Na verdade, os dias estão ficando mais longos. Literalmente. A ação gravitacional da Lua e do Sol influencia o movimento das marés, o que desacelera a rotação da Terra. Por isso, o planeta está demorando mais para dar uma volta em torno de si mesmo. É claro que você não consegue sentir isso, pois a mudança ocorre em um nível ínfimo, ao longo de muitos anos – a cada século, nossos dias se tornam 1,7 milissegundo mais longos.
Nosso tempo, portanto, parece bastante estável durante uma vida humana: os dias e as noites são sempre iguais, com as horas tão longas como sempre, do momento em que nascemos até a morte. Mais do que isso: embora quase ninguém possa dizer que trabalha pouco, as leis trabalhistas do século 20 ajudaram a reduzir a jornada em grande parte do mundo, inclusive no Brasil. Hoje, temos mais tempo livre do que os operários de um século atrás. Por que, então, sentimos que temos cada vez menos tempo? Nenhuma dessas explicações refutam a sensação de que estamos sempre ocupados, de que faltam horas no dia para fazer tudo o que gostaríamos, responder a cada e-mail do trabalho, cumprir os prazos da faculdade, ver os filmes indicados ao Oscar, encontrar os amigos e… olha só, já é Natal novamente. Se os dias não estão mais curtos e não trabalhamos mais do que outras gerações, como é possível que o tempo pareça passar cada vez mais depressa?
A psicologia e a neurociência se uniram para entender esse fenômeno. Conclusão: você não está errado em achar a vida mais rápida. Embora o tempo seja o mesmo para todos, cada pessoa percebe sua passagem de forma diferente. E a primeira explicação para isso não traz consolo: os dias parecem passar mais rápido porque você está ficando velho.
Por que sentimos que temos cada vez menos tempo? Estamos sempre ocupados: faltam horas no dia para fazer tudo o que gostaríamos, responder a cada e-mail do trabalho, ver os filmes indicados ao Oscar, brincar com as crianças, e… Olha só. Já é Natal novamente.
Em 1897, o filósofo francês Paul Janet elaborou uma teoria: há uma explicação matemática para sentirmos que o tempo fica mais rápido conforme envelhecemos. A lógica era muito simples: cada ano de nossas vidas representa um pedaço menor do todo. Se um ano representa 20% da nossa existência aos 5 anos, essa proporção cai para 2% quando chegamos aos 50.
Na divisão proposta por Janet, cada ciclo de 12 meses se torna assustadoramente curto com o avançar das décadas. O primeiro ano da nossa existência representa 100% da nossa vida até ali, o segundo, 50%, o terceiro, 33,3% e assim sucessivamente. É uma redução exponencial: os anos seguintes parecem cada vez mais breves em relação aos anteriores. Para quem vive cem anos, a velocidade percebida dos primeiros sete anos de vida é tão grande quanto a dos 93 seguintes.
A boa notícia é que não é bem assim. Desde o início do século 20, outros pesquisadores se deram conta de que a proposta de Janet, embora ajudasse a visualizar a passagem do tempo, ignorava uma questão fundamental: nós não analisamos a nossa experiência em termos de porcentagens e proporções. Nossa memória não cataloga o que vivemos de acordo com o tempo que cada acontecimento ocupou diante do todo. E é possível, sim, passar por momentos mais “demorados”, mesmo na velhice. O problema é que isso vai se tornando cada vez mais raro. E o motivo não está necessariamente nos números, mas na entrada na vida adulta.
O peso da rotina
Pense na última vez que você fez algo novo: acampar no meio do mato, ir àquele show que era um sonho de adolescência, conhecer um novo país ou, até mesmo, algo bem menos notável, mas ainda assim fora do costume – como, digamos, ver-se obrigado a trocar um pneu na beira da estrada. É possível que você se lembre desses episódios com uma incrível riqueza de detalhes, mesmo que eles tenham acontecido anos atrás. O mesmo exercício pode ser bem mais difícil quando se pensa no que aconteceu no escritório durante a semana passada. Se os seus dias mais recentes não fugiram da rotina, eles não vão deixar muita lembrança. Com o tempo, vão se misturar na memória. Se nenhum dia se destaca, todos eles parecem tão iguais que também acabam deixando a impressão de que passaram muito rápido porque são condensados numa única memória – que é lembrada como um período tedioso entre memórias emocionalmente mais relevantes.
A rotina é uma das grandes culpadas por sentirmos que o tempo voa, e seu peso se manifesta de maneiras às vezes impensáveis. Victor Frankl, um psiquiatra austríaco que dedicou grande parte de sua carreira a ouvir os sobreviventes do Holocausto, fez uma descoberta surpreendente: para eles, os dias nos campos de concentração, repletos de suplícios e horrores, passavam de maneira muito lenta. Até aí, nada fora do esperado. A ciência já demonstrou que experiências ruins parecem passar mais devagar. Um estudo da Universidade de San Diego, na Califórnia, mostrou que a percepção do tempo em pessoas que passavam por uma sensação negativa, como a rejeição, pode ser até 50% mais lenta do que para quem se sentia bem. Voluntários deviam avisar quando achassem que 40 segundos haviam passado. Para os que se sentiam queridos em seus relacionamentos, a estimativa foi quase precisa, em torno de 42,5 segundos. Mas, no grupo dos voluntários que haviam passado pelo doloroso processo de fim de namoro, os 40 segundos pareceram muito mais longos: 63,6 segundos.
O tempo voa
Quando você tem 5 anos, cada ano representa 20% da sua vida. Aos 50, apenas 2%. Entenda uma das teorias que tentam explicar por que a vida parece cada vez mais rápida quando viramos adultos.
A surpresa na pesquisa de Frankl veio a seguir: quando os mesmos sobreviventes do Holocausto foram convidados a olhar para trás e pensar no período de confinamento como um todo, a maioria deles disse ter sentido que aqueles meses e anos, no fim das contas, acabaram passando relativamente rápido. Embora cada novo dia fosse terrível, eles eram tão parecidos entre si que chegavam a se confundir uns com os outros, comprimindo a percepção do tempo.
A psicóloga britânica Claudia Hammond, autora de Time Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception (“Tempo retorcido: desvendando os mistérios da percepção temporal”, sem edição brasileira), chama esse fenômeno de Paradoxo das Férias. O nome é bem mais ameno do que a experiência do Holocausto sugere porque Hammond prefere enfatizar o peso das boas experiências. A lógica é semelhante, mas opera no sentido inverso ao dos campos de concentração: quando estamos em férias, ou viajando para algum lugar diferente, os dias são tão prazerosos que parecem passar muito rápido – quando chegamos em casa e refletimos sobre o que acabamos de viver, porém, aquele tempo parece muito mais longo. Eu fiz tudo aquilo em apenas uma semana? Parecia muito mais!
O segredo para alongar o tempo é criar o máximo possível de novas memórias, que façam com que um dia se destaque perante os demais. Quanto mais os dias se sobressaem, mais longos eles vão parecer em retrospectiva. Você não precisa estar em férias, evidentemente, e a memória sequer depende de algo que tenha lhe acontecido de forma direta: basta viver algo fora do usual. Quem testemunhou o 11 de setembro de 2001, que tinha tudo para ser uma terça-feira de trabalho como tantas outras, dificilmente esqueceu o que fazia naquela manhã quando recebeu as notícias vindas de Nova York. Por outro lado, pergunte a essa mesma pessoa o que estava fazendo em 18 de setembro de 2001, e a resposta será bem mais genérica.
O Paradoxo das Férias ajuda a explicar, de maneira mais acurada do que a matemática de Paul Janet, a razão de o tempo se tornar “mais curto” quando envelhecemos. Na juventude e adolescência, a vida está cheia de primeiras vezes: o primeiro dia na escola, a primeira vez que dormimos fora de casa, a primeira viagem sem os pais, o primeiro beijo, a primeira refeição que cozinhamos sozinhos, a primeira transa, o primeiro emprego, o primeiro bebê… Quando ficamos velhos, os acontecimentos se tornam repetitivos. Os pesquisadores estimam que a fase mais prolífica em termos de novidades ocorra entre os 18 e os 25 anos. Depois disso, o que antes era singular e surpreendente se torna parte da rotina e produz menos memórias. Consequentemente, o ano passa correndo e já é dezembro de novo.
Influência da tecnologia
Existe, ainda, uma outra razão para o tempo parecer mais escasso hoje em dia: o modo de vida originado após a Revolução Industrial. Até então, os modos de dividir o dia e o ano eram muito variados: um marinheiro trabalhava de acordo com as marés, um agricultor alternava períodos de grande trabalho durante o plantio e a colheita com a pasmaceira do inverno.
Os trabalhadores da cidade até tinham uma rotina mais estruturada, mas eles costumavam escolher seus dias e com frequência aceitavam jornadas de até 16 horas em troca de “finais de semana” estendidos, de três dias. Nos anos 1800, a coisa mudou: horas e dias fixos para trabalhar, apenas com o domingo de folga. As fábricas instituíram o relógio de ponto, descontando o salário dos empregados em caso de atraso. O tempo foi organizado em torno dos ponteiros do relógio. E assim emergiu uma percepção padronizada sobre a passagem do tempo.
Esse fenômeno se intensificou ainda mais nas últimas décadas, com a internet. Passamos a viver no “mundo infinito”, segundo definição do psicólogo Tony Crabbe, autor de Busy: How to Thrive in a World of Too Much (“Ocupado: como prosperar em um mundo de excessos”, sem edição brasileira). Com smartphones e computadores à disposição o dia inteiro, sempre há um e-mail a mais para responder, uma planilha a mais para preencher, um lembrete extra para o dia seguinte, e o cotidiano de trabalho passa a invadir até mesmo as horas antes dedicadas ao lazer. Quando você encontra tempo para descansar de verdade, surge um novo tipo de ansiedade: a montanha de opções de lazer. A internet e o smartphone extinguiram o tédio. Hoje, sempre há mais opções de divertimento do que tempo disponível para consumi-las, e o mal-estar da falta de tempo para conferir tudo persiste. (Superinteressante)