Quando um casal tem dificuldades para engravidar, a tendência é que a suspeita recaia, primeiramente, sobre a mulher. No entanto, a resposta para essa situação pode estar do outro lado: uma pesquisa inédita – a primeira a ter uma grande amostra, por um longo período de acompanhamento no país – aponta que a qualidade de sêmen dos brasileiros está caindo nas últimas três décadas.
O estudo foi realizado pela bióloga Anne Ropelle em sua dissertação de mestrado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Orientada pelo professor e ginecologista Luiz Francisco Baccaro, ela coletou amostras duplas de 9.495 homens atendidos pelo Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da universidade, entre 1989 e 2016. Com queixas de não engravidarem suas mulheres, eles vinham ao hospital com abstinência sexual de três a cinco dias, faziam a coleta no dia da consulta e dali a 15 dias.
Para chegar ao resultado, Anne dividiu os exames em cinco períodos, analisando os principais padrões que medem a qualidade do sêmen: concentração seminal (quantidade de espermatozoides na amostra), motilidade progressiva (capacidade de movimentação, significativo para o encontro com o óvulo e a fertilização) e morfologia (sua forma). “O que pudemos perceber, durante a análise, foi uma queda relevante em todos as amostras coletadas”, afirma.
Respostas. Usando como base os parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS), a bióloga constatou, por exemplo, que a concentração seminal passou de 86,4 milhões de espermatozoides por mililitro (mL), entre 1989 e 1995 para 48,32 milhões/mL entre 2011-e 2016. A taxa considerada saudável pela OMS é de 15 milhões/mL. “O número ainda está acima do recomendando, mas a queda para mais da metade é preocupante”, diz Anne.
Outros dados verificados revelam que a porcentagem com boa motilidade baixou de 47,6% para 35,9% e o índice dos que tinham formas normais caiu de 12% para 3,7%.
A pesquisadora conta que a investigação teve outros estudos estrangeiros como referências. “Neles, vimos que alguns fatores de risco como obesidade, estresse, tabagismo, alcoolismo, sedentarismo e maus hábitos alimentares podem estar entre as influências. Acreditamos que eles possam ser os mesmos aqui no país”, aponta Anna.
Segundo ela, os próximos passos agora incluem um aprofundamento na pesquisa. “Meu objetivo é prosseguir com o mesmo tema para o doutorado. Quando chegar a hora, esperamos analisar outros critérios importantes para a reprodutividade masculina”, finaliza.
Impacto. “Um homem de 20 anos em 1989 tinha mais chances de engravidar uma mulher naturalmente do que um da mesma idade hoje”, afirma a bióloga Anne Ropelle.
Fatores de risco requerem uma atenção urgente, diz urologista
O urologista Carlos Ba Ros, coordenador geral do departamento de sexualidade e reprodução da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), faz um alerta aos fatores de risco que podem contribuir, diretamente, para o cenário constatado na pesquisa. “Ainda não há nenhum estudo comprovando a ação direta, mas acreditamos que o estilo de vida adotado nas últimas décadas – não apenas pelos homens brasileiros, mas no mundo inteiro – seja um agente importante para esse cenário”, diz.
De acordo com o médico, apesar de a população ter mais acesso a informações do que as outras gerações, é urgente uma mudança de hábitos. “Todo homem que chega ao meu consultório é orientado a fazer exercício físico, ter uma alimentação balanceada e a praticar atividades que aliviem o estresse. Isso é fundamental para a saúde reprodutiva do casal: ele tem 50% de responsabilidade”, afirma.