Os grandes países europeus estão dispostos a se emancipar econômica e militarmente dos Estados Unidos diante do aumento da tensão nas relações transatlânticas, após as últimas decisões do presidente Donald Trump.
“A época em que podíamos contar apenas com os Estados Unidos para nos proteger acabou”, declarou na quinta-feira a chanceler alemã, Angela Merkel.
A dirigente mantém uma relação complicada com o presidente americano, Donald Trump, que multiplica as críticas em relação a sua política econômica e as condenações públicas contra sua recusa a assumir mais gastos militares na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
“Washington não quer mais cooperar com o restante do mundo, e estamos no momento em que devemos substituir os Estados Unidos”, afirmou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
“Não podemos mais deixar que outros decidam por nós”, frisou o presidente francês, Emmanuel Macron, em uma clara alusão aos Estados Unidos.
Os chefes de Estado e de Governo da UE manifestaram claramente suas intenções, na quarta-feira à noite, em Sófia, em uma cúpula dedicada aos Bálcãs.
Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, órgão que representa os 28 Estados-membros, prometeu, no Twitter, que haverá uma “estratégia europeia unida” para responder às políticas de Trump.
Um presidente ‘incontrolável’
Ao decidir na terça-feira, contrariando a opinião de seus aliados, retirar seu país do acordo sobre o programa nuclear firmado com o Irã e impor sanções a quem continuar trabalhando com esse país, Trump arranhou como nunca a relação privilegiada entre Washington e Bruxelas, consideram diplomatas e analistas ouvidos pela AFP.
“As relações entre Estados Unidos e UE vão ficar seriamente deterioradas”, vaticinou nesta sexta o ex-embaixador do governo Barack Obama na UE Anthony Gardner.
O presidente americano é “incontrolável” e “não ouve opinião nenhuma”, disse à AFP uma autoridade da UE que se reuniu com Trump durante sua visita a Bruxelas em maio de 2017.
“Trump conhece apenas a submissão e, mesmo aqueles que obedecem, nunca sabem quanto tempo gozarão de seu beneplácito”, comentava nesta sexta o jornal alemão “Suddeutsche Zeitung”.
Os países europeus já haviam mostrado sinais de preocupação quando Trump abandonou o Acordo internacional sobre o clima e declarou que a Otan era “obsoleta”.
Os temores europeus se confirmaram quando o presidente americano decidiu impor tarifas às importações de aço e alumínio, e dedicou duras palavras aos alemães, responsáveis – segundo ele – pelo déficit comercial dos Estados Unidos com a UE.
Os países comunitários obtiveram uma isenção temporária dessas tarifas, a qual expira em 1º de junho.
Depois de Macron, Merkel e o chefe da diplomacia britânica, Boris Johnson, terem viajado a Washington sem conseguir convencer Trump sobre o programa nuclear iraniano, ou sobre as diferenças comerciais, multiplicaram-se os apelos por uma resposta contundente contra os Estados Unidos.
Responder sem romper
“É hora de a Europa se emancipar dos Estados Unidos, especialmente, nos âmbitos da defesa e do comércio”, garantiu nesta sexta-feira à AFP uma autoridade europeia.
A França estimula a criação de uma força europeia de intervenção, capaz de realizar operações à margem da Otan e sem a tutela dos Estados Unidos.
Vários países, entre eles Alemanha e Reino Unido, estão dispostos a se comprometer nesse tema, e devem se reunir em junho, anunciou neste sábado a ministra francesa da Defesa, Florence Parly.
“Mas a autonomia não significa ruptura”, minimizou o chefe da diplomacia francesa, Jean-Yves le Drian.
Hoje, o jornal britânico “Financial Times” se pronunciou a favor do “uso de represálias”, se as empresas europeias receberem sanções por manter suas relações comerciais com o Irã.
“Agora, o desafio para os europeus consiste em reagir sem romper os vínculos transatlânticos”, avisa a italiana Nathalie Tocci, diretora do Istituto Affari Internazionali e conselheira de Federica Mogherini, a representante da diplomacia europeia.