Pelo menos uma centena de pesquisas voltadas à criação de tecnologias assistivas e ao aprendizado de pessoas com deficiência têm sido realizadas nas universidades federais de Minas nos últimos quatro anos. Aplicativo que traça as melhores rotas, mouse para pés, leitor de fórmulas matemáticas e biblioteca de contação de histórias na Língua Brasileira de Sinais (Libras) estão entre as produções.
Os trabalhos visam a melhorar o dia a dia de cadeirantes, pessoas com mobilidade reduzida, cegos e surdos, além dos que tem déficit intelectual. Atualmente, 4,4 milhões de mineiros têm alguma deficiência, conforme o último censo demográfico, de 2010.[pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”right”]
Na UFMG, por exemplo, o Programa de Apoio à Inclusão e Promoção à Acessibilidade (Pipa) financia iniciativas de graduação voltadas para esse público. Em 2018, o edital contemplou 24 projetos.
Trajeto facilitado
Dentre eles, está um aplicativo para facilitar o deslocamento de quem usa cadeira de rodas, indicando as melhores rotas para circular pelo campus. Com auxílio de um robô, alunos envolvidos na pesquisa percorrem a universidade, mapeando obstáculos como calçadas irregulares, buracos e rampas com inclinação inadequada. Os dados ajudam a traçar percursos mais seguros.
A expectativa é a de que a plataforma seja disponibilizada no fim de 2019, diz o coordenador do projeto, o professor Armando Alves Neto, do Departamento de Engenharia Eletrônica da UFMG. A equipe avalia a possibilidade de os próprios usuários enviarem informações sobre rotas, permitindo a atualização coletiva dos dados.
“A cada dia, a gente vê mais pessoas com deficiência na UFMG, e isso é muito bom. A demanda por tornar a universidade mais acessível tem crescido e buscamos sanar essas dificuldades”, explica Neto.
A professora da Faculdade de Letras Michelle Andrea Murta faz parte desse grupo. Ela é a única docente surda da Federal e coordena um projeto contemplado pelo Pipa, o Mãos Literárias. O site da iniciativa reúne vídeos de lendas, piadas e poesias contadas em Libras por voluntários.
A página, conta Michelle, foi criada por existir poucos registros de literatura surda no Brasil. “Muitas histórias são perdidas ao longo do tempo, por isso estamos documentando. Queremos que o material seja utilizado nas escolas, para integrar o aluno com deficiência e estimular os colegas a conhecer mais sobre essa língua”.
Importância
Diretora do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da UFMG, Adriana Val-ladão afirma que a academia tem papel fundamental na inserção desse público, na identificação de barreiras e na produção de pesquisas inovadoras. “Não só no ensino, mas também na criação de tecnologias para que produtos nascidos no ambiente universitário cheguem à comunidade externa”.
Ouvir diretamente quem tem as limitações é essencial para entender as demandas, destaca a professora. “E, assim, quais soluções podem ser mais funcionais e adequadas”, frisa.
Custo baixo
Engana-se quem acredita que a criação de tecnologia de inclusão das pessoas com deficiência demanda elevados gastos. Com menos de R$ 100, os professores Vinícius Abrão Marques e Marcos Shimano, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), conseguiram projetar um mouse de computador para pés, destinado a quem tem restrições de mobilidade nos membros superiores.
O aparelho sem fio, semelhante a um tamanco, tem os botões direito e esquerdo acompanhando os dedos dos pés. “Buscamos desenvolver pesquisas que estejam dentro da nossa estrutura e dos recursos que temos”, ressalta Vinícius.
O resultado agradou. Que o diga a artista plástica Maria Goret Chagas, de 67 anos, que pinta quadros com os pés e a boca. A mulher foi a primeira a testar o dispositivo. Atualmente, ela digita no teclado e clica no mouse convencional com os dedos dos membros inferiores. Tanto esforço provoca dores frequentes no calcanhar e no tendão. “Com o aparelho adaptado, consegui mexer na internet com muito mais facilidade e alívio. É uma ideia brilhante”.
Prótese
Os pesquisadores da UFTM também criaram uma prótese de baixo custo para antebraço e mão, destinada a quem teve os membros abaixo do cotovelo amputados. Após o usuário do equipamento contrair o bíceps, um estímulo é captado por sensores e há movimento de abrir e fechar os dedos.
Feita em impressora 3D, a tecnologia custa cerca de R$ 1 mil. O valor, segundo Vinícius Marques, é bem inferior ao de mercado, que pode chegar a R$ 200 mil. “A engenharia biomecânica é voltada para a comunidade. Talvez, não estejamos criando algo novo, mas estamos adaptando para a realidade brasileira e fazendo uma prótese que atenda às pessoas”, diz.
Desempenho melhorado
As pesquisas, que visam a facilitar a acessibilidade dentro e fora da universidade, estão inseridas em um contexto de maior inclusão deste público na academia. Desde o início do ano, as instituições federais de ensino devem ofertar, por meio de cotas, parte das vagas dos cursos de graduação para pessoas com deficiência.
Para elas, a acessibilidade é fundamental no processo de aprendizagem. Nesse contexto, estudiosos da Universidade Federal de Lavras (Ufla), no Sul de Minas, projetam uma funcionalidade para leitores de tela utilizados por cegos.
A novidade permite ler fórmulas matemáticas adequadamente. O recurso pode, inclusive, melhorar o desempenho de alunos com deficiência em disciplinas de exatas, reforça a professora Paula Figueira Cardoso, do Departamento de Ciência da Computação da instituição e uma das organizadoras do estudo.
Segundo a docente, já existe um leitor de tela que reproduz, por meio de falas, o conteúdo da página, mas não é capaz de interpretar fórmulas matemática. “Com a tecnologia que estamos criando, a pessoa pode ler, de forma correta, equações e voltar no meio da expressão, caso não tenha entendido alguma parte dela”.
O projeto, chamado de NavMatBR, é pioneiro no país, já que, de acordo com Paula, não existe um software que ofereça a funcionalidade em português. Em fase de testes, o dispositivo deve ser disponibilizado até em 2020, estima a pesquisadora.
“É muito importante olhar para essa parcela da sociedade, para a qual faltam recursos de tecnologia assistiva. Já temos condições de desenvolver essas iniciativas, que fazem grande diferença para as pessoas com deficiência”.