A volta da monarquia é vista por um grupo de brasileiros como a solução mais viável para a renovação política do país – e esse movimento pró-monarquista não envolve poucas pessoas. Uma enquete realizada pelo jornal O Tempo na última semana mobilizou, em cinco dias, 5.036 internautas. A maioria (78%) deles votou a favor da volta do sistema no Brasil, enquanto 22% votaram contra. A enquete ficou no ar entre segunda e sexta-feira.
Formados, na sua maioria, por jovens, esses grupos pró-monarquistas encontram na internet – principalmente nas redes sociais – um terreno fértil para divulgar suas propostas e buscar um engajamento maior. O principal deles reúne 85 mil seguidores na página Pró-Monarquia, no Facebook.
A mobilização também acontece fora do ambiente virtual, em torno dos descendentes da família imperial brasileira. Apesar de o Império brasileiro ter terminado oficialmente em 1889, com a Proclamação da República, os herdeiros da extinta Coroa reclamam seu papel – e voltaram a fazer isso durante o encontro monárquico anual realizado no último domingo, no Rio de Janeiro.
“Se a monarquia voltasse, seria um alívio. Os brasileiros celebrariam com uma grande festa nacional porque estão fartos da República”, assegurou à Agência France Press (AFP), com a voz pausada, dom Bertrand de Orleans e Bragança, 77, tataraneto de dom Pedro II, o último imperador do Brasil, durante o evento.
Pouco conhecida entre a população, a família imperial brasileira possui um público fiel. Usando suas melhores roupas, jovens e idosos de todo o país participaram do encontro e saudaram com reverência Sua Alteza antes de entrar para assistir à missa comemorativa na antiga capela imperial, no alto do bairro carioca da Glória.
O que eles querem. O movimento pró-monarquista defende, entre outras propostas, a restauração sociopolítica da monarquia, a conscientização sobre a “falência” do sistema republicano – resultado dos megaescândalos de corrupção no meio político e da consequente desconfiança da população – e o incentivo, no ambiente virtual, a um plebiscito popular para a volta do imperador ao poder.
Para isso, Igor Lúcio dos Santos, 33, moderador de uma página voltada aos monarquistas de Belo Horizonte, defende ser necessária uma organização. “O movimento é formado por pessoas de vários lugares do Brasil. Promovemos iniciativas nas cidades, trazendo debates e ideias novas. Ainda estamos longe de uma conscientização total e ainda precisamos trabalhar muito para isso”, admite.
“Eles compartilham e explicam, em páginas e grupos, a estrutura da monarquia constitucional parlamentarista, trazendo exemplos das atuais monarquias, como a da Espanha, e de como funcionam frente às repúblicas”, explica o historiador Fabrício Costa, especialista em história do Brasil e doutorando em história e ciências políticas pela PUC-Argentina.
O professor de direito constitucional Gustavo de Souza, 38, entusiasta da monarquia, explica que o ambiente virtual oferece um campo de atuação amplo. “Queremos mostrar aos brasileiros que podemos nos orgulhar de nosso país e que nem sempre vivemos nessa bagunça atual. Nós queremos mostrar como era o Brasil”, conta ele, admirador confesso do imperador dom Pedro II.
O fotógrafo Heberty Costa, 25, aderiu ao movimento após ter contato com informações na internet. “Vejo uma movimentação interessante, com muita informação”, diz.
Monarquia já foi rejeitada. O cientista político Flávio Rocha de Oliveira lembra que essa não é primeira vez que a discussão vem à tona. “Durante o plebiscito de 1993 – que ocorreu para determinar a forma e o sistema de governo do país –, havia grupos de simpatizantes e defensores que levantavam essa bandeira”, diz. Dom Bertrand está convencido de que hoje essa opção seria majoritária. “Isso é um fruto que está amadurecendo. Ninguém sabe quando se concretizará, mas estou seguro de que verei o regresso da monarquia com meus olhos”, prognostica.
Momentos de crise facilitam o engajamento
A perda de identidade política, devido à turbulência que o país tem atravessado nos últimos anos, pode ser apontada como um dos responsáveis pela maior adesão ao movimento pró-monarquia, defende o psicólogo Francisco Viana, professor de psicologia da Faculdade Newton Paiva. “É uma questão muito mais humana. A população brasileira perdeu a identidade como um agente ativo nas decisões sociais. Quando isso acontece, é natural que busquemos um amadurecimento para que uma identidade seja ‘inventada’”, aponta.
Segundo o cientista político João Moura, essa crise envolveria, basicamente, os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). “Os acontecimentos mostram que eles não têm funcionado como se esperaria numa república, ou seja, cada um na sua esfera. Por conta disso, os brasileiros passaram a pensar em alternativas que coloquem as coisas nos eixos. A monarquia aparece como uma opção”, diz.
Moura defende que o fenômeno é passageiro. “Quando tudo se normalizar – o que ainda vai levar um tempo –, as pessoas buscarão outros questionamentos”, acredita.
Minientrevista
Dom Bertrand de Orleans e Bragança
Príncipe e segundo na linha de sucessão da família real brasileira
O senhor disse em entrevista recente que a volta da monarquia é um caminho óbvio. Por quê?
A ordem natural das coisas é monárquica. A começar pela família – que é a célula básica da sociedade –, há a monarquia: o pai é rei, a mãe é a rainha e os filhos são os príncipes e princesas. É claro que, numa questão de Estado, não é tão simples. Nesse sentido, existem o imperador, que tem o poder moderador, o Poder Legislativo bicameral, com deputados eleitos por voto distrital, e o poder Judiciário, com a sua independência garantida também. Mas a grande diferença da monarquia, no sentido político, é o Poder Moderador. Ele foi definido no artigo 98 da Constituição Imperial, que visa à harmonização dos demais Poderes em função do bem supremo da nação. Isso evita que haja, na monarquia, uma coisa muito comum nas repúblicas: uma briga contínua entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como temos aqui no Brasil.
Como seria esse processo: por plebiscito, referendo? Qual sua proposta?
Pode ser um referendo, uma mudança repentina, porque a vocação do brasileiro não é republicana. A república faliu. Hoje, não se encontra um brasileiro que não diga, de boca cheia, que a república deu certo. E os brasileiros se perguntam: “Será que a solução dos nossos problemas não é restaurarmos o único regime que deu certo no país, que foi a monarquia?”.
Ao que o senhor atribui essa “falência” da república?
A cada quatro anos, é uma briga de foice entre os candidatos para saber quem vai ser o próximo presidente. Quanto custa uma eleição dessas? Alguns bilhões de reais. No fim, alguns já estão satisfeitos, e outros já estão pensando em como encher os bolsos. A monarquia, ao contrário, garante à nação sua unidade, a estabilidade e sua continuidade. E, ao mesmo tempo, garante que haja uma democracia muito mais autêntica, com o povo participando, em que os deputados são eleitos pelo voto popular e por voto distrital no qual os representados sabem que são, de fato, seus representantes no Congresso. Apenas a minoria dos brasileiros, hoje, sabe disso.
No plebiscito de 1993, apenas 10% dos brasileiros se mostraram a favor do regime monárquico. O senhor acredita que isso seria diferente hoje caso eles fossem às urnas?
Em 1993, não havia igualdade de condições. Em 1889, o artigo sétimo tornou a monarquia uma “fora da lei”. Ficamos de fora desde então até o início de outubro de 1988, quando entrou em vigor a atual Constituição Federal. Com ela, resolveu-se fazer, finalmente, essa consulta popular. Acontece que nós não tínhamos igualdade de condições. Tínhamos contra nós toda a máquina do estado, uma certa deformação da história feita pela República e boa parte da mídia e, apesar disso, conseguimos, uma votação grande. Mas, há um detalhe muito importante: em todos os debates que os monarquistas enfrentaram, em pé de igualdade, os republicanos sempre venciam. Se houvesse a possibilidade de haver um esclarecimento da nação do que seja realmente uma monarquia, o resultado seria outro.
Muitas pessoas que criticam a monarquia utilizam como critérios um possível gasto com a família real, que poderia ser maior do que com os representantes republicanos. O senhor concorda com isso?
A monarquia custa incomparavelmente menos aos cofres públicos do que a república. Há duas razões fundamentais: quanto custa uma eleição presidencial a cada quatro anos? Bilhões de reais. Isso já seria economizado. Segundo, no Brasil, cada presidente tem, por conta do Estado, vários assessores, automóveis, viagens para qualquer canto do mundo que bem lhe entender, a qualquer momento, primeira classe, com tudo absolutamente pago pelos cofres públicos. O imperador não depende de favores nem de comprar o apoio do povo com a distribuição de cargos, ele vai escolher pessoas completamente competentes que possam dar continuidade aos órgãos públicos. Basta vermos os últimos anos: o Brasil foi saqueado, e os brasileiros estão tendo que pagar a conta do governo anterior.
*O Tempo