Mais uma vez, a realidade das estradas não reflete o acordo com representantes dos caminhoneiros anunciado na noite de domingo pelo presidente Michel Temer (MDB) e reforçado ontem pela equipe de ministros formada para as negociações. A distância entre as decisões dos gabinetes e a reação dos caminhoneiros nas estradas reflete a dificuldade de negociação com um movimento que se mostra pulverizado e sem representação. Caminhoneiros continuam parados e afirmam que o novo acordo assinado em Brasília não atende a categoria, que conversa pelas redes sociais, não concorda com redução do preço do óleo diesel por 60 dias e pressiona pela diminuição definitiva no valor do combustível.
Atualmente, cerca de 554 mil veículos estão concentrados nas mãos de 374 mil motoristas autônomos, ou seja: esses profissionais sem empresa constituída concentram, em média, 1,5 caminhão cada um. A participação dos autônomos na frota total do Brasil – que hoje soma 1,66 milhão de veículos – é de pouco mais de um terço do total. Um número reduzido de veículos (22,8 mil, ou 1,3% da frota) está nas mãos de cooperativas do setor.
Em entrevista coletiva, o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, garantiu que a situação está se normalizando. A entidade havia se recusado a assinar o primeiro acordo, na sexta-feira, mas acatou o segundo. “Apesar de ainda não termos um número exato (sobre o total de caminhoneiros que já se desmobilizaram), dá para dizer que de 70% a 80 % já levantaram acampamento”, disse Lopes. A expectativa é de que a desmobilização seja concretizada até o fim de hoje.
Em Minas Gerais, a realidade é outra. Entre Conselheiro Lafaiete, na Região Central, e Juiz de Fora, na Zona da Mata, são mais de 1 mil caminhoneiros que continuam parados na estrada. Em Carandaí, o autônomo José Geraldo da Silva, de 51 anos, assegura que ninguém vai abandonar a greve e aqueles que negociam em Brasília não representam quem está no trecho. “Não é representante da classe. É tudo mentira, é montagem. O preço tem é que abaixar na bomba e não é só por 60 dias”, afirma. “Estamos brigando por todo mundo, pela gasolina também. Esta semana já é feriado, então a gente já emenda. Alguém vai ter que ceder”, diz.
Segundo o caminhoneiro Alexandre Perreca, que está na mobilização na BR-381, em Betim, são milhares de caminhoneiros no trecho. “A gente achou que ia durar oito dias, já são oito. O povo da beira da rodovia está firme e forte”, conta Perreca, que diz não haver líder no grupo. “Aqui não tem liderança. Todo mundo é autônomo e está conversando pelas redes sociais, pelo WhatsApp”, disse. Segundo ele, as informações também chegam por meio da mídia.
O que se percebe é que, nessa avalanche de informações, elas acabam chegando de forma difusa. Um dos caminhoneiros disse que a greve continua porque a redução no preço do diesel foi insuficiente e o fim do pedágio para caminhões com eixo suspenso (sem carga) também não ocorreu. Temer, entretanto, anunciou na noite de domingo que o fim da cobrança pelo eixo suspenso em pedágios será matéria de medida provisória. “Um colega passou no pedágio e pagou”, disse o caminhoneiro.
Em Montes Claros, no Norte de Minas, na BR-251, o caminhoneiro Eduardo, de 35 anos, está apoiando colegas parados na rodovia. Como mora na cidade, tem dado suporte a quem está parado na estrada, mas não assume qualquer liderança nem se sente representado por ninguém. “Ninguém me representa. Falo por mim e por minha família”, diz Eduardo, que prefere não revelar o sobrenome, afirma que a greve vai acabar somente quando o governo, de fato, atender às demandas da categoria.
ARTICULAÇÃO PELAS REDES SOCIAIS
A articulação tem ocorrido pela internet e por telefone. “Tenho amigos que estão em São Paulo, na Bahia. Todo mundo conversa”, explica. “Falo por mim. A redução do diesel será por 60 dias e isso não me atende por causa do prazo. Tem que ser definitivo. Se não mudar, vou ter que tirar meus filhos da escola particular, o plano de saúde deles”, afirma Eduardo, que também não concorda com o reajuste mensal do diesel depois da trégua dos dois meses.
Na BR-365 e na BR-251, em Montes Claros, o autônomo Luiz Carlos Caldeira reconhece que a falta de liderança do movimento dificulta o atendimento das demandas. “Somos um grupo de autônomos. Nossa profissão nunca teve sindicato forte”, diz. As informações contraditórias confundem o movimento. Segundo Luiz Carlos, uma das insatisfações é porque a redução de R$ 0,46 na refinaria, e não na bomba. O anúncio do governo Temer, entretanto, garante redução no preço final, ou seja, na bomba. “Não temos condição de trabalhar. A situação do transporte chegou ao extremo”, afirma.