Há quem garanta que ficará de fora do amigo-oculto da firma e até das festas de Natal em família. Para esses, o recado é um só: ainda dá tempo de rever os pontos de vista e resgatar a boa convivência com quem for, de fato, importante. “É melhor ter razão ou ser feliz?”, questiona a psicóloga Daniela Queiroz, especialista em psicologia positiva.
Para ela, é hora de colocar na balança o que se ganha e se perde desfazendo laços, rompendo amizades e deletando contatos, sejam profissionais ou pessoais. Mal nenhum em dar o braço a torcer e pôr uma pedra sobre os conflitos, garante a psicóloga.
“É fácil associar nossas desgraças à política quando não se tem autorresponsabilidade” – Daniela Queiroz, psicóloga, especialista em psicologia positiva
“Essa reintegração acontece de maneira natural, mas alguém deve dar o primeiro passo, seja voltando para o grupo ou criando outro, por exemplo. É importante dizer: ‘olha, não sou seu inimigo e estou aqui porque considero você’. Respeito é base fundamental para qualquer relacionamento”, afirma.
Tudo passa
Eleitora do candidato vitorioso à Presidência da República, a engenheira ambiental Marcela Poletto Vilas Boas, de 36 anos, acabou se indispondo com alguns amigos e parentes ao militar em favor do capitão do Exército. Excluída das redes por uns e bloqueada por outros, diz que o mal-estar é passado.
“Pra mim, está normal. Diminuí minhas postagens, mas quando achar necessário postarei de novo”, avisa a engenheira. “Sobre o grupo da família, são pessoas muito sérias e que não levam nada na brincadeira, muito menos aceitam opiniões contrárias. Mas seguimos a vida”, garante, reforçando que nenhum evento familiar nos próximos meses será cancelado. “Tem que haver um primeiro encontro depois dessa indisposição para quebrar o gelo”.
Consultor em gestão empresarial e palestrante, Uranio Bonoldi reforça que é exatamente assim que as reconciliações devem começar. “Esqueça o porquê de ter excluído alguém e leve à mesa discussões saudáveis e memoráveis. Lembre-se de que o respeito por uma opinião diferente e a empatia começam dentro da nossa casa”, ensina.
Segundo ele, vale mais a pena vetar o assunto “política” dos futuros encontros e agir racionalmente do que deixar que a emoção domine outra vez e leve a novas discussões melindrosas. “Saber dar um basta no assunto depende de nós, assim como estar preparado para não reagir a provocações e usar a razão à emoção”, diz.
Sem volta
Provocado e insultado na própria página da rede social por apoiadores do candidato contrário ao defendido por ele, Marcelo Seabra, de 36 anos, age de maneira oposta à sugerida pelos especialistas. Diz que não pretende reatar com alguns dos que foram banidos das redes sociais.
“Publicaram comentários agressivos. Gente, inclusive, com a qual não tinha contato há anos. Não vou reatar com ninguém, pois já deveriam ter sido cortados há muito tempo”.
Respeito à opinião alheia mantém saúde das relações
Ao contrário do que muita gente pensa e até prega, não é proibido discutir sobre política, desde que haja respeito à opinião alheia. Coach e neurolinguista, Luciana Junqueira diz que é preciso estabelecer uma comunicação comum.
“Isso significa se interessar e aprender sobre o outro, sobre pontos de vistas, valores, crenças, sobre o que ele leu e escutou e que, portanto, compõe sua língua materna. É preciso empatia”, reforça.
“Evite que a ceia vire uma guerra civil. A primeira coisa a se fazer é ouvir o outro e não deixar a emoção conduzir a discussão. Se necessário, mude o assunto educadamente” – Uranio Bonoldi, consultor em gestão empresarial e palestrante
Para ilustrar o ponto de vista, a profissional de BH lembra um caso antigo, que vivenciou na fila de um restaurante. Luciana conta que à frente dela estava um norte-americano cujo pedido lhe parecia ter sido ensaiado. “’Uma água, por favor’, pedia com certa dificuldade e um sotaque bem carregado”.
A atendente, então, perguntou se era de copinho ou garrafa, relembra Luciana. Sem ser compreendida pelo gringo, falava cada vez mais alto e de forma impaciente. Foi repreendida na fila, já que o estrangeiro provava não entender nada do idioma estranho, além do que já havia dito.
“Essa história me remete ao momento atual, quando muita gente, sobretudo nas redes sociais, demonstrou interesse apenas por defender o próprio ponto de vista, ignorando as colocações alheias. Não adianta berrar se não houver vontade das duas partes em se compreender efetivamente”, afirma a coach.
Repreendida
Foi por uma situação parecida que passou a advogada Carolina de Caro Martins, de 39 anos. Inconformada com a impossibilidade de opinar sobre o candidato em quem votaria para presidente, assim como faziam as demais integrantes, deixou um grupo de amigas no WhatsApp do qual participava há quatro anos.
“Elas sempre mandavam coisas anti-PT e eu nunca disse nada. Quando me posicionei sobre uma notícia falsa que havia sido compartilhada, fui repreendida de que o assunto ‘política’ não era para ser tratado no grupo”, conta a advogada.
Carolina não pretende se reconciliar com a maioria das integrantes do grupo e também considera não participar de um amigo-oculto previsto para o fim de ano.
“Não saí por divergência de opinião, mas por perceber que somente o meu ponto de vista não podia ser colocado. Percebi que somos muito diferentes e que só me identifico de verdade com três (amigas). Não vou deixar de conviver, mas não faço mais tanta questão”.
“Uma grande falha é querer ser sempre mais interessante do que interessado na vivência e opinião do outro. Isto é, defender o próprio ponto de vista a qualquer custo” – Luciana Junqueira, coach e neurolinguista