O Ministério da Saúde pretende implantar o aconselhamento genético para casais, chamado de “teste pré-nupcial”, na rede pública de saúde. O objetivo é permitir que qualquer casal que deseje fazer os exames possa descobrir os riscos de gerarem filhos com doenças raras congênitas para, então, passarem por uma avaliação, acompanhamento e aconselhamento de geneticista.
De acordo com o órgão, o protocolo de atendimento seria direcionado, inicialmente, para a Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS). Com base em perguntas e exames específicos, o médico teria subsídios para avaliar a existência ou não de risco. Se as chances de problemas fossem relevantes, o casal seguiria para o médico geneticista, que, utilizando estatísticas, exames e evidências científicas, abordaria os problemas, dificuldades e sofrimentos que a família poderia passar se decidisse manter o projeto de ter filhos naquelas condições.
A Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM) questiona quais seriam os benefícios, riscos e desafios de oferecer os testes a todos os casais brasileiros, concluindo que essa não seria a melhor solução para os problemas gerados por doenças raras.
“O processo de aconselhamento genético é complexo, caro – cada procedimento pode custar até R$ 12 mil – e requer uma estrutura bem-organizada. Não é um teste oferecido de maneira isolada, sem a construção de uma rede de cuidados, que solucionará esses problemas”, afirma a geneticista Eugênia Valadares, membro da SBGM e pós-doutora na área de triagem neonatal pela Universidade de Viena.
Ela aponta que a ideia não é inválida, mas, da forma como foi divulgada, não iria reduzir a frequência das doenças raras e outros tipos de complicações e anomalias genéticas. Além disso, poderia causar um rombo nas contas da saúde pública (cerca de R$ 2 bilhões por ano, conforme análise da SBGM).
“As doenças raras, quando em conjunto, atingem entre 8% e 10% da população que é atendida pela rede pública de saúde. Outra questão é que, em média, uma pessoa com doença rara demora mais de sete anos para chegar a um diagnóstico adequado. Além disso, nós, geneticistas, temos dificuldade em encontrar apoio de infraestrutura e serviços de referência”, diz a médica.
O Ministério da Saúde garante que o estudo e análise da iniciativa levam em consideração todos os pontos que julga necessários. No momento, a proposta está em debate na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (Conitec). Porém, o órgão afirma que não há previsão para implantação do programa.
Valores. Segundo geneticistas, um casal que planeja, hoje, fazer o exame prometido pelo Ministério da Saúde, gastaria entre
R$ 2.500 e R$ 3.500 por pessoa, o que daria, no mínimo, R$ 5.000 de gastos.
Pessoa com doença rara já é atendida
Um passo já foi dado em relação à oferta do aconselhamento genético pela rede pública de saúde. Desde 2014, a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, estabelecida pelo Ministério da Saúde, já prevê diretrizes nesse sentido para o SUS.
A política incorporou 15 exames de biologia molecular, citogenética e imunoensaios, além do aconselhamento genético e de procedimentos de avaliação diagnóstica na tabela de procedimentos e medicamentos do SUS para os casais que têm filhos com doenças raras. Essa iniciativa tem como objetivo reduzir a mortalidade e a incapacidade causadas por essas doenças, bem como contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas com doenças raras.
De acordo com o Ministério da Saúde, a política é implementada nas Redes de Atenção à Saúde, considerando-se todos os pontos de atenção, sistemas logísticos e de apoio necessários para garantir a oferta de ações de promoção, prevenção, detecção precoce, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos, de forma oportuna, para as pessoas com doenças raras, que podem receber atendimento médico em todas as unidades de saúde do país.
Quando for o caso, o paciente será encaminhado pelo médico a um dos sete estabelecimentos habilitados como Serviços de Referência em Doenças Raras.
Minientrevista Renata Duailibi – Psicóloga familiar
Qual é o perfil dos casais que buscam a terapia durante o aconselhamento genético?
São pessoas que tiveram uma ou mais perdas gestacionais sem nenhuma causa comprovada ou cujos bebês tiveram malformação e não vingaram. Eles costumam ser encaminhados pelos próprios médicos.
Quais são as principais queixas dentro do consultório?
É comum apresentarem um grau de sofrimento muito alto e questionamentos do tipo “por que isso aconteceu com a gente? Era uma gravidez que a gente desejava tanto” ou “o que fizemos de errado para vivermos isso?”.
Como funciona a terapia?
Vamos tentar trabalhar a perda gestacional ou a malformação da criança que chegou a nascer com os pais. Superada essa parte, seguimos para a preparação de uma nova gravidez. Na segunda etapa, precisamos esclarecer que o tempo é obedecido de duas formas: respeitando o período dado pelo obstetra para que a mulher engravide (o que pode levar de três meses a um ano, em média) e o tempo de cada um. Muitas vezes, o período estabelecido pelo médico já chegou, mas o casal ainda não se recuperou do trauma.
Há um tempo estimado para se começar a terapia?
O ideal é que ele aconteça logo depois da perda, mesmo que os pais ainda não tenham decidido a hora de buscar o aconselhamento com um profissional. Quanto antes eles encaram o trauma vivido, mais rápido eles podem se recuperar e dar um novo passo na vida deles.
É aconselhável o acompanhamento psicológico durante a gravidez?
Sim. Se o casal engravida depois de uma perda, a gestação vem com muita fantasia e medo, ao mesmo tempo, de que algo aconteça de novo. O ideal é que continuem até que a criança nasça, já que essa é uma resposta de que tudo deu certo.