O sistema de saúde em Minas respira por aparelhos.Com o atraso de R$ 1 bilhão no repasse do Estado a 320 hospitais filantrópicos, as Santas Casas mineiras decidem em 3 de agosto se restringem o atendimento ao SUS, inclusive na urgência e emergência.
O cálculo da dívida é da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas), que aponta que o Estado deve R$ 5,5 bilhões à saúde em geral em Minas. O governo diz não ter contabilizado o tamanho do rombo.
“A Lei 8.666, das Licitações, prevê a interrupção no fornecimento dos serviços em caso de atraso superior a 90 dias no pagamento. Em alguns programas, o repasse não é realizado desde 2015”, afirma a presidente da Federassantas, Kátia Rocha.
Mesmo que os hospitais não queiram parar, será impossível manter o atendimento normalizado, diz Kátia. “Não tem medicamento, os laboratórios não recebem, os salários estão atrasados”, alerta. Alguns estabelecimentos, aliás, podem fechar as portas.
Na Santa Casa de Belo Horizonte, o maior hospital do Estado, a dívida do governo chega a R$ 35 milhões.Sem o repasse estadual, que se arrasta desde dezembro de 2015, o hospital tem girado com déficit de R$ 3 milhões mensais. “Se não fossem as nossas receitas próprias, já teríamos fechado as portas”, afirma o diretor de Finanças, Recursos Humanos e Relações Institucionais da Santa Casa, Gonçalo de Abreu Barbosa.
No hospital, o governo do Estado é responsável por 8% da receita. O município responde por outros 8% e a União arca com os 84% restantes. “Além de os valores estarem defasados, o atraso é muito longo”, diz Barbosa.
A saída tem sido realizar operações financeiras. Este mês, o hospital conseguiu empréstimo de R$65 milhões junto ao Bradesco e R$ 10 milhões com a Caixa. “Rolamos a dívida que tínhamos junto aos bancos e pagamos fornecedores e médicos”, explica. No começo do ano, a Santa Casa de BH deu férias coletivas para 350 funcionários e sofreu com a falta de medicamentos. A solução foi reduzir o número de leitos.
“Fechamos 400 leitos no ano passado e conseguimos reabrir só 300”, lamenta o diretor do hospital. Hoje, dos 1.086 leitos, 950 estão disponíveis à população.
Em Jacinto, na região Norte do Estado, o atraso nos repasses da Santa Casa se arrasta há quase quatro meses.De acordo com o diretor Administrativo e Financeiro, Idemar Alves Neves, se os repasses não se regularizarem não será possível manter o setor de urgência aberto. “Somos referência para 70 mil habitantes, trata-se de um hospital polo. Se a prefeitura não tivesse aumentado o repasse, não conseguiríamos nos manter abertos”, afirma.
Além da contrapartida obrigatória por lei, a prefeitura de Jacinto arca com manutenção, salário de médicos e outras contas da Santa Casa. “A prefeitura mantém tudo porque o Estado não tem repassado. Um médico anestesista custa R$ 30 mil. E quando eu assumi já estava assim. Não podemos deixar a população desamparada”, lamenta o prefeito da cidade, Leonardo Augusto (PRB).
Em Juiz de Fora, na Zona da Mata, o déficit da Santa Casa chega a R$ 3 milhões por mês. Por nota, o hospital informou que fez empréstimos financeiros para manter os atendimentos funcionando normalmente.
Por nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que não é “possível fazer o levantamento total (da dívida), tendo em vista que os repasses são feitos fundo a fundo”.
O texto destacou, ainda, “que o Estado de Minas Gerais enfrenta um severo déficit financeiro. Dessa forma, o Governo de Minas Gerais decretou situação de calamidade financeira em 2016”.
Prefeituras são chamadas a cobrir rombo deixado pelo Estado
A Santa Casa de São Sebastião do Paraíso, no Sul de Minas, vai pedir socorro aos prefeitos dos municípios atendidos pelo hospital em uma reunião agendada para a próxima semana. Com um déficit de R$ 7 milhões causado pelos atrasos no repasse do governo do Estado, a Santa Casa não consegue mais manter a urgência e a emergência funcionando integralmente.
“Se os prefeitos não ajudarem, na reunião da Federassantas, no dia 3 de agosto, vamos anunciar a redução nos atendimentos”, afirma o interventor e administrador do hospital, Adriano Rosa do Nascimento.
De acordo com ele, o hospital atende a 250 mil pessoas de diversas cidades no entorno de São Sebastião do Paraíso. Sem recursos, a instituição esteve prestes a fechar em 2016. A situação foi regularizada após uma sucessiva injeção de crédito. A última, foi realizada em dezembro de 2017.
O problema é que o hospital não consegue arcar com mais empréstimos. “Chegamos ao limite. Não temos mais capacidade de pagamento. Se os prefeitos não contribuírem ou se o Estado não regularizar o repasse vai faltar medicamento e médico”, prevê o administrador.
Outra medida será atender apenas ao teto de pacientes. Nascimento explica que os hospitais têm um número pré-estipulado de atendimentos contratados. Quando aquele número de internações, por exemplo, é atingido o pagamento pelo excedente é realizado alguns meses depois. Como o Estado não tem quitado a parte dele, haverá suspensão. “Se alguém precisar de uma cirurgia, por exemplo, e o teto já tiver sido atingido, não vamos aceitar o paciente”, diz Adriano.
O prefeito da cidade, Walker Américo (PTB), afirma que o repasse do município está em dia. Ainda de acordo com ele, que participará da reunião, dificilmente os prefeitos conseguirão um aporte extra para o hospital.
“Os repasses do Estado aos municípios também estão atrasados. Estamos passando dificuldades. Não temos como arcar com a nossa cota e a do governo estadual”, diz o chefe do executivo.
Por nota, o Ministério da Saúde disse que “é importante esclarecer que todos os recursos federais estão em dia para todos os municípios brasileiros. Para o estado e municípios de Minas Gerais, no ano passado, foram enviados R$ 4,85 bilhões pelo Teto Financeiro de Média e Alta Complexidade”.
Já a assessoria da PBH informou que os recursos que lhe dizem respeito estão em dia. A prefeitura negou que possa aumentar o repasse aos hospitais. “O repasse praticado pelo governo de Minas, neste ano, está abaixo do que determina a legislação. Desta forma, a PBH já vem cobrindo despesas que são de competência da esfera estadual”, diz a nota.
Diálogo
A presidente da Federassantas, Kátia Rocha, destaca que os hospitais filantrópicos têm mantido diálogo permanente com o governo por meio da Câmara de Prevenção e Resolução de Conflitos, criada em ato conjunto pela Procuradoria Geral do Estado e pelo próprio governador, Fernando Pimentel (PT). O problema é a dificuldade de o Estado informar quais programas serão pagos e quando eles serão pagos.
No ar
No último dia 11, por exemplo, foi realizada uma reunião da Câmara. A pessoa responsável por apresentar os números do governo, segundo Kátia, não informou quanto seria empenhado em cada programa a partir daquela data. “Disseram que R$ 100 milhões seriam repassados aos programas, mas eles não sabiam se o pagamento seria mensal, ou se havia previsão de outros pagamentos. Ficou muito no ar”, criticou.
Adiada
A reunião, que não contava com a participação do secretário de Estado, José Afonso Bicalho, foi interrompida e adiada para o próximo dia 19. Na ocasião, o responsável pela pasta deve comparecer ao encontro. “O problema atinge medicamentos, atenção básica, serviço móvel de urgência e os hospitais, que é a ponta da cadeia. Sem os repasses, não temos condições de atender à população com a dignidade que ela merece”, critica a presidente da Federassantas.