Jornal Estado de Minas
Uma garganta rochosa de 273 metros de altura engole o Ribeirão do Campo de uma só vez. Faz o corpo hídrico despencar de tão alto que, nas épocas de seca, antes da metade da queda todo o jorro d’água se dissipa numa fina chuva. A opulência da Cachoeira do Tabuleiro, em Conceição do Mato Dentro, se destaca de longe na formação rochosa dominante na região e marca a paisagem da Serra do Espinhaço. Por mais antiga e consolidada que pareça, a queda d’água mais alta de Minas Gerais se mostra mutável aos pontos de vista dos observadores. A incidência da luz solar nas rochas tem a curiosa capacidade de fazer com que a cachoeira adquira colorações diferentes, variando de um tom amarelado e brilhante para um vermelho opaco. É um destino muito procurado por ecoturistas e aficionados por aventuras. Contudo, o grande público ainda não se deixou seduzir por essa atração natural, como já ocorre em outros locais mais famosos. A Serra do Cipó, por exemplo, recebe cerca de 7 mil visitantes por mês, soma que resume todos os turistas de um ano que vão ao Parque Municipal Natural do Tabuleiro.
[pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”left”]As duas principais atrações do parque são a cachoeira e a travessia. Essa trilha mais longa percorre 27 quilômetros e cruza a Cordilheira do Espinhaço pelas serras do Intendente e do Breu, desembocando no povoado de Lapinha da Serra, em Santana do Riacho. Conjugar os dois destinos não é algo comum de se fazer, considerada a grande exigência física imposta pelos 5,6 quilômetros de trilhas de ingresso e retorno até a queda d’água. Mas não é impossível. Sobretudo depois de muitas melhorias feitas pelo parque em sinalização e infraestrutura. A entrada do parque fica a 19 quilômetros de distância de Conceição do Mato Dentro. As estradas são boas e muito bem conservadas, mesmo as que ainda são rodadas em leito de terra. O parque municipal cobra uma taxa de manutenção de R$ 5 e uma tarifa de visitação de R$ 5.
É por uma trilha de terra clara e arenosa que se inicia a busca pelas quedas do Ribeirão do Campo. Um avanço pelo típico cerrado da Região Central de Minas, onde sombras são raras projeções de uma ou outra árvore tortuosa, quando estas se erguem o suficiente para criar um abrigo. O caminho reveza trechos de chão e alguns poucos revestidos por pedras e massa, mais estáveis e rápidos. Durante a seca, o próprio leito de córregos intermitentes que cruzam esse caminho auxilia na passagem. Na época das chuvas, a coisa muda de figura. “Para se chegar a alguns pontos do nosso parque torna-se necessário atravessar rios, que nos dias chuvosos podem ter aumento repentino do volume de água (tromba d’água). Este aumento poderá causar situações perigosas e até mesmo arrastar pessoas ou deixá-las ilhadas, portanto, não é permitido o acesso a alguns pontos do parque em dias de chuva”, alerta o texto impresso no termo de responsabilidade que todos os visitantes assinam para entrar.
Depois de poucos metros na parte mais rústica da trilha, chega-se a uma sequência impressionante de 1.500 degraus de eucalipto imunizado, parafusados e com corrimãos, numa descida de 150 metros até o leito pedregoso do Ribeirão do Campo. Antes, o acesso até o curso d’água se dava por trilhas íngremes, onde não eram raros os escorregões, deslizes e utilização das mãos para avançar ou reduzir a velocidade. Vários totens ajudam a calcular a distância percorrida e alertam para pontos de interesse, como mirantes que permitem avistar a cachoeira por todo o deslocamento. As obras ficaram em cerca de R$ 1 milhão e foram custeadas em 2017 pela Anglo American, mineradora que atua na região de Conceição do Mato Dentro, por meio de condicionantes ambientais para as atividades da empresa.
Caminhada de obstáculos
A chegada às rochas escuras do ribeirão é um bom momento para tomar fôlego. O abastecimento dos cantis e reservatórios de água também pode ser feito ali. Mas o alívio é apenas passageiro, pois o caminho que se segue não deixa de ser exigente. A única forma de chegar à cachoeira é seguindo por rochas do leito, muitas delas altas e esparsas. A orientação para o melhor caminho é feita por setas vermelhas pintadas pelo percurso e que descrevem uma trilha mais aprazível. Vencidos esses obstáculos, a recepção se dá com uma refrescante chuva das gotículas d’água pulverizadas pela queda do ribeirão do alto do precipício. No fundo da garganta se abre um espaço com várias pilhas de rochas, muitas delas planas como plataformas e que servem para os turistas se esticarem e pegar um pouco de sol. Algo importante para aplacar o frio na imersão nas águas geladas da cachoeira e para trazer mais ânimo para o caminho contrário, que agora é para o alto.
Junto com um grupo de escaladores de Brasília, que foi treinar na Serra do Cipó, o casal Daniel Carneiro, de 33 anos, advogado, e a servidora pública Juliana Nunes, de 32, procurou recobrar suas forças curtindo a Cachoeira do Tabuleiro. “Toda vez que estamos na serra fazemos questão de visitar o Tabuleiro”, afirma o advogado, que já esteve cinco vezes no parque. “A estrutura melhorou demais, agora ficou mais acessível para as pessoas. Tornou-se uma caminhada mais tranquila de ser feita”, disse. Para Juliana, ainda que a queda tenha pouco volume na época da estiagem, a diversão vale a pena. “Mesmo quando a água diminui, o vento a faz virar uma chuvinha que bate no rosto da gente e é sensacional. Melhora também nessa época a subida do rio, fica mais tranquila, com menos água. Aparecem também mais pedras para a gente ficar ao sol”, afirma.