Hoje em Dia
Ao telefone, resolvendo problemas pessoais, ele se apresenta como Luiz Carlos Ferreira. Do outro lado da linha, quem o atende não faz ideia de que fala com um dos maiores zagueiros da história do futebol brasileiro. Prestes a completar 60 anos, Luizinho, ídolo no Atlético, no Cruzeiro e na Seleção Brasileira, vive na pacata Nova Lima e diz aos amigos que não gosta de “passar do BH Shopping” (ir à capital).
O “Fino da Bola” relembra os 11 anos pelo Galo, clube no qual é o terceiro jogador com mais partidas (537 partidas), fala sobre a transferência do Sporting, de Portugal, para o Cruzeiro, onde ganhou os principais títulos da carreira, revive a famosa Seleção de 1982, pela qual foi titular na Copa do Mundo Itália, e revela onde assistirá ao clássico deste domingo, pela 25ª rodada do Brasileirão.
A sua ida do Villa Nova para o Atlético, no fim dos anos 70, aconteceu realmente porque o ex-presidente do Cruzeiro Felício Brandi não quis a sua contratação?
Não teve nada disso. Eu estava indo para o Cruzeiro para disputar a final do Campeonato Mineiro de 1978, e o Procópio era o treinador. Ele teve um problema com o clube, se desvinculou e, em seguida, foi para o pessoal do Atlético e pediu para que me contratasse. Ele foi fundamental para isso. Agiram bem rápido e, como se diz na gíria, o Atlético ‘passou a perna’ no Cruzeiro.
Você viveu intensamente aqueles momentos entre Atlético e Flamengo na fim do Brasileiro de 1980 e na decisão de um vaga nas semifinais da Libertadores de 1981. Qual o seu sentimento?
Lembro com tristeza, é lógico. Na década de 80, eram os times que mais cediam jogadores para a Seleção Brasileira. Naquela época, a gente se sentiu lesado com os jogos que fizemos contra o Flamengo. Infelizmente, não conquistamos nem o Brasileiro nem a Libertadores, por causa de, com certeza, ajudas extra-campo.
Chegou a encontrar o árbitro José Roberto Wright depois disso?
Não, e nem quero vê-lo nunca mais na minha vida. Graças a Deus nunca mais o vi, e não quero reencontrá-lo nunca. Sinceramente, não preciso nem fazer comentário sobre aquilo mais, já passou. Foi uma coisa que ninguém esquece, principalmente os atleticanos.
Nos anos 80, você foi semifinalista do Campeonato Brasileiro com o Atlético em 1983, 1985, 1986 e 1987, mas o time não conseguiu chegar à decisão. Por que o Galo não ganhou a competição nesses anos?
Sinceramente, é muito difícil ter uma definição do que aconteceu. Uma ou duas coisas a gente sabe o que aconteceu, é lógico. Mas faltou algo contra Coritiba e Santos. Faltou o gol para chegar à final e disputar aquele título que seria de grande importância para todos nós. Outros não. Contra o Flamengo, em Goiás, pela Libertadores, todo mundo viu o que aconteceu. Foi claro.
O que a Seleção Brasileira de 1982 representa para você? A eliminação para a Itália foi o momento mais difícil?
Às vezes vou para a Europa, e as pessoas comentam. No ano passado estive na casa da minha filha na Itália e, por lá, eles não se esquecem daquela Copa do Mundo. Foi uma geração muito importante para o Brasil, de craques e grandes jogadores, mas que infelizmente não estava numa tarde boa.
Você ainda sonha com o Sarriá?
Claro. Sonho porque foi um momento triste de um time como aquele que tivemos em 82. Até para o Brasil, essa geração foi ruim. Depois veio o futebol de resultados. Na Era Parreira, não se importavam com os craques. Acabou dando certo. Contudo, tenho certeza que não foi bom para o futebol brasileiro. Estamos acostumados com o futebol arte, e ganhando.
Após uma passagem muito positiva pelo Sporting, de Portugal, a volta ao Brasil foi para defender o Cruzeiro, onde você conquistou grandes títulos. Como foi voltar para jogar no rival, sendo um ídolo do atleticano?
Foi importante. Na época, eu tinha a preferência de voltar e encerrar a carreira no Atlético, sempre falei isso. Até pelo carinho e amor que tenho pelo Galo. Foram 11 anos jogando lá. Aconteceu que o clube não me quis, e eu tinha o Cruzeiro, que estava me procurando a todo momento querendo me contratar. Já que o Atlético não me queria, tomei a decisão de jogar no Cruzeiro. Tenho o maior carinho pelo clube também, pois teve consideração por mim e me tratou muito bem nos três anos em que estive lá. Tenho um carinho muito grande pelos torcedores do Cruzeiro. O amor é muito grande pelo Atlético, todos sabem disso. E sei que os torcedores ficaram chateados por eu ter ido, mas sempre fui muito sincero nesse sentido e falei a verdade. O Atlético não me quis, não sei o porquê. Foram onze anos lá, e ninguém pode falar que fiz algo de errado neste tempo. Eu era profissional e tinha que continuar minha carreira, por isso fui para o Cruzeiro.
Você jogou na Europa entre o fim dos anos 80 e início dos 90. O futebol jogador lá já era muito diferente em termos táticos e técnicos?
A diferença existe em todos os sentidos. O Brasil é, culturalmente, bem inferior. Fui aprender a ser profissional em Portugal. Até então, aqui, eu fui amador. Lá, não se passa a mão na cabeça de jogador. Infelizmente, isso acontece aqui no Brasil. Para mim, foi um aprendizado muito grande.
Houve algum convite recente para você retornar ao Atlético para ajudar nas categorias de base ou até na equipe principal?
Não surgiu nenhum convite. Mas eu vejo isso com muita tranquilidade. Nas oportunidades que tive de trabalhar no Atlético, consegui títulos nas categorias de base. Também tive a oportunidade de ser auxiliar do Marcelo Oliveira na equipe principal. Não quis seguir carreira por motivos particulares, como não querer voltar à rotina de viagens e ficar longe dos meus filhos, por exemplo. Hoje, eu penso diferente. Se pintar uma nova oportunidade, estou à disposição.
Sempre que surge um bom zagueiro, logo é chamado de ‘novo Luizinho’. Como você vê essa comparação? Acha que algum outro surgiu desde que você se aposentou?
Eu acho que essa coisa é muito relativa. Não sou de ficar fazendo comparações. Eu tive minha época, e os outros, as deles. Vida que segue. Na minha época, tinha jogadores mais habilidosos. Hoje não temos grandes craques. Nas décadas de 80 e 90, podia tirar o time inteiro que havia outras opções. O Telê (Santana) teve que fazer mágica naquela época para colocar todos em campo. Hoje está mais difícil de encontrar um gênio. O nosso único é o Neymar.
Você tinha técnica suficiente para ser um meia ou até mesmo atacante, e foi chamado de “o Fino da Bola”. Por que o Luizinho virou zagueiro?
Eu comecei no Villa Nova como meia e centroavante, com 12, 13 anos. Por isso, mais tarde, eu tive a facilidade de jogar como zagueiro e saber sair jogando, tendo o controle da bola e ter a qualidade melhor do que os zagueiros costumam ter.
Onde você assistirá o clássico deste domingo?
Normalmente, quando é clássico assim, vejo de casa. Vou torcer para que seja um grande jogo. Infelizmente, temos medo de ir ao estádio. Hoje você leva sua família e não sabe se volta. Peço que os torcedores saiam de casa para se divertir e, não, brigar.