Globo Minas
Depois de tentar ser muitas coisas na vida, de ensaiar constituir uma família, de sonhar em ficar rico e de almejar conquistar a independência de sua terra natal na primeira tentativa concreta dessa natureza na colônia, ele havia falhado. E agora se agarrava à devoção à Santíssima Trindade como último refúgio”, diz o jornalista Lucas Figueiredo em seu livro “O Tiradentes – Uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier”, ao relatar a agonia do alferes que, antes de ser enforcado, passou 554 dias em uma masmorra do Rio de Janeiro.
“Tiradentes era um homem normal. Mas ele teve uma vida muito interessante. Ele é muito mais do que um mito. Era um homem que buscava melhorar de vida, tinha vontade de empreender. Que teve muitas perdas e muitos recomeços”, disse Lucas.
O livro, lançado em julho, procura reconstruir a figura de Joaquim mostrando as falhas e a coragem de uma pessoa comum e, ao mesmo tempo, extraordinária.
“Aquele personagem de cabelos e barbas longas, que parece com Jesus Cristo, eternizadas em pinturas e estátuas, não tem nada a ver com Tiradentes. Isso foi uma invenção. Era um homem que morreu aos 46 anos, com cabelos brancos e corroído pela culpa”, contou Lucas.
O livro, editado pela Companhia das Letras, foi feito após cinco anos de pesquisa no Brasil, na França e nos Estados Unidos.
[pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”left”]A vida
Joaquim José da Silva Xavier nasceu na Fazenda do Pombal, onde hoje fica a cidade de Ritápolis, no Campo das Vertentes, em Minas Gerais, em 1746. Foi batizado em novembro, no dia 12, na capela de São Sebastião do Rio Abaixo, na comarca do Rio das Mortes. Era o quarto entre os sete filhos de Domingos da Silva dos Santos e Antônia da Encarnação Xavier.
Ainda jovem, aprendeu o ofício de prático, de “dentista”, de “tira-dentes”. De acordo com Lucas Figueiredo, Joaquim era muito bom no ofício. “Apesar de todos os obstáculos (ausência de formação acadêmica, carência de livros científicos, pacientes em estado agravado ou crítico, terapêutica limitada, falta de anestesia e precariedade dos instrumentos), Joaquim era um sucesso como tira-dentes”, diz o autor em seu livro.
Tiradentes também foi fazendeiro, caixeiro viajante, empreendedor e alferes. Conheceu o interior de Minas Gerais e o caminho entre a capitania e o Rio de Janeiro como poucos. Por causa disso, era um importante propagador das ideias da inconfidência. “Ele era uma ‘revolução em movimento’”, contou Lucas.
Um andarilho por natureza, Joaquim costumava andar pelas ladeiras de Vila Rica e participar ativamente da vida da cidade. Quem passa hoje por Ouro Preto ainda pode refazer os caminhos do alferes.
Na Rua São José, conhecida como “rua dos bancos”, o casarão onde hoje funciona a Associação Comercial e Empresarial de Ouro Preto está no terreno onde existia a casa do inconfidente.
“Em Vila Rica, atual Ouro Preto, Tiradentes morava em uma casa alugada (o proprietário era o padre Joaquim Pereira Magalhães). Nessa casa, Tiradentes viveu com Antônia Maria do Espírito Santo, 25 anos mais nove que ele, e a filha do casal, Joaquina. Detalhe, Tiradentes e Antônia não eram casados. A casa foi destruída em 1792 como parte da sentença judicial que condenou Tiradentes. Também por decisão dos juízes, após a destruição da casa, o terreno foi salgado para que nenhuma planta crescesse ali. Anos mais tarde, no terreno, foi erguido um sobrado que hoje abriga a associação”, disse Lucas.
Encontro com inconfidentes
Mais adiante há a Casa dos Contos, antiga moradia do então contratador João Rodrigues de Macedo. Hoje o casarão é um museu que conta a história da moeda desde o Brasil Colônia até os dias de hoje. Lá, Joaquim se encontrava com os outros inconfidentes.
“Tiradentes e seus companheiros de conjuração costumavam se reunir na casa do homem mais rico de Minas Gerais, o contratador João Rodrigues de Macedo. Em volta de uma mesa de gamão, conversavam, divertiam-se e confabulavam. O solar era um dos edifícios mais majestosos da colônia, e servia ao mesmo tempo de loja de negócios (térreo) e residência (andares superiores). O solar tinha sete portas na fachada principal e 42 janelas voltadas para o exterior”, explicou Lucas.
O local ainda conserva o espaço da antiga senzala, onde cerca de 25 escravos se exprimiam e dormiam em piso de pé-de-moleque.
Os rebeldes também costumavam se reunir em uma casa na Rua Direita, hoje Conde de Bobadela. Antes moradia de Francisco de Paula Freire de Andrada, hoje ela abriga uma loja de roupas.
“Na noite do dia 26 de dezembro de 1788, numa sexta-feira chuvosa, Tiradentes e seus camaradas se reuniram na casa do comandante do Regimento de Cavalaria de Minas Gerais, Francisco de Paula Freire de Andrada, para discutir detalhes do plano da Conjuração Mineira. À luz de candeeiros, que iluminava as paredes cobertas de quadros, os inconfidentes discutiram vários pontos, acabar ou não com a escravidão, como seria a nova bandeira de Minas, como seria armada à resistência diante de uma possível reação de Portugal. Nessa reunião, Tiradentes defendeu a morte do governador de Minas e se ofereceu para realizar a tarefa”, contou o escritor.
Subindo a rua até a praça que hoje leva o nome do alferes, o visitante pode seguir até a Rua Brigadeiro Mosqueira e descer até a Casa da Ópera, o mais antigo teatro em atividade das Américas.
De acordo com Lucas, Tiradentes era frequentador assíduo do espaço. “Nas apresentações musicais e teatrais, as mulheres ocupavam os magníficos camarotes, enquanto os homens ocupavam os bancos, na plateia”.
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar também tem um papel importante na vida pessoal de Joaquim. Foi lá que ele batizou sua filha Joaquina e prometeu se casar com a mãe dela, uma moça simples, mas de família tradicional.
“Em 31 de agosto de 1786, nessa igreja adornada com 434 quilos de ouro, Tiradentes e sua companheira, Antônia Maria do Espírito Santo, batizaram sua filha, Joaquina. Na cerimônia, Tiradentes confirmou em voz alta que ele era o pai da criança. Então, o padre Pantaleão da Silva Ramos pôs os santos óleos em Joaquina”, contou Lucas.
Porém, Tiradentes não se casou com Antônia. Depois de passar meses longe de casa em uma de suas viagens, soube, ao retornar à Vila Rica, da traição da companheira. Desiludido, ele decidiu devolvê-la à mãe.
Mágoa
Joaquim também estava magoado por não ter o trabalho reconhecido. Entrou no regimento militar ganhando 24 mil réis. Dez anos depois, continuava ganhando o mesmo. Tomou gosto pelos ideais de liberdade vindos da França e dos Estados Unidos, que tinham conquistado a independência poucos anos antes.
Traído por Joaquim Silvério dos Réis, foi preso no Rio de Janeiro. Após passar quase dois anos na prisão, foi enforcado e teve o corpo esquartejado. Suas partes foram expostas em vários pontos de Vila Rica.
Em um destes locais está hoje a estátua do mártir. Lá há uma placa com os dizeres “aqui em poste de ignominia esteve exposta sua cabeça”.
“Em pleno século XXI, na difícil tentativa de explicar o Brasil e os brasileiros, o alferes continua sendo reinventado e apropriado”, diz o escritor em seu livro.
Serviço
Ouro Preto
Casarão construído no terreno onde ficava a casa de Tiradentes – Rua São José, nº 132
Casa dos Contos – Rua São José, nº 12
Casarão onde vivia Francisco de Paula Freire de Andrada – Rua Conde de Bobadela (Rua Direita), nº 55
Casa da Ópera – Rua Brigadeiro Mosqueira, nº 4
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar – Praça Monsenhor João Castilho Barbosa s.n., Pilar