A policial civil Joelma Santos, de 36 anos, tenta segurar o choro quando conversa com a DW Brasil por telefone. Do Amapá, ela, que se autodeclara indígena, se candidatará a uma vaga de deputada federal pelo PDT.
“Minha mãe sempre me pergunta aonde isso vai me levar. No dia em que Marielle morreu, minha mãe me ligou falando que não havia por que eu arriscar a minha vida nesse caminho, como ela [a vereadora] fez”, conta.
Apesar de esta ser a segunda eleição da qual Santos participará – a primeira foi em 2016, para vereadora –, esta candidatura não deixa de representar o efeito que Marielle Franco, vereadora do Psol assassinada em março no Rio de Janeiro, representa para a política: o de estimular a diversidade no Legislativo.
“O efeito é mais encorajador do que de desespero”, conta ela, que tem em sua plataforma pautas semelhantes às de Marielle, que era conhecida por defender os direitos das mulheres e a inclusão social.
“Passamos o dia a dia lutando para que mais garotas entrem na política. Esta forma de poder instituída no Brasil tem que mudar, e serão as meninas e adolescentes que agora veem o exemplo de Marielle que irão continuar essa mudança”, acrescenta Santos, que no dia do assassinato da vereadora publicou em suas redes sociais uma foto em que segurava um cartaz com os dizeres “Feminicídio Político”.
Da Bahia, Camila Godinho, de 38 anos, recém-filiada à Rede, pontua que as pessoas diziam que ela era louca por entrar na política antes da projeção nacional e internacional de Marielle. “Hoje, de dez pessoas, sete me dizem que é muito legal eu me envolver na política”, conta.
Influenciada por Marielle, a educadora baiana disputará uma vaga na Câmara dos Deputados em outubro. “Tive a grande oportunidade de conhecê-la. Fui para um evento no Rio no ano passado e fiquei completamente extasiada. ‘Se queria me candidatar, agora tenho certeza absoluta’ foi o que eu disse para ela após terminar sua exposição”, lembra Godinho, que, como a ex-vereadora carioca, também atua em movimentos sociais. Ela é fundadora da ONG SER.
Para a pré-candidata, o exemplo de Marielle traz outras lições além da sobre representatividade feminina na política brasileira, por ela ter exercido seu mandato de forma aberta e participativa no Rio de Janeiro.
“O que mais escuto é que não é possível fazer do jeito que acredito, que é com transparência. Marielle prova que é sim possível dialogar com o eleitorado”, afirma Godinho, que compreende que, no Legislativo, a mulher é minoria e que há uma série de desafios a serem enfrentados na área.
Comoção e reação
Marielle e o motorista que a conduzia, Anderson Gomes, foram mortos em 14 de março, após a vereadora ter participado de um debate com mulheres negras no bairro da Lapa, região central do Rio. O crime aconteceu no Estácio, a poucos quilômetros dali, onde o carro foi alvejado por vários disparos, dos quais quatro atingiram a vereadora.
“A morte de Marielle Franco causou uma comoção muito grande, e a sociedade está mais atenta a esta questão [da representatividade feminina]”, afirma Alda Marco Antonio, coordenadora do PSD Mulher. “A política como foi feita até hoje está desmoronando por causa da prática masculina, e, nesta eleição, temos que testar novas alternativas.”
Há uma semana, ela esteve no Rio de Janeiro em um evento com o pré-candidato Índio da Costa ao governo do estado e notou um aumento da presença de mulheres negras na plateia.
“Até postei uma foto com duas delas em minhas redes. Mas eu bato nesta tecla: política não é feita só na eleição. Não basta apenas termos mais candidatas, precisamos militar internamente nos partidos todos os dias”, considera.
Para Patricia Bezerra, vereadora em São Paulo pelo PSDB e pré-candidata a deputada estadual, as mulheres têm buscado mais interação com a política para defender os direitos humanos.
“O momento de comoção por si só já passou. Agora é o momento de uma reação racional. Hoje vejo os movimentos de mulheres se articulando para trazer candidaturas viáveis e, pela primeira vez, tenho escutado pessoas dispostas a investir nelas, inclusive financeiramente. Repito que nunca tinha escutado isso em outras eleições”, diz.
“No domingo, na Avenida Paulista, ouvi muitas mulheres de diversas vertentes ideológicas, com as quais devemos conversar para articular o maior número possível de candidatas com uma agenda mínima de defesa dos direitos das mulheres”, conta. “Isso é o efeito Marielle. Não tenho sombra de dúvida. A força propulsora do assassinato da vereadora mostra que a luta é para já.”
Humberto Dantas, cientista político e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, questiona se em 2018 já haverá um grande número de eleitas. “Pelo nosso sistema eleitoral, é provável que elas percam umas abraçadas às outras. Mas só o fato de perceber que é preciso lançar candidaturas de mulheres [já é válido], e isso também podemos creditar à Marielle. Ela é um importante fator para adensar essa percepção”, afirma.
Mobilização no Rio
No Rio de Janeiro, estado de Marielle, as candidatas negras decidiram construir juntas a pauta da representatividade, cientes da força eleitoral das mulheres negras, que são 27% da população brasileira.
A socióloga Ana Carolina Lourenço participou da reunião inaugural da Rede Umunna, pensada para para articular os debates sobre a mulher negra e o poder. “Quanto mais juntas estivermos,mais chance temos de mudar a balança e o peso neste processo”, diz.
Uma das ações de 2018 é o #MulheresNegrasDecidem, que acompanhará as candidaturas de mulheres negras antes mesmo do registro oficial junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O próprio tribunal informa que nas eleições de 2014, 29% das candidaturas aptas eram de mulheres – destas, apenas 32,57% se declararam como negras.
Thais Ferreira é uma dessas pré-candidatas a deputada estadual pelo PSOL. Para ela, o efeito Marielle não será prático nas urnas já em 2018, porque “ainda existe uma máquina que não nos favorece, e temos que brigar muito por um espaço que está acostumado a ser negado para a gente”.
“Mas, enquanto mulher negra, estou vendo uma grande mobilização. Estamos sentindo o efeito na multidão de mulheres que estão se movendo na política – e fora dela”, afirma.
A pré-candidata, que é empreendedora social, acredita que a melhor maneira de fazer com que a vereadora não seja esquecida é continuando o seu trabalho.
“A Marielle era a renovação política. A morte dela foi um atentado ao Estado Democrático de Direito”, diz. “Neste momento, precisamos honrar este legado que ela nos deixou. É ruim ter que usar esse assassinato? É. Mas a gente precisa ressignificar, deixar marcada a lembrança de que gênero e raça devem ser debatidos. E virar o jogo. E isso será no longo prazo.” (Deutsche Welle)