Numa entrevista ao jornal grego Kathimerini, o presidente da Síria, Bashar al-Assad, mostrou-se preocupado: em seu país estaria ocorrendo uma “guerra mundial”.
“Talvez não seja uma Terceira Guerra Mundial com toda força, mas é uma guerra mundial. Pode não ser uma guerra nuclear, mas certamente não é mais nenhuma Guerra Fria.” Ele acrescentou estar torcendo para que as superpotências não iniciem um conflito bélico. E só um governo seria capaz de sustar esse desdobramento: “a cautelosa liderança da Rússia”.
Em primeira linha, tais declarações têm a finalidade de legitimar, tanto do ponto de vista do direito internacional quanto da política, o engajamento militar da principal força protetora de Assad.
O Al-Quds al-Arabi, publicado em Londres, se concentra num outro aspecto das declarações de Assad: se ele “torce” para que o conflito não se alastre em guerra declarada, então é porque praticamente perdeu o controle sobre a política, diz o jornal.
O periódico interpreta assim as palavras de Assad: os acontecimentos na Síria há muito são determinados por outras forças. Confirmação disso seria a mais recente confrontação entre Israel e Irã, cuja “batalha” se trava “no território e espaço aéreo de um terceiro país” – a Síria.
Rússia se contém
Incerto está até que ponto a “cautelosa liderança” russa, louvada por Assad, estaria disposta e apta a dar fim a esse conflito. O Jerusalem Post não está inteiramente convencido nem da capacidade, nem da vontade do presidente russo, Vladimir Putin, de mediar o conflito.
Segundo o jornal israelense, a Rússia estaria interessada, acima de tudo, em duas coisas: evitar um ataque – acidental – a suas tropas, e manter o presidente sírio no poder, já que o país simplesmente investiu demais em Assad para poder agora deixá-lo cair. Tudo mais Moscou está pronto a aceitar sem problemas.
Pouco depois de o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, retornar de uma conversa com Putin em Moscou, o Jerusalem Post escreveu: “Assim como, de tempos em tempos, Netanyahu tenta convencer Putin a restringir o engajamento iraniano na Síria, por sua vez o presidente Hassan Rohani poderia apelar ao homólogo russo para que suste as atividades israelenses.”
Duvidoso é se tais apelos fazem sentido. “Putin escuta a ambos e não investe contra nenhum dos dois lados: nem impõe limites a Israel, nem coloca algemas no Irã.” Pois Moscou só está interessado em que Assad se mantenha no poder, e “enquanto esse interesse não for comprometido, a luta [entre Israel e Irã] não é a luta da Rússia”.
Esperança de paz como verdadeiro perigo
Segundo uma análise do periódico libanês Al-Akhbar, ligado ao Hisbolá, porém, Putin faz sobretudo o jogo de Teerã. Pois o que se deve temer não é a guerra, que sempre houve na região, “o verdadeiro perigo é a ilusão de que se possa evitar a guerra e de que a atual seja a última; assim como a esperança de que o que ocorre a sua volta não diga respeito a você mesmo”.
Ao se retirar do acordo nuclear com Teerã, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acaba de destruir, diante dos olhos de todos, a esperança de uma paz duradoura – de qualquer modo ilusória –, prossegue o Al-Akhbar. Com isso, ele também minou todas as tentativas de criar uma ala liberal no Irã.
Mas justamente isso é louvável, por afastar o “verdadeiro perigo”, conclui o Al-Akhbar: “Uma paz ruim sob a regência do Banco Mundial seria a raiz de toda corrupção, de todo consumo e da ascensão de classes parasitárias.”
Segundo o também libanês Al Hayat, desde que conquistou a maioria dos votos nas eleições parlamentares no Líbano, o Hisbolá pode ostentar uma maior legitimidade política, e a descrença do partido diante da possibilidade de uma paz duradoura tem agora peso ainda maior no país.
Esse seria mais um motivo para os libaneses evitarem se deixar arrastar a uma guerra. Ao mesmo tempo, entretanto, o perigo bélico cresceu, “uma vez que o Hisbolá está principalmente preocupado em defender o Irã de um ataque, e não o Líbano”.
Cautela no Irã e Israel
No momento, tanto Israel quanto o Irã aparentemente tentam evitar uma escalada, avalia o Al Araby al-Jadeed. Pois com ofensivas militares, os israelenses não conseguirão inibir basicamente a presença iraniana na Síria, e muito menos impedir o regime iraniano de empregar armas modernas.
Por outro lado, tampouco o Irã está em condições de travar uma guerra eficaz. O país está debilitado economicamente, e seus dois principais parceiros – o regime Assad e o Hisbolá –, militarmente consumidos, após anos de combate.
Além disso, Teerã precisa levar em consideração os interesses do Ocidente. Numa guerra, o país arrisca enfraquecer de forma duradoura o seu potencial militar, enquanto Israel corre perigo de se tornar alvo de centenas de mísseis de alta tecnologia. “E isso significa: a Síria continuará sendo uma arena para atores internacionais.” (Deutsche Welle)