Com personagens negros em destaque, “O Outro Lado do Paraíso” entrega o que Walcyr Carrasco prometeu desde o anúncio da trama ao abordar o racismo.
A personagem escolhida para ser o fio condutor das polêmicas que envolvem o tema é Nádia (Eliane Giardini), mulher branca que fez o diabo para separar o filho Bruno (Caio Paduan) de Raquel (Erika Januza), uma negra, e na última semana destilou seu fel racista sobre o neto, que antes mesmo de receber um nome teve de passar por um teste de DNA para provar que é filho de Diego (Arthur Aguiar).
Assim como em “Outro Lado”, ao longo da história da teledramaturgia brasileira, os negros ganharam destaque nas novelas quando o racismo é abordado de forma clara, mas será que não há mais espaços para personagens negros? Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que sim.
Tramas de época que tinham o tema escravidão, como as emblemáticas “Escrava Isaura” e das duas versões de “Sinhá Moça”, além de “Lado a Lado”, que falava do Brasil pouco depois da abolição, tinham por obrigatoriedade trazer mais personagens negros do que os demais tipos de novelas.
Especialistas apontam que ao longo de pelo menos 40 anos de teledramaturgia, para além das novelas de época, a presença de personagens negros evoluiu na TV brasileira. Houve um aumento da participação nos anos 80 por conta das tramas de época, uma queda nos anos 90 com a diminuição desse tema e uma leve subida a partir dos anos 2000.
Se a população de pretos ou pardos no país é de 54%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as novelas deveriam ter mais pessoas que representam essa fatia, como aponta o pesquisador, cineasta e escritor Joel Zito Araújo, autor de “A Negação do Brasil”, documentário lançado em 1999.
Além da quantidade ainda não ideal de personagens negros, há ainda os estereótipos. Araújo destaca o esforço dos próprios atores negros para acabar com esse estigma.
“Os tipos humanos, a cor de pele, dos olhos e dos cabelos que estão na TV parecem querer passar que não somos um país negro, mas um país branco, nórdico. É o ideário de embranquecimento do século XIX. Quem liga em nossas novelas e séries pensa que nos Estados Unidos há mais negros que aqui, quando os pretos e pardos lá são 13%”, explica o pesquisador.
“Eu migrei para Netflix e Amazon também porque a dramaturgia deles começou a contemplar personagens negros como heróis, como vilões interessantes, entre outros perfis que a nossa TV está longe de alcançar. Mas há também um esforço dos atores que tentam fazer esse trabalho de educação para a mudança. Eles gastam uma quantidade enorme de energia pessoal. Houve uma evolução produtiva, mas o ideário do branqueamento não foi mexido”, ressalta.
Caricatura. Para além dos números, os pesquisadores do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa) identificam uma circunstância que aparecem em algumas tramas que tratam a questão do racismo abertamente, como acontece em “Outro Lado”: a forma caricata como o racismo é apresentado.
Nádia é um exemplo claro do que explica o sociólogo e coordenador do Gemaa, Luiz Augusto Campos.
“Geralmente usam uma caricatura para tratar o racismo. O racista também é homofóbico, tem uma série de preconceitos, é um meio vilão. Dificilmente tem outra abordagem”, disse o especialista.
Se formos para trás das câmeras, como diz Campos, a situação ainda é menos representativa para a população negra.
“São ainda menos diretores, produtores e roteiristas negros. Por mais esforços que façam para aumentar o casting de negros, a evolução ainda é muito lenta atrás das câmeras”, afirma Campos sobre outro motivo que pode explicar porque o Brasil das novelas é ainda tão branco. “Temos avanços, mas muito pouco”, completa ele.