O filme Chuva é cantoria na aldeia dos mortos, sobre os indígenas brasileiros da etnia krahô, conquistou nesta sexta-feira (18) o Prêmio do Júri da mostra Um certo olhar do Festival de Cannes. A produção do longa-metragem é dos mineiros Ricardo Alves Jr e Thiago Macêdo Correia, da Entre Filmes.
A cineasta brasileira Renée Nader Messora e o português João Salaviza (Palma de Ouro de melhor curta-metragem em 2009 por Arena) gravaram o filme durante nove meses, depois de passar longas temporadas com a comunidade de 3.500 indígenas, no estado do Tocantins.
Membros da comunidade interpretam eles mesmos e falam em seu próprio idioma, o que fez das gravações uma façanha. A cineasta levantou o punho ao receber o prêmio entregue por Benicio del Toro, presidente do júri desta seção paralela do Festival, enquanto Salaviza afirmou “Demarcação já”, referindo-se às terras indígenas no Brasil.
No tapete vermelho do Festival, o elenco já havia protagonizado um protesto na quarta-feira para denunciar o genocídio dos indígenas brasileiros. Os dois cineastas e os protagonistas do filme, Ihjac Kraho e Koto Kraho, desfilaram de preto com cartazes vermelhos onde se lia “Parem o genocídio dos povos indígenas” e “Pela demarcação das terras dos povos indígenas”.
O protesto remete à mobilização de líderes indígenas no Brasil, que acusam o governo de Michel Temer de se recusar a demarcar as terras para devolvê-las a seus donos originais. O governo favorece os empresários do setor agrário, acusam os índios.
BRASIL NEGADO Em declarações à AFP, Nader Messora afirmou: “O Brasil negado no Brasil é o que interessa em Cannes”. A resistência de um jovem krahô a se tornar xamã após a morte de seu pai – que o leva a partir temporariamente para a cidade – serve como argumento e pretexto para mostrar o dia a dia dos indígenas, suas tradições e cerimônias no filme premiado.
“Os krahô são responsáveis por seu próprio bioma, mas estão ameaçados, principalmente pela monocultura de soja e cana e pela pecuária”, explicou Nader Messora. Em sua estreia em Cannes, a cineasta brasileira, casada com Salaviza, destacou a importância de que, no maior festival de cinema do mundo, “se esteja vendo um filme sobre os krahô, falado em seu idioma”.
Chuva é cantoria na aldeia dos mortos não é um filme “abertamente ativista, apesar de todo o respeito que temos pelos indígenas no Brasil que estão gravando filmes militantes, pondo sua vida em risco”, disse Salaviza. “Em geral, o indígena é apresentado ou como um profeta, que sai da floresta para dizer duas palavras e desaparece, ou de forma mais política, em contraste com a cultura ocidental”, disse.
O filme mostra com naturalidade o modo de vida familiar e social dessa população. “Não é por usar uma calça, ou ter um celular, que se deixa de ser indígena. No Brasil, esse discurso ocorre entre os poderosos e é muito perigoso”, adverte. “Ser indígena é um modo de ser, e não de aparentar”, segundo o cineasta. Ambos os diretores, que vivem entre Portugal e Brasil, filmaram juntos seu primeiro longa-metragem, Montanha.
Chuva é cantoria na aldeia dos mortos é o terceiro filme brasileiro selecionado nesta edição de Cannes. Também se apresentaram O grande circo místico, de Cacá Diegues, na seleção oficial fora de competição, e Los silencios, de Beatriz Seigner, na Quinzena dos Diretores. (AFP)