Durante quase um ano, na adolescência, o universitário Anderson*, 19, passava horas trancado dentro do quarto. Tinha calafrios, sudorese, falta de ar e uma sensação de morte iminente. Tudo isso aos 13 anos. Para tentar escapar da situação, começou a beber e consumir drogas. “Era só usar alguma coisa ou beber que eu já me sentia melhor por algumas horas. Era isso todos os dias. Para mim, era uma forma simples de fugir da realidade com a qual eu travava uma luta diária”, conta.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, referentes a 2017, em todo o mundo, cerca de 10% a 20% das crianças e adolescentes sofrem de transtornos mentais, como depressão, ansiedade, síndrome do pânico e bipolaridade. No Brasil, o percentual está entre 8% e 12%. Além disso, metade de todas as doenças mentais começa aos 14 anos, e três quartos delas, aos 20 anos.
De acordo com o psiquiatra Kalil Duailibi, presidente do Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, ainda não há fatores cientificamente comprovados que justifiquem esse cenário. Apesar disso, ele acredita que o acesso ilimitado a informações, à tecnologia e à mídia de forma geral seja a principal explicação por atuar diretamente na formação humana do adolescente. “Ele tem acesso a coisas sem uma capacidade de discernimento crítico já madura, formada. Tudo com o que ele tem contato é absorvido por ‘osmose’. Isso interfere no desempenho escolar e na construção das relações com as pessoas, que se tornam superficiais. Outro lado perverso é trazer uma obrigatoriedade de perfeição corpórea para ser aceito, uma exigência terrorífica”, afirma.
O psiquiatra também explica que, antigamente, o adolescente tinha questionamentos internos, parte de seu processo de identificação. “Hoje, ele está exposto a fatores externos que retardam e dificultam o método de autoconhecimento. Se ele não sabe quem é, fica totalmente perdido, o que passa a causar angústia, tristeza e, como consequência, os transtornos”, aponta.
O médico explica que os adolescentes são alvos fáceis dessa situação porque vivem uma fase da vida emocionalmente intensa, por causa de mudanças hormonais e físicas comuns durante a puberdade. “Primeiro se desenvolvem ou amadurecem as áreas responsáveis pela emoção. No fim da adolescência, tem-se uma mudança progressiva de controle no córtex pré-frontal (área da razão), responsável pelo controle cognitivo e funções executivas, ou seja, para o amadurecimento”, diz o médico.
Duailibi dá um exemplo desse processo. “Há uma antecipação da adolescência na infância e sua perpetuação na fase adulta. Temos crianças que querem se comportar como adolescentes, motivadas por diversos conteúdos que estão a seu alcance, mas que não correspondem a sua faixa etária. Por outro lado, temos pessoas acima dos 25 anos que ainda não têm uma maturidade emocional estabelecida, numa idade em que isso seria natural”, afirma.
Descoberta. Durante o período em que ficava trancado no quarto, Anderson escondia da família os sintomas do transtorno bipolar e de ansiedade. Até que uma das professoras procurou os pais dele para falar sobre o comportamento estranho na escola. “A gente não espera que isso possa acontecer com os nossos filhos. Toda a sua rotina cai por terra e você precisa se adaptar”, conta Renata*, 50, mãe do jovem. Anderson ainda faz terapia.
*Nomes fictícios
‘Postava fotos sorrindo e estava podre por dentro’
O músico Gabriel Frade, 18, coloca a “cara a tapa” quando o assunto se refere a sua depressão. Ele discorda da forma como o tema é abordado. “Basicamente, você tem que sair, não importando como você se sente. Mas, antes, você precisa se olhar no espelho, ver a tristeza estampada, colocar uma máscara de felicidade, e aí está tudo certo. Daí, é só postar fotos com os amigos bebendo uma cerveja, sorrindo nas redes sociais, mas, por dentro, você está podre”, afirma.
Gabriel conta que desenvolveu o transtorno aos 16 anos, quando sofreu um relacionamento abusivo. “Quando vi que ela só me fazia sofrer, uma dor surgiu dentro de mim, fazendo-me ficar dentro do quarto, escondido do mundo e das pessoas”, pontua.
Todo esse processo aconteceu às vésperas da preparação para o vestibular. “Além do relacionamento, eu me sentia pressionado pela sociedade em geral para decidir, com 17 anos, o que eu faria pelo resto da minha vida. Resultado: eu não tinha me recuperado e fui bombardeado por cobranças”, diz.
Durante esse período conturbado, juntamente com a terapia, Gabriel começou a ler livros de filosofia e a conversar com quem compartilhava da mesma situação emocional. “Foi quando eu descobri que as pessoas não estão preparadas para lidar com a depressão, a ansiedade ou qualquer outro transtorno. Precisamos começar a expor isso”, declara. (Jornal O Tempo)