabilidade neste episódio. “Como, num país de extrema polarização, eles produzem uma série sobre acontecimentos que ainda estão se desenrolando e entregam a direção a um notório reacionário?”, questiona.
Políticos também se manifestaram, entre eles a ex-presidenta Dilma Rousseff, que soltou uma nota em seu site oficial criticando a iniciativa, chamando-a de mentirosa e dissimulada. A empresa, até a noite de ontem, não se manifestou sobre a polêmica. Já Padilha, na apresentação oficial da série, se defendeu dizendo que “O Mecanismo” é uma série de ficção, embora baseada em fatos reais envolvendo as origens da operação Lava-Jato.
Seletividade
Já o crítico de cinema Roberto Cunha, da revista “Preview”, considera a ideia de boicote “lamentável e reveladora, por ser algo que esses mesmos protagonistas condenam. Eles adoram falar dos benefícios da liberdade e criticar a censura, mas agem dessa forma”. Ele vê seletividade nesta manifestação, mostrando o quão frágil é o argumento “de muitos deles, que vociferam ‘bordões democráticos’, mas assumem posturas ditatoriais”.
Cunha também isenta a Netflix de responsabilidade. Para o crítico, a obra é uma ficção como tantas outras. “Se ela tem um viés político, como tantas outras, isso é apenas um detalhe e uma distribuidora se nortear por uma forma de pensar de um segmento da sociedade me parece muito estranho”, analisa. Para ele, prevalece o poder do controle remoto. “Se não aprecio algo, mudo o canal”. (Jornal Hoje em Dia)