Globo Esporte
São 10h da quinta-feira e Joanna Maranhão entra na piscina levando às costas uma mochila cheia de memórias que ganham uma importância ainda maior por estarem ali, onde tudo começou. Foi na estrutura do parque aquático do Clube Português do Recife que ela teve seu primeiro contato com o esporte que a consagrou, há quase três décadas. E é no mesmo palco que agora, aos 31 anos, ela põe fim a uma carreira recheada de predicados e que fica marcada no cenário nacional.
– Competitivamente, deu. Sem dúvidas o momento mais difícil da carreira de um atleta de alto rendimento é dizer “não sou mais” – afirma ao GloboEsporte.com sobre a decisão. – A vida normal vai começar para mim.
O que posso falar para as meninas que vão ficar é que destruam todos o recordes que estão em meu nome. Se sou digna de alguma homenagem, que elas superem todos os meus recordes. Que o quinto lugar de Atenas seja uma lembrança na minha memória e que eu possa assistir pela TV à natação feminina conquistar a primeira medalha olímpica – disse
E agora, muito por vontade própria e um pouco por um trauma pessoal, ela não é mais. Enquanto mostra a raia onde deu seus primeiros “tiros”, ainda na infância, Joanna tira da mochila recordações que, por si só, ajudam a recontar sua trajetória.
Primeiro, pega a bandeira de Pernambuco que lhe fez companhia ao redor do Brasil e do mundo, onde quer que competisse. O emblema era a forma que encontrou quando jovem de dizer que, sim, uma nordestina podia fincar bandeira na natação brasileira, sempre tão restrita ao eixo Rio-São Paulo-Minas-Sul. E assim o fez, como bem prova o segundo item que tira da mochila, o agasalho que usou para entrar na piscina do Centro Aquático Olímpico de Marousi, na grande Atenas.
A roupa valeu como uma medalha pelo que ela fez no dia 14 de agosto de 2004. Então com apenas 17 anos, ela terminou a prova dos 400m medley em quinto lugar nos Jogos Olímpicos de Atenas e findou um jejum que perdurava havia 68 anos – na Olimpíada de Berlim-1936, Piedade Coutinho havia sido a quinta colocada nos 400m livre. Joanna e Piedade ainda são, até hoje, as nadadoras brasileiras com melhor posição em uma final olímpica. Na Grécia, Joanna também liderou o revezamento 4x200m ao sétimo lugar.
– Eu era conhecida como a Joanna que treina como homem – comentou.
Muito do que conquistou se deu porque Joanna nunca fugiu da raia. Mas um episódio trágico pelo qual passou recentemente foi demais até para ela. A nadadora descobriu que estava esperando o primeiro filho, fruto do relacionamento com o ex-judoca Luciano Corrêa, com quem é casada.
– Algumas semanas atrás eu tive o resultado que estava grávida. E quando você vê aquele positivo, você se sente mãe. Seu corpo passa a ser morada e eu sempre coloquei meu corpo à disposição de um resultado, de um propósito e agora para uma vida. Infelizmente, eu perdi o bebê com uma semana, espontaneamente. Foi uma dor muito profunda, com a qual tenho aprendido a lidar e a me reconstruir – revelou.
A gravidez e o abalo vieram em meio a um momento em que Joanna negociava com alguns clubes, entre eles a Unisanta e o Curitibano, para voltar à natação competitiva e tentar classificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. Se conseguisse, conseguiria outra façanha: ir à quinta Olimpíada, como fizeram poucos atletas brasileiros, como Fofão (vôlei), Juliana Veloso (saltos ornamentais) e Rogério Romero (natação).
– De repente, ser mãe se tornou mais importante que estar em Tóquio. Não é que não dá para ir para Tóquio. É que há coisas mais importantes do que ir para Tóquio hoje – afirmou.
O afastamento da natação competitiva não representa uma cisão das piscinas. Joanna quer se manter atuante em causas que sempre lhe foram caros: o abuso sexual do qual disse ter sido vítima na infância, que revelou em 2008, o empoderamento e defesa das mulheres e a evolução da natação feminina do país.
Atualmente, ela tem ajudado atletas e pessoas do meio esportivo que foram alvo de assédio. Em abril, inclusive, participou de um evento que selou a cooperação entre a CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) e o Ministério Público do Trabalho para evitar ocorrências deste tipo – outras confederações também se envolveram. Joanna também se manterá à frente de sua ONG, a Infância Livre, que roda o Brasil para dar palestras a jovens sobre abuso sexual.
– Tudo ainda é muito novo. Existe um leque de coisas que quero fazer. Quero abraçar o mundo. Tem esse lado social que é muito forte em mim – afirmou a pernambucana, que organiza nesse final de semana um torneio que leva seu nome, também com cunho social.
Outro objetivo é se manter ativa com projetos de natação de alto rendimento. Joanna pretende, por exemplo, trabalhar em entidades em duas frentes: formação de atletas e popularização do esporte. Segundo ela, a natação ainda é um esporte “extremamente elitizado”.
Será somente assim que o Brasil terá safras boas o bastante para sonhar com a medalha olímpica que lhe escapou por pouco há 14 anos.