Pouco menos de 3 quilômetros separam o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) de Brasília do Palácio do Planalto, a sede do Executivo Federal. Ambos são prédios modernistas projetados por Oscar Niemeyer.
A partir desta segunda-feira, o prédio do centro cultural brasiliense será a sede oficial da equipe de transição escolhida pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para preparar o governo que começa no dia 1º de janeiro de 2019.[pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”right”]
Na equipe do presidente que deixará o cargo, Michel Temer (MDB), a preparação para a entrega da máquina do Executivo começou na semana seguinte ao 1º turno, com uma reunião no Palácio do Planalto na terça-feira seguinte, 11 de outubro. Temer discutiu o assunto com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (MDB), que coordenará o processo do lado do governo atual.
Na última quinta-feira, Padilha encontrou-se com o deputado federal reeleito e provável ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), para uma conversa inicial. Lorenzoni pretende começar a despachar no CCBB a partir desta quarta-feira.
No começo da semana, o próprio Bolsonaro deve ir a Brasília para se reunir com Temer e tratar da sucessão.
Em pronunciamento feito logo após a oficialização da vitória do candidato do PSL, Temer reforçou que o gabinete de transição já estava disponível para a nova equipe e afirmou que iria “oferecer a ideia” a Bolsonaro de que a reforma da Previdência que tramita no Congresso poderia ser aprovada ainda neste ano.
“Mas ela (a votação) só irá adiante se tiver o apoio do presidente eleito e de sua equipe”, afirmou na noite de domingo.
Por questões de segurança, é possível que Bolsonaro use um avião da Força Aérea Brasileira no deslocamento à capital federal, diferentemente dos voos comerciais que usou ao longo da campanha. Temer preparou uma espécie de cartilha para entregar ao sucessor, com suas principais realizações e com explicações sobre o processo de transição.
O processo de dois meses de transição entre os dois governos é regulamentado por uma lei (de 2002) e por um decreto (de 2010). O processo serve para que, ao subir a rampa do Palácio do Planalto, o próximo presidente já esteja completamente ciente da situação deixada pelo governo anterior.
Nos poucos mais de dois meses até a data da posse, em 1º de janeiro de 2019, Bolsonaro terá de definir não apenas sua equipe ministerial, mas também os ocupantes de milhares de outros cargos, além de se familiarizar com os detalhes da estrutura e operação de ministérios, secretarias, autarquias e outros órgãos.
“Quando uma nova elite política assume o poder, leva um tempo até ter um entendimento de como opera a produção de políticas públicas, a execução dos programas. A transição serve para amenizar esse processo de aprendizado”, disse à BBC News Brasil o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.
Equipe de 50 pessoas e acesso a informações confidenciais
A partir desta segunda, Bolsonaro tem direito a indicar uma equipe de até 50 profissionais para trabalharem em Brasília, no time de transição. Basta que ele envie um ofício para Michel Temer com os nomes.
Estas pessoas terão acesso a todas as informações do governo atual – inclusive as sigilosas e confidenciais, às quais terão de manter em segredo, segundo disse à reportagem o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil e atual ministro dos Direitos Humanos, Gustavo do Vale Rocha.
Cada um dos 27 ministros atuais precisa entregar relatórios sobre as atividades de suas pastas, a serem repassados para o time de transição. Os ministros precisam informar os futuros integrantes do novo governo, por exemplo, sobre qualquer assunto que demande atenção urgente nos próximos seis meses.
As contas de todas as áreas do governo também precisam ser informadas, assim como o organograma de todos os cargos da Esplanada.
“Uma transição de governo serve para você ter as informações básicas, começar a definir quais cargos vão ser ocupados por quem, aprender quais são os cargos mais estratégicos, o que cada ministério faz. Quando esse processo não é bem feito, esse aprendizado vai ser no decorrer do governo, o novo governo perde bastante tempo com isso”, disse à BBC News Brasil o cientista político Sérgio Praça, professor da FGV.
Bolsonaro terá à disposição mais de 24 mil cargos que poderão ser preenchidos por indicação do governo, dos quais cerca de metade não precisa ser ocupada por servidores públicos.
“Nos ministérios, fora empresas estatais, são cerca de 11 mil cargos de confiança”, calcula Praça, que faz parte de um projeto de pesquisa sobre cargos de confiança em países da América Latina.
Ao fim do processo de transição, o presidente eleito deve saber minúcias, como a agenda de compromissos e eventos assumidos pelo presidente anterior para os próximos 120 dias depois de sua posse.
Quem estará na equipe de transição de Bolsonaro?
Há três núcleos do entorno de Bolsonaro que estarão representados na equipe de transição.
São eles o núcleo político, chefiado por Onyx Lorenzoni, o núcleo econômico, comandado pelo provável ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e o núcleo de formuladores de Brasília, chefiado pelo general da reserva do Exército Augusto Heleno, integrado por militares e professores da Universidade de Brasília (UnB) de várias áreas. As informações são de pessoa da equipe de Bolsonaro, que falou à BBC sob condição de anonimato.
Há também a possibilidade de colaboradores voluntários participarem da transição.
Ainda não há definição dos nomes individuais que participarão da equipe de transição – o certo é que Heleno, Onyx e Guedes serão ouvidos na hora de escolher os profissionais.
“Se o Onyx for confirmado (como ministro da Casa Civil), então ele é que coordenará este processo do lado de cá”, disse um dos formuladores de Bolsonaro.
‘Grupo do Heleno’ se reúne há meses para formular propostas
Em Brasília, a preparação de propostas para o futuro governo já estava em andamento muito antes desta segunda-feira – muito antes, inclusive, do começo oficial da campanha, em 16 de agosto.
Comandado pelo general Augusto Heleno Ribeiro, o grupo está se reunindo pelo menos desde abril, segundo uma pessoa que participa das conversas. No início, as reuniões aconteciam no apartamento do general de quatro estrelas Oswaldo Ferreira, na Asa Norte de Brasília.
Depois, com o aumento do número de encontros e de participantes, as conversas foram transferidas para um salão no subsolo do Brasília Imperial Hotel, um pequeno estabelecimento no Setor Hoteleiro Sul da capital.
“Aquilo começou a atrapalhar a rotina doméstica dele (Ferreira), então surgiu esse espaço no hotel”, explica um apoiador.
Heleno e Ferreira já têm suas nomeações quase certas no próximo governo: Heleno deve chefiar o ministério da Defesa; o segundo vai comandar a área de Infraestrutura, que deve englobar ministérios já existentes hoje, como Transportes.
Para os formuladores de Bolsonaro, a pasta de Meio Ambiente deve se juntar a este superministério de Infraestrutura, e não à Agricultura, como ventilado inicialmente.
Além de Heleno e Ferreira, outro general que faz parte do grupo de formuladores de Bolsonaro é Aléssio Souto, que deve ficar responsável pelo Ministério da Educação – no grupo de formuladores, ele cuida também da área de Ciência e Tecnologia, e é possível que as duas pastas – MEC e MCTIC – sejam fundidas.
“O bom deste processo (das reuniões de formulação) é que o programa de governo conseguiu reunir colaborações de um monte de especialistas e consultores sem custo nenhum”, disse um colaborador do grupo.
Ele cita os professores Carlos Alberto Decotelli (FGV), na área de agronegócio, e Fernando Coutinho (UnB), na área de minas e energia. Professores da UnB de outras áreas também compõem o grupo.
Para viabilizar as reuniões, o grupo acabou sendo dividido em núcleos temáticos – educação, infraestrutura etc. Na semana que antecedeu o 2º turno, a reunião no subsolo do Brasília Palace Hotel foi do núcleo de infraestrutura, por exemplo.
De FHC para Lula
Apesar da importância desse período, o estabelecimento de regras é relativamente recente no Brasil. A primeira vez em que houve um processo de transição formal foi durante a troca de comando entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse em janeiro de 2003.
“Uma das tarefas exitosas da administração FHC foi ter facilitado o processo de transição, justamente por conta do espírito da época, que era minimizar os riscos para a economia diante da incerteza que era gerada pela vitória do Lula”, observa Cortez.
Desde então, não houve outro processo de transição da mesma magnitude, já que a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, era ministra de seu governo. Dilma foi substituída em 2016 por Temer, seu vice-presidente, após sofrer impeachment.
O modelo brasileiro é considerado pioneiro na América Latina. “Acho que o Brasil está muito bem nesse aspecto”, avalia Praça. “A organização federal do governo brasileiro é melhor, na média, do que nos outros países da América Latina.”
Como é a transição nos Estados Unidos?
O sistema no Brasil ainda é menos avançado do que em países como os Estados Unidos, onde os preparativos para a transição começam mais de seis meses antes do dia da votação, que ocorre sempre no início de novembro.
Em 2016, equipes dos principais favoritos nas primárias republicana e democrata começaram a se reunir com representantes da Casa Branca já em abril, antes mesmo que os candidatos de cada partido fossem definidos. A partir de 1º de agosto, quando os nomes de Donald Trump e Hillary Clinton foram formalmente confirmados, suas respectivas equipes começaram a trabalhar em escritórios fornecidos pelo governo.
Essa operação, meses antes da eleição, é separada das campanhas. Cada candidato tem direito a espaço de trabalho e equipamentos para 114 pessoas. Entre suas atribuições estão elaborar listas de possíveis indicados para os 4 mil cargos que o presidente eleito deverá preencher e desenvolver planos e exercícios para supostas emergências relacionadas a terrorismo, clima, saúde e outras áreas.
O esforço é pago com recursos públicos e privados. Em 2016, o orçamento para as atividades de transição antes da eleição ultrapassou US$ 13 milhões (cerca de R$ 47 milhões). Além disso, as campanhas também têm permissão para arrecadar recursos privados, por meio de organizações isentas de impostos, para pagar suas equipes de transição.
Mas o sistema americano também é relativamente recente, e durante a maior parte da história do país a troca de poder ocorreu sem planejamento prévio. A lei que estabeleceu pela primeira vez mecanismos formais para o processo é de 1963 e prevê financiamento federal, espaço físico para as equipes, acesso a serviços do governo e treinamento para os novos funcionários.
No entanto, até 2008, esse trabalho só começava a partir da eleição. Foi somente no governo do presidente George W. Bush que o planejamento antecipado se tornou prioridade e os candidatos começaram a preparar a transição com vários meses de antecedência.
Membros do governo Bush estavam em contato com as equipes dos candidatos democrata, Barack Obama, e republicano, John McCain, meses antes da votação, e o esforço para transmitir informações sobre o governo e preparar os novos funcionários envolveu não apenas a Casa Branca, mas toda a administração.
Bush, Obama e Trump
Até hoje, a troca de comando entre Bush e Obama, que assumiu em 20 de janeiro de 2009, é considerada uma das mais bem-sucedidas da história e citada como exemplo.
Na eleição seguinte, em 2012, o padrão foi seguido. O republicano Mitt Romney, que desafiava Obama, instalou sua equipe de transição em junho, antes mesmo da formalização de sua escolha como candidato pelo partido. A operação contava com mais de 400 funcionários e US$ 4 milhões (cerca de R$ 14,5 milhões). Romney acabou sendo derrotado por Obama, que se reelegeu.
Apesar de toda a estrutura à disposição dos candidatos, a troca de comando entre Obama e Trump foi considerada conturbada, com desorganização e problemas na equipe do presidente eleito.
O coordenador inicial, Chris Christie, foi substituído três dias após a eleição. Mesmo após a posse, vários departamentos continuavam com lideranças provisórias e novos funcionários sem experiência nem conhecimento sobre os setores em que iriam atuar.
No Brasil, a expectativa dos analistas consultados pela BBC News Brasil é de que a transição para o novo governo ocorra sem problemas, apesar da relativa inexperiência do grupo que assume.
“É um grupo político que nunca ocupou postos dessa magnitude. A curva de aprendizado pra essa nova elite vai ser muito expressiva. Há um incentivo para que minimizem esse custo de transição e se aproximem da atual equipe”, observa Cortez.