Estado de Minas
Responsável por apenas 15% da matriz de transportes no Brasil, as ferrovias têm despertado uma série de discussões entre a União, empresas e estados. Nessa quarta-feira (25), a Justiça Federal no Espírito Santo recebeu a resposta da União e da Vale sobre a ação civil pública do governo do estado que tenta impugnar o processo de renovação antecipada da concessão das ferrovias que está nas mãos da Vale. O pedido foi feito para que se tenha acesso aos projetos e estudos.
Segundo o governador Paulo Hartung (MDB), a Vale propõe à Justiça que seja feita uma mediação entre a empresa e o governo do Espírito Santo. Já a União informou que não há nada decidido sobre a renovação antecipada das concessões ou quanto ao valor, que segundo representantes da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) seria de R$ 4 bilhões. “A União informou que nada foi decidido sobre a alocação desse recurso e admite até que parte dele poderia vir para o Espírito Santo”, diz. Agora, caberá ao juiz decidir o que fazer.
Para o governador do ES, as respostas foram uma espécie de vitória. Hartung reclama que não participou das conversas sobre a renovação e que ficou sabendo da decisão do PPI pela imprensa. “Agora, o melhor é recomeçar esse processo em bases corretas. Temos projetos importantes que seriam beneficiados com os recursos dessa renovação do trecho Vitória-Minas, como os portos de Ubu (ES) e Açu (RJ), que poderiam ser beneficiados por um ramal ferroviário pelo litoral”, afirma.
Nas próximas semanas, será a vez de a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Pará entrar com uma ação contra a Secretaria do PPI, pasta ligada à Presidência da República que concentra projetos de infraestrutura.
Assim como o Espírito Santo, a PGE-PA quer saber detalhes sobre a antecipação em nove anos da renovação das concessões da Estrada de Ferro Carajás (que passa pelos estados do Pará e Maranhão e liga Carajás ao Porto de Itaqui) e Vitória-Minas (que interliga a capital do Espírito Santo à Região Metropolitana de Belo Horizonte).
A compensação financeira pelo novo período de contrato de exploração, de 30 anos, seria por meio da construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), com um desembolso feito pela Vale de R$ 4 bilhões, conforme mostra o relatório da sétima reunião do conselho do PPI. A obra pronta (que poderia ser concluída em quatro anos, segundo especialistas) iria para as mãos da União e seria licitada a uma outra operadora.
Tanto o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), quanto Paulo Hartung, questionam como a Secretaria do PPI chegou a esse valor para a compensação financeira, considerado por ambos como muito baixo. Eles criticam o fato de o governo ter decidido levar esse recurso para o Centro-Oeste em vez de o dinheiro obtido com a renovação das duas concessões ser aplicado em seus estados.
Jatene diz que vai recorrer à Justiça porque até agora não conseguiu ter acesso ao processo de renovação da concessão das duas ferrovias. “Sigiloso? Como assim? Tem várias pontas que precisam ser amarradas. Será que o país está tomando a decisão correta ou está gerando prejuízo para as federações? Essa renovação 10 anos antes do prazo, sem a menor explicação, é uma grande pataquada”, reclama o governador.
Para o tucano, o dinheiro obtido com a renovação da concessão de Carajás deveria ser investido no Pará, e não fora de seu estado. “Isso é injusto, irracional e ilógico. Vamos à Justiça para conhecer o processo. A sensação que passam é que não foram feitos estudos antes de decidir pela antecipação da renovação e ao valor que será desembolsado”, diz.
Os dois governadores mandaram uma correspondência para o presidente Michel Temer na tentativa de mudar a decisão. Depois de uma conversa por telefone, no dia 5, tiveram como promessa, segundo Jatene, que o governo enviaria um emissário até os estados para saber mais sobre as demandas relacionadas ao setor ferroviário. Até agora, diz Jatene, ninguém apareceu. A Secretaria do PPI foi procurada, mas não comentou o caso.
A Procuradoria-Geral do Estado do Pará já protocolou requerimento junto à Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) solicitando cópia do processo em que teria ocorrido a decisão de ser renovada a concessão da Ferrovia Carajás para a Vale. A agência pediu 20 dias, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), para entregar a cópia do processo. A alegação, segundo Jatene, foi que ainda faltam laudos e documentos para dar consistência à decisão já anunciada. Agora, o governador acredita que ao interpelar a Secretaria do PPI terá acesso às informações.
Por meio de nota, a Vale informou que participa do processo de prorrogação antecipada das duas concessões, que expiram em 2027, e que a aprovação terá de ser submetida ao Conselho de Administração da companhia “após a análise das contrapartidas requeridas pelo governo federal, a serem oficializadas depois da etapa de audiências públicas”.
Fundo ferroviário
Para tentar minimizar a contrariedade dos dois governadores e conter a irritação de parlamentares do Pará (em especial de Helder Barbalho, ex-ministro de Temer e pré-candidato ao governo do estado), foi assinada a Medida Provisória 845/2018 que criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Ferroviário (FNDF), que destinará recursos ao subsistema ferroviário federal. A prioridade, segundo o texto, é a construção de um trecho da Ferrovia Norte-Sul (FNS) até o porto de Vila do Conde (PA).
Os recursos do fundo virão por meio de lei orçamentária e de doações. O texto prevê ainda que o recebimento de dinheiro vindo da outorga paga ao governo federal pelo vencedor do leilão da ferrovia Norte-Sul (EF-151), no trecho entre Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP). A União já fixou em R$ 1,097 bilhão o lance mínimo para a concessão desse trecho, que tem 1.537 quilômetros (leia abaixo).
Trilhos
Para Armando Castelar, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista no setor ferroviário, existe uma visão consensual de que o Brasil deve investir na expansão de sua malha. Dados do Plano Nacional de Logística (PNL) mostram que as ferrovias, que hoje detém 15% da matriz de transportes, poderiam chegar a 21% se o país adotasse novas regras, como a troca da renovação das concessões pela construção de novos trechos. “Isso poderia representar uma redução significativa do custo logístico do Brasil. Ao todo, 65% do que é transportado utiliza rodovias, que são mais poluentes e causam mais acidentes fatais”, lembra.
As ferrovias, segundo Castelar, são o melhor modelo de transporte de cargas para países com grandes dimensões, como o Brasil. Assim acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, Rússia, China e Canadá. “O PNL prevê que as novas ferrovias resolvam parte do problema de gargalo no acesso aos portos, especialmente no caso de transporte de grãos. Esse modelo de antecipação de concessão já foi feito nos portos em 2013, é uma ideia trazida do governo da presidente Dilma Rousseff. Para um governo com problemas de caixa como vemos, essa pode ser a alternativa mais viável”, opina.
Minas na briga
Minas Gerais também pretende entrar na briga para que os R$ 4 bilhões anunciados pelo governo federal como contrapartida da mineradora Vale em investimentos numa ferrovia no país sejam direcionados para obras na Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), pertencente à mineradora, conforme publicou o Estado de Minas no dia 21.
A causa, já levada à Justiça pelo governo do Espírito Santo, é motivo de mobilização encabeçada pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) junto ao governo do estado e à bancada mineira na Câmara dos Deputados.
De acordo com o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, os mineiros perdem com a decisão do governo de captar recursos da empresa para investir numa ferrovia em outra localidade. Segundo a Fiemg, os R$ 4 bilhões poderiam atender a Minas com obras para interligar a linha férrea atual ao Porto de Açu, no Rio de Janeiro, e ao projeto do Porto Central, no Espírito Santo.
Norte-Sul já teria causado prejuízo de R$ 2 bilhões
Se o Fundo Nacional de Desenvolvimento Ferroviário (FNDF) espera contar com recursos do leilão da Ferrovia Norte-Sul (EF-151), talvez os planos para o trecho da Ferrovia Norte-Sul (FNS) até o porto de Vila do Conde (PA) tenham de esperar. Isso por conta da série de irregularidades que até hoje o projeto já apresentou.
O TCU informou por meio de nota que a construção da FNS vem sendo auditada há mais de dez anos e que foram identificadas graves irregularidades em quase todas as etapas. “Exemplos dessas irregularidades são: baixa qualidade na construção de trechos, contratos superfaturados, aquisição de trilhos e de brita com características incompatíveis com exigências normativas, bem como deficiências nos projetos. Essa última talvez seja a principal delas, pois as falhas em projetos dessas obras geram atrasos, desperdício de recursos e abrem espaço para a prática da corrupção”, apontou o tribunal.
Na fiscalização de 23 contratos das obras da FNS em Tocantins e Goiás, o prejuízo para os cofres públicos em função das irregularidades chegou a cerca de R$ 2 bilhões. “Em alguns casos, na fiscalização de trechos em construção, a situação encontrada pelo TCU foi de ferrovia em construção cujo traçado definitivo não era conhecido em sua totalidade, seu custo final e sua data de conclusão também eram incertos”, informou o órgão, citando que esses problemas decorreram das grandes deficiências do projeto básico utilizado para a contratação dessas obras.
As informações do TCU foram repassadas ao Ministério Público Federal. Agora, os órgãos tentam identificar quem foi responsável pelos prejuízos, além de aferir com precisão qual é o tamanho do dano causado pelas irregularidades e cobrar o ressarcimento aos cofres públicos tanto pelas empresas contratadas quanto pelos gestores.
Configuração
O trecho de 720 quilômetros entre Açailândia (MA) e Porto Nacional (TO) foi subconcedido em 2007 para a Ferrovia Norte Sul S.A., controlada pela VLI (que tem a Vale entre os seus acionistas). Hoje, está em andamento o processo de subconcessão do trecho entre Porto Nacional/TO e Estrela D’Oeste/SP, com extensão de 1.537 quilômetros. O percurso entre Porto Nacional/TO – Anápolis/GO (Tramo Central), com 855 quilômetros de extensão, foi construído pela estatal Valec e está pronto para operação desde 2014, mas até agora com pequenos volumes de carga. Já o trecho entre Ouro Verde de Goiás/GO e Estrela d’Oeste/SP (Extensão Sul), com 682 quilômetros, construído pela Valec, apresenta 90% das obras concluídas.
Segundo a nota do TCU, cabe ao órgão analisar o projeto de concessão elaborado e submetido pela ANTT, o que não impede a publicação do edital pelo órgão regulador, “já tendo havido diversas interações com a ANTT no sentido de buscar esclarecimentos necessários à formação da opinião da Casa, da maneira mais fluida e célere possível”.