Estado de Minas
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou prazo de 90 dias para que prefeituras, secretarias municipais e a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais adotem medidas para sanar deficiências de segurança contra incêndio e pânico em quase 500 escolas. O TCE vistoriou 565 instituições públicas de ensino em 159 cidades. Mas o número de escolas com falhas de segurança é muito maior e há quem avalie que será impossível cumprir o prazo para implantar as medidas em três meses.
“Noventa dias não são suficientes para a compra e instalação de equipamentos de segurança contra incêndio. As escolas não dispõem de orçamento próprio e não têm autonomia para o pagamento de despesas. A liberação de recursos e a aquisição dos equipamentos dependem da assinatura de um termo de compromisso pelas escolas e da abertura de um processo de concorrência, o que demanda tempo”, disse ao Estado de Minas uma funcionária de uma escola de Montes Claros vistoriada pelo Tribunal de Contas do Estado, que preferiu não ser identificada. A instituição de ensino não dispõe de quaisquer equipamentos contra incêndio, situação que, segundo ela, se repete na maioria das escolas públicas, estaduais e municipais, de todo o território mineiro, como já indica a “amostragem” feita pelo TCE.
O TCE constatou falta de equipamentos de incêndio em três escolas de Jaboticatubas, sendo duas municipais e uma estadual, três escolas municipais em Itatiaiuçu, e duas estaduais e uma municipal em Nova União, conforme o relatório divulgado pelo tribunal.
A decisão do TCE de estipular prazo para a solução dos problemas foi tomada em sessão plenária realizada na semana passada. Segundo o relatório do TCE, das 565 escolas visitadas, 494 não têm o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e 383 não contam com qualquer equipamento para combate a incêndios. O objetivo do trabalho foi avaliar a qualidade e disponibilidade das instalações físicas, mobiliário e equipamentos das escolas públicas municipais e estaduais de ensino fundamental e médio em Minas.
O TCE encaminhou uma cópia do relatório ao Corpo de Bombeiros, assim como a lista das escolas em situação de “extrema gravidade”. O documento foi apresentado também à Controladoria-Geral de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Educação e aos gestores municipais. Todos receberam o relatório com a avaliação individualizada das escolas alertando para o cumprimento das metas 7.18 (infraestrutura) e 7.20 (recursos tecnológicos digitais) do Plano Nacional de Educação. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) receberão o mesmo documento posteriormente. Também foi recomendado que todos os prefeitos de Minas e o governador orientem as autoridades de educação a adotar medidas preventivas e corretivas na infraestrutura de todas as escolas, visto que o levantamento foi feito em apenas uma parcela delas.
A escola estadual visitada pelo EM na cidade conta com 980 alunos do ensino fundamental e médio, em três cursos e passou pela vistoria do TCE em junho de 2017. Cinco instituições de ensino de Montes Claros foram visitadas pelo órgão: duas estaduais (Simeão Ribeiro dos Santos e Escola de Ensino Médio e Fundamental) e três municipais (Doutor Joaquim, Irmã Beata e Escola Gregório Ribeiro de Andrade). A ausência de extintores e de outros equipamentos de prevenção contra incêndio foi verificada também pelo Corpo de Bombeiros em vistoria realizada em outubro de 2017, após o incêndio criminoso na Creche Gente Inocente, em Janaúba, também no Norte do estado. A tragédia, que teve repercussão internacional, resultou nas mortes do autor do ataque à unidade e de outras 13 pessoas, sendo duas professoras, uma servidora e 10 crianças. Mais de 50 pessoas ficaram feridas.
“Depois da visita da equipe do TCE em julho do ano passado, somente agora temos conhecimento do resultado da vistoria em nossa escola. A partir de agora, deverão ser adotadas as medidas necessárias para a prevenção de incêndio. Mas, isso tem que partir da Secretaria de Estado de Educação”, afirma a fonte ouvida pelo EM. Ela disse que a escola onde trabalha necessita de um projeto de prevenção e combate a incêndios, que contemple a acessibilidade, instalação de extintores e hidrantes, rotas de fuga e outras questões.
[pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”left”]DEFASADO Segundo o secretário de Educação de Montes Claros, Benedito Said, o diagnóstico do TCE não condiz com a situação atual das três escolas da rede municipal listadas na cidade, todas elas sediadas na zona rural quando foram visitadas. E explica: a Gregório Ribeiro de Andrade foi desativada por falta de alunos; a Doutor Joaquim Costa está sendo reformada; e a Irmã Beata está agora funcionando na área urbana, em um prédio novo, que, de acordo com ele, tem projeto para a prevenção e combate de incêndio. Ainda de acordo com Said, a prefeitura está elaborando um “projeto global” para todos os prédios da rede municipal de ensino, mas o prazo de 90 dias fixado pelo TCE é “muito curto”.
O secretário ressaltou que a maioria das escolas do estado e dos municípios mineiros não dispõe nem de equipamentos de segurança nem de acessibilidade, tendo em vista que os “os prédios foram construídos em outro tempo”, quando não havia exigências de projetos contra incêndios. “Agora, as escolas estão sendo projetadas em obediência às regras de segurança”, afirma.
No município de Bonfim, na Região Central de Minas, um funcionário de uma escola pública, que também preferiu não se identificar, afirmou que a instituição está ciente do prazo estabelecido pelo TCE, mas que dificilmente conseguirá cumpri-lo. “Estamos com outras prioridades de gastos, como merenda e material escolar, mas queremos resolver a questão dos extintores de incêndio até janeiro”, afirmou. “O que mais dificulta é a falta de verba, acabamos tendo que escolher com o quê gastar”, disse.
Multa pode chegar a R$ 15 mil
O levantamento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) que resultou na determinação de prazo para a implantação de medidas de segurança em escolas vistoriadas foi realizado por técnicos do órgão durante todo o ano de 2017. “Quando a gente levantou essas questões, a primeira medida da presidência foi chamar o comandante-geral dos bombeiros para uma reunião, e no mesmo dia fizemos um ofício para ele, secretários e governo do estado. Na quarta-feira (dia 19 passado), submetemos ao colegiado as propostas relacionadas a essas questões urgentes,” explicou Pedro Henrique Magalhães Azevedo, assessor da presidência do TCE. Ele reforçou que as escolas têm 90 dias para adotar as medidas de prevenção e combate a incêndios ou indicar um prazo para a regularização e lembrou que o descumprimento da decisão pode gerar multa de cerca de R$ 15 mil, segundo a lei orgânica do tribunal.
Questionado sobre a situação das escolas, o tenente Pedro Aihara, do Corpo de Bombeiros, informou que todas as edificações de uso coletivo do estado estão sujeitas à fiscalização da corporação. “Conforme o tipo de irregularidade, é aplicada uma medida ou fazemos a comunicação ao órgão competente”, explica. Segundo ele, cada caso é avaliado individualmente e uma irregularidade na prevenção de incêndio e pânico não implica diretamente interdição, que ocorre quando existe risco iminente para a população. “Está sendo feito um trabalho conjunto entre a secretaria (de Educação) e os bombeiros para resolver o quanto antes os problemas das escolas. O que cabe a nós é a fiscalização da legislação”, ressaltou o militar.
Por meio de nota enviada no dia 20, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais disse que ainda não tinha sido comunicada oficialmente da decisão, mas que já havia recebido o relatório do TCE e iniciado estudo para assegurar “condições mínimas para prevenção a incêndio e pânico na rede estadual de ensino. “Uma medida já em andamento é a elaboração de um plano consolidado para resolver as situações apontadas e outras ações que abrangerão toda a rede, com o apoio do Corpo de Bombeiros”, diz a pasta.
A nota ressalta que a Instrução Técnica 9, que trata das Cargas de Incêndio nas Edificações e Áreas de Risco, classifica as escolas como tendo baixo risco de incêndio. Informa ainda que 93 instituições de ensino da rede estadual já têm projeto aprovado de prevenção contra incêndio e pânico. Em outras 348 estão em andamento planos de segurança, cuja adoção é recomendada sempre que uma reforma geral for planejada. Ainda segundo o texto, recentemente foram enviadas cartilhas sobre o tema a todas as escolas.
A falta de boas condições estruturais nas escolas é um risco não apenas para a questão mais imediata da segurança, mas também para o próprio aprendizado, já que o uso de certos equipamentos acaba sendo evitado, afirma o professor de políticas educacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Carlos Roberto Jamil Cury ao comentar a decisão do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) que determinou prazo de 90 dias para que quase 500 instituições de ensino municipais e estaduais adotem medidas contra incêndio e pânico. “É óbvio que o lugar onde se tem uma gambiarra, com muitas tomadas em um plug só, e assim por diante, diminui a possibilidade de os docentes utilizarem ferramentas pedagógicas mais avançadas. Usar um ‘data show’, ou colocar um computador um pouco mais possante e tudo mais é um risco. Os professores terminam tendo que evitar esses equipamentos mais modernos, mais contemporâneos, e que hoje se tornaram ferramentas pedagógicas indispensáveis”, analisa.
Para o especialista, a questão pode ser até judicializada caso a determinação não seja seguida pelos responsáveis pelas escolas. “Suponho que deva haver algum tipo de cobrança futura a esse respeito, seja por meio de um plano municipal ou estadual. Se há uma omissão de quem de direito, o TCE pode, evidentemente, acionar a Justiça. É o último bastião para uma situação dessas. É preciso esgotar todos os mecanismos internos próprios do Legislativo e do Executivo com a sociedade civil para se chegar a uma judicialização”, destaca. Jamil Cury enfatiza que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece que as escolas devem informar às famílias, por meio do projeto pedagógico, das suas condições de funcionamento antes mesmo da matrícula.
O professor da PUC Minas acredita que o incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2 de setembro, acabou despertando a atenção das pessoas para a segurança dos imóveis. “É uma situação grave. É preciso alertar as famílias, o Conselho Tutelar, todos devem ser informados desse tipo de coisa. Você não concebe uma escola em Belo Horizonte que não tenha água encanada, banheiro, esgoto, extintor de incêndio. Quando você coloca seu filho na escola, não verifica esse tipo de microdado. Você dá como certo que todas essas condições estão cobertas”, diz o docente.
Entretanto, ele também considera curto o prazo de 90 dias estipulado pelo TCE para a adoção das medidas. O especialista acredita que cada caso pode ser avaliado individualmente e aposta no efeito de alerta que a medida pode despertar. “Às vezes você pode ter uma escola ou um território urbano em que 90 dias sejam suficientes, mas em outros não. O mais importante é que o TCE, ao dar ciência disso, estimule uma definição da parte do conselho do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) junto à secretaria responsável, municipal ou estadual, para a solução do problema”, diz Jamil Cury. “O TCE está ocupando uma dimensão mais proativa e acho isso um ganho para Minas Gerais, à medida que publiciza o problema, cobra e alerta a sociedade civil, as famílias e gestores para que tomem providências”, pontuou o especialista.
Canais de denúncia
O Tribunal de Contas do Estado informa que suas equipes técnicas vão verificar o cumprimento da decisão sobre segurança nas escolas e convoca as comunidades a participarem do controle. “Temos o aplicativo Na Ponta do Lápis, disponível em todas as plataformas, por meio do qual é possível reportar problemas ao próprio gestor ou ao TCE. É sempre bom os pais participarem ativamente do ensino. O aplicativo facilita esse contato”, enfatizou Pedro Henrique Magalhães Azevedo, assessor da presidência do TCE. Pais ou funcionários das escolas ainda podem denunciar problemas nas estruturas das instituições ou risco de incêndio pelo Disque Denúncia 181 (ligação anônima), pelo 193, do Corpo de Bombeiros, ou diretamente à Secretaria de Estado de Educação.