Os
Os dados que mostram a participação dos indígenas no ensino superior integram o detalhamento do mais recente Censo disponível, organizado pelo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O perfil dos universitários segundo suas autodeclarações de cor/raça foi analisado a partir de um levantamento de dados feito pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional).
Dos mais de 49 mil índios no ensino superior, 12.348 estão na rede pública (25%) e 36.678 estão nas universidades privadas (75%). Esses números incluem os cursos presenciais e a distância. A divisão com maioria na rede privada está dentro da média geral dos universitários brasileiros: em 2016, o país tinha 8,048 milhões de universitários e 6,05 milhões estavam na rede privada (75,3%).
Se o levantamento considerar exclusivamente o total de universitários na rede privada que não contam com nenhum tipo de financiamento e nem bolsa do Prouni, o percentual de indígenas que banca sua própria mensalidade chega a 71%. O índice é praticamente idêntico ao dos autodeclarados negros (70,5%).
Essas realidades são vistas com histórias como a de Ingrid e Fetxawewe, dois indígenas moradores de Brasília.
Vestibulares e localização
Os processos seletivos, as políticas de permanência e a localização dos campus são pontos apontados por especialistas como impeditivos para mais matrículas das diferentes etnias indígenas na rede pública.
“A maior presença em universidades particulares pode ter a ver com o fato de elas serem realmente mais acessíveis. Não tem o funil de alguns vestibulares, e muitas vezes elas estão em localidades mais próximas das terras indígenas.” – Antonella Tassinari, pesquisadora e antropóloga
Ao mesmo tempo, a pesquisadora e antropóloga aponta que as políticas implantadas com reservas de vagas ajudaram a diminuir a distância entre os estudantes indígenas e as universidades públicas. As políticas de permanência precisam, no entanto, de uma análise permanente.
“Ficar na universidade é uma grande batalha dos estudantes indígenas. (…) Os primeiros meses são sempre uma batalha de como eles vão se manter.” – Antonella Tassinari, antropóloga
Em algumas universidades, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a questão do processo seletivo é levada em conta. Uma prova específica é aplicada para os estudantes indígenas que pretendem concorrer às vagas extras criadas – além do número separado pela lei de cotas, outras 10 vagas são destinadas no total.
O processo seletivo, segundo pesquisadores, apresenta questões que na maior parte das vezes estão ligadas a um cotidiano que não reflete a cultura indígena.
“Até 2008 não tínhamos o registro de indígenas cursando uma graduação na universidade. Nenhum estudante na UFRGS em 80 anos de universidade. Só isso já é um avanço. Hoje, a gente tem em torno de 75 indígenas cursando as graduações”, afirma Michele Doebber, pesquisadora da universidade gaúcha que analisa a política de recepção dos indígenas.
“Só o impacto dessa presença no cotidiano já traz questionamentos. As mulheres que levam para aula os filhos, essa presença que de alguma forma provoca na sala de aula o ponto de vista indígena.” – Michele Doebber
Na universidade privada
Filho de uma mãe Guajajara, povo do Maranhão, e de um pai Fulni-ô, de Pernambuco, o estudante de Direito Fetxawewe Tapuya escolheu pagar uma universidade privada. Por ser calouro, no primeiro semestre do curso, recebe 25% de desconto na mensalidade de R$ 1,2 mil. Depois, o valor passará a ser integral.
Fetxawewe mora em Brasília e conta que preferia estudar na Universidade de Brasília (UnB). Chegou a prestar vestibular com o interesse na reserva de vagas, mas ficou em 5º lugar. Eram duas vagas.
No lugar de tentar outra universidade menos concorrida, em outro estado, ele achou que valeria a pena ficar junto com a mãe na capital federal. Eles moram no Santuário dos Pajés, região a parte noroeste de Brasília com frequente disputa por território. Para ele, ficar é importante.
Além disso, ele conta que naturalmente é mais fácil estudar na cidade onde se vive. Para um indígena, mais ainda.
“O indígena calouro sofre muito. Eu, como já moro em Brasília, sofro menos. Mas quem é de fora passa por uma avalanche de preconceito.” – Fetxawewe Tapuya
“Os preconceitos mais frequentes são os mais descarados. Eles perguntam: ‘Se você é realmente é indígena, o que você está fazendo na universidade?’ E tem povos que ainda tem mais problemas com a fala, porque aprenderam o português mais tarde e junto com outra língua”, completou.
Na universidade pública
O outro lado, dos que arriscam mudar de cidade e ir atrás de uma universidade pública, também existe. Ingrid Rodrigues, de 21 anos, do povo Paumari localizado perto do Rio Ituxi, no Amazonas, comemorou quando conseguiu ingressar no curso de direito da Universidade de Brasília (UnB) – mesmo que, com a pouca grana, não saiba até quando deve ficar na cidade.
Ela conta que foi a primeira Paumari a ingressar no curso, sendo que existem 1,8 mil da mesma etnia. Começou as mudanças cedo, aos 5 anos, quando precisou sair da aldeia e ir para a cidade mais perto – ela e os pais foram para o município de Lábrea. Segundo Ingrid, a família precisou mudar para conseguir estudar em uma escola melhor.
“Eu aprendi português desde criança, sempre com a minha língua junto. Eu falo arauá, mas tem coisas que eu já esqueci por causa da mudança”, disse.
Para chegar a Brasília, o Coletivo Purus fez uma “vaquinha” para pagar a passagem nas redes sociais. Ainda sem resposta sobre a residência universitária, ela vive o primeiro mês na casa de outra indígena que faz pós-graduação.
A grana que conseguiu, vale para mais um mês. Até lá, ela tenta uma bolsa permanência da universidade e todas as opções disponíveis do governo. Ela come no restaurante universitário e precisa de uma vaga na residência.