O diagnóstico de diabetes é para o resto da vida. Doença crônica que, de acordo com o Ministério da Saúde, afeta 8,9% da população brasileira, ela não permite descuidos: o paciente precisa seguir à risca as recomendações médicas de forma a evitar as consequências da enfermidade que, se não controlada, pode até matar. Faz parte desse monitoramento o controle da glicose, que não pode estar acima nem abaixo do nível ideal. Um dispositivo desenvolvido por físicos da Universidade de Bath, na Inglaterra, promete tornar esse processo mais fácil e, assim, aumentar a adesão ao tratamento.
A rotina de quem tem diabetes inclui picar o dedo uma ou mais vezes por dia com uma lanceta e colocar a gota de sangue em uma fita, que será lida pelo medidor. O procedimento é praticamente indolor, mas isso não impede que muitas pessoas deixem de fazer o controle. Pesquisa recente do portal Minha Vida indicou que 51,3% dos pacientes brasileiros não monitoram a glicose. Desses, 18,4% afirmaram que dispensam o controle por achar o processo incômodo. Para resolver o problema mundial da adesão ao tratamento, cientistas estão buscando meios alternativos de medir os níveis de açúcar na corrente sanguínea.
Na Universidade de Bath, os pesquisadores apostam em um adesivo composto por sensores de grafeno que fazem a medição da glicose no líquido que preenche os espaços vazios entre as células e os vasos sanguíneos, sem precisar furar a pele. De acordo com os autores do estudo, publicado na revista Nature Nanotechnology, em outras pesquisas foram propostos outros métodos não invasivos, como detecção por meio de suor, lágrimas ou saliva.
“Mas essas estratégias têm duas limitações. Primeiro, porque há uma variabilidade significativa no nível da glicose detectada. Segundo, a proporção entre a concentração de glicose medida nesses fluidos e no sangue é desconhecida. Então, é inevitável ter de fazer a calibração, picando o dedo”, sustenta Richard Guy, pesquisador do Departamento de Farmácia e Farmacologia da universidade e um dos autores do artigo. “Além do desafio da calibração, esses métodos sofrem interferências e, consequentemente, de falta de especificidade.”
Segundo Guy, até agora, a única tecnologia que oferece um monitoramento contínuo e não invasivo da glicose opera provocando um pequeno campo elétrico na pele, que estimula o fluxo do líquido intersticial, onde há concentração de glicose. Sensores, então, fazem a medição da taxa de açúcar circulante. Contudo, o dispositivo, aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) em 2001 e colocado no pulso como um relógio, também exige calibrações periódicas. “Isso acontece porque, por esse método, a glicose é extraída indiscriminadamente e com grandes variações através de uma área relativamente grande da pele”, diz.
Baixo custo
Para tentar solucionar esse problema, Guy trabalhou, em conjunto com o Departamento de Física da Universidade de Bath, com a ideia de também se valer do registro da glicose sem agulhas por um sensor que capta a taxa pelo fluido intersticial, mas dispensando calibração e obtendo resultados os mais precisos possíveis. Os cientistas desenvolveram um microcircuito com sensores de grafeno, material conhecido pelo potencial de condutividade, além de ser leve, fino e maleável. Em contato com a pele, ele consegue medir os níveis de glicose em pequenos reservatórios do líquido, o que, segundo os pesquisadores, dá mais precisão ao teste.
“Devido ao design do circuito de sensores e dos reservatórios, não é preciso calibrar o adesivo com amostra sanguínea, significando que testes que furam o dedo são desnecessários”, diz Guy. O adesivo pode fazer leituras a cada 10 ou 15 minutos por até 12 horas. Atualmente, a equipe trabalha no refinamento do design, na melhora no número de sensores e em testes para se obter a funcionalidade total do dispositivo no período de 24 horas. “Agora que estabelecemos a prova de conceito, esperamos que esse se torne um sensor de baixo custo que envie medições relevantes de glicose para o telefone ou para o relógio inteligente do usuário, alertando-o quando for preciso agir”, diz. As taxas alteradas de açúcar no sangue indicam ao paciente a necessidade de usar a medicação prescrita pelo médico.
A cientista Adrelina Ilie, pesquisadora do Departamento de Física e coautora do trabalho, diz que uma vantagem importante do equipamento em relação a outros com proposta semelhante é o uso do grafeno. “Especificamente, esse material é forte, condutivo, flexível e potencialmente de baixo custo, além de ser ecológico. Graças ao tamanho dos sensores, conseguimos que cada um deles opere em uma pequena área sobre um único folículo piloso do paciente, o que reduz, significativamente, variações inter e intratecido da pele na extração de glicose e aumenta a acurácia das medições, eliminando de vez a calibração por amostra de sangue”, detalha.
Novas práticas
A endocrinologista e professora da Universidade Federal do Paraná Rosangela Roginski Rea, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), afirma que o período atual é de mudança de paradigma no manejo do diabetes, tanto em relação aos métodos de medição de glicose quanto no tratamento medicamentoso. “Existe uma demanda do próprio paciente por novas tecnologias para melhorar o controle do diabetes”, diz. Um deles, cita a médica, é um equipamento que monitora a glicose 24 horas por dia e monta gráficos diários de até 96 medições.
“Nós, médicos, pedimos o tempo todo para os pacientes medirem a glicemia várias vezes por dia. Mas eles só querem medir em jejum. Novos aparelhos que não precisam de picada no dedo e que conseguem verificar a situação da glicemia o dia inteiro estimulam o paciente a encontrar a terapia mais adequada”, diz Rosangela Roginski Rea, lembrando que as flutuações na taxa de açúcar no sangue precisam ser controladas para evitar as complicações crônicas da doença. Outra novidade destacada pela médica é substância dulaglutida, que tem ação prolongada. Como é aplicada apenas uma vez por semana, ela reduz o número de injeções de insulina de 365 para 52 vezes ao ano.
Mais cuidadosos
Estudo da Abbott com 7 mil brasileiros que têm diabetes e utilizam um sistema de monitoramento de glicose que dispensa as agulhadas por até 14 dias mostrou que a tecnologia traz benefícios para o controle e o tratamento da doença. Houve aumento da checagem diária (13,6 vezes em média), que ficou três vezes acima do recomendado pelas diretrizes internacionais. A hipoglicemia dos pacientes foi reduzida em até 26%, e o tempo que eles ficaram com a glicemia acima de 180mg/dl diminuiu 31%. O sistema é composto por um sensor do tamanho de uma moeda de R$ 1 e um leitor. O sensor capta os níveis de glicose no líquido intersticial. O leitor é escaneado sobre o sensor e mostra o valor da glicose medida em menos de um segundo.
* Com Saúde Plena