Folhapress | Foto: Laura Daudén
Cerca de 300 haitianos vindos do Chile alcançaram nas últimas semanas Corumbá (MS), na fronteira com a Bolívia, e estão dormindo na rodoviária ou em abrigos improvisados. Segundo o padre Marco Antônio Ribeiro, da Pastoral da Mobilidade Humana, há em média 15 novos haitianos todo dia na cidade.
Muitos são registrados pela Polícia Federal como entradas excepcionais, categoria regulamentada na nova lei de imigração para incluir os que não possuem visto ou estão em outra situação emergencial. Quem cai nessa rubrica tem até 30 dias para se regularizar.
Em 2017, 12 haitianos que chegaram ao Brasil se enquadravam na categoria excepcional, segundo dados obtidos pela Folha. Em 2018, até 22 de junho, foram 643 -o que representa alta de mais de 10.000%, levando-se em conta o período proporcional.
O número de haitianos pedindo refúgio no Brasil também explodiu: de 827 em todo o ano passado para 718 em 2018, até 22 de junho, alta proporcional de 84%.
“Temos várias grávidas chegando, algumas no oitavo, nono mês de gestação”, diz Ribeiro, que é coordenador do comitê estadual de enfrentamento de tráfico de pessoas em Mato Grosso do Sul.
O fluxo de haitianos coincide com o endurecimento da lei de imigração no Chile, destino de cerca de 100 mil cidadãos do Haiti nos últimos anos. O governo de Sebastián Piñera, que tomou posse em março, passou a exigir vistos de turista dos haitianos, com permanência máxima de um mês.
Antes, eles entravam como turistas e acabavam ficando irregularmente ou pedindo mudança para visto temporário de trabalho.
Outra opção são vistos humanitários, só concedidos na embaixada chilena em Porto Príncipe, com validade de 12 meses e sujeitos a cota anual.
Além disso, a nova lei de imigração chilena, de abril, deu prazo de 30 dias para boa parte dos estrangeiros irregulares normalizar sua situação -ou ficar sujeita a expulsão do país.
No Brasil, eles tampouco encontram facilidades para entrar. A partir de abril, quando entrou em vigor a nova lei de imigração, os haitianos passaram a receber vistos humanitários exclusivamente na embaixada em Porto Príncipe.
A maioria dos haitianos que chega a Corumbá recebe notificação de saída da PF, que dá a eles prazo de 60 dias para se regularizarem ou então ficarem sujeitos a deportação.
“Eles chegam sem ter nenhuma informação, e poucos pedem refúgio”, diz João Chaves, coordenador de migrações e refúgio da Defensoria Pública da União em São Paulo, que esteve no local.
Procurada, a PF afirmou que não tem dados consolidados sobre as notificações de saída.
Segundo o padre Ribeiro, os haitianos saem do Chile, pagam coiotes para atravessar de van a Bolívia e chegar até Puerto Quijarro, ao lado de Corumbá. Muitos têm familiares no Brasil. “Chegam muito fragilizados e sem nenhum dinheiro, porque são extorquidos no caminho”, diz Ribeiro.
Chaves defende que o visto humanitário para haitianos seja concedido em qualquer embaixada brasileira. “Vai chegar cada vez mais gente. Há o risco de Corumbá se transformar na nova Brasileia [no Acre, onde se concentravam milhares de haitianos entre 2010 e 2012] ou Pacaraima [em Roraima, por onde entram os venezuelanos].”