O juiz federal Sergio Moro disse nesta terça-feira (6) que atuará no comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a partir de 2019, utilizando o modelo da Operação Lava Jato para combater o crime organizado e que vai trabalhar sem “perseguição política”. Moro afirmou ainda que recebeu a sondagem para participar do governo Bolsonaro em 23 de outubro, antes do segundo turno.
O que Moro disse na entrevista:
- Lava Jato será modelo contra corrupção e crime organizado
- Integrantes da Lava Jato são considerados para equipe
- Quer aprovar parte das “dez medidas contra a corrupção”
- Recebeu sondagem para ser ministro em 23 de outubro
- Reiterou que atuará como ministro em uma “função técnica”
- Disse que não pode se pautar por ‘álibi falso’ de perseguição
- Caso Marielle tem que ser solucionado
- Não pretende criminalizar manifestações sociais
- Analisar a abrangência da lei atual sobre mortes em confrontos policiais
- Disse ser a favor de reduzir a maioridade penal para crimes graves
- Quer investir em tecnologia para elucidar crimes
- Discutir possível ida ao STF só no futuro, quando houver vagas
- Não vê riscos à democracia e ao Estado de direito
- Contra fechar a fronteira com a Venezuela
Durante mais de uma hora e trinta minutos, em Curitiba, Moro concedeu a primeira entrevista coletiva desde 2014, quando assumiu operação. Antes de os repórteres começarem as perguntas, o juiz fez um histórico da operação e disse ter aceitado o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para implantar no governo federal uma “forte agenda anticorrupção” e “contra o crime organizado”.
Atuação no ministério seguindo a Lava Jato
Moro afirmou ter aceitado o ministério para implantar “uma forte agenda anticorrupção” e “contra o crime organizado”. Segundo ele, a ideia é replicar no ministério as forças-tarefas adotadas na Operação Lava Jato. Ele cita como exemplo a atuação do FBI no combate às máfias em Nova York.
Sem dar detalhes, Moro afirmou que apresentará uma série de propostas de combate ao crime organizado. A ideia, diz, é resgatar parte das “dez medidas contra a corrupção”, proposta encabeçada pelo Ministério Público Federal.
Entre as propostas está a possibilidade de os procuradores negociarem a pena (“plea bargain”), o que, afirma Moro, ajudaria a aliviar a Justiça, e aumentar a proteção de denunciantes anônimos.
“A ideia é que essas reformas sejam propostas simples e que possam ser aprovadas em um breve tempo. Sem prejuízo de que propostas mais complexas – e existem várias propostas um pouco mais complexas dentro dessas novas medidas – sejam apresentadas no momento um pouco posterior ou paralelamente. Mas a ideia é apresentar alguma coisa simples e de fácil aprovação no âmbito do Congresso.”
Convite de Paulo Guedes
O juiz afirmou que não tinha proximidade com o então candidato Jair Bolsonaro e que só foi procurado para assumir o ministério em 23 de outubro por Paulo Guedes (futuro ministro da Fazenda). Segundo o relato, o encontro ocorreu depois da retirada do sigilo da delação de Palocci.
No encontro, antes do segundo turno das eleições presidenciais, ele foi sondado sobre uma participação no governo. Moro contou que em 1º de novembro se encontrou com Bolsonaro. Segundo Moro, não foram estabelecidas condições para aceitação do convite.
Atuação como técnico, não como político
Questionado sobre assumir uma função política, Moro reiterou que se vê como um juiz atuando em uma função técnica à frente do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. “Eu não creio que contrariei uma afirmação que fiz há anos, ao ‘Estado de S. Paulo’, de que jamais entraria na política”, responde ele.
“Na minha perspectiva, na minha visão, eu sigo para atuar em uma função técnica, pra fazer um trabalho técnico de um juiz a cargo desse ministério específico. Não tenho nenhuma pretensão de concorrer em qualquer momento da minha vida a cargos eleitorais, a subir em palanque”, disse Moro.
“Eu, como disse, tomei a decisão que me pareceu melhor para buscar a consolidação desses avanços dos últimos anos em relação à corrupção. E nós não corrermos um risco de retrocesso.”
O juiz Sérgio Moro, convidado para chefiar o Ministério da Justiça, deu entrevista coletiva no Paraná nesta terça-feira (6) — Foto: Gisele Pimenta/Framephoto/Estadão Conteúdo
Integrantes do ministério
Moro disse que pretende chamar nomes que trabalham ou trabalharam na Operação Lava Jato e substituir cargos de comissão por cargos concursados.
“Pretendo chamar ao ministério pessoas absolutamente qualificadas e, sim, nomes que trabalharam na Operação Lava Jato, tanto por terem sido testados por sua eficiência, quanto por sua integridade. As indicações virão a seu tempo.”
Perseguição política
Sergio Moro também repudiou a crítica de que persegue o PT e de que sua nomeação tenha sido uma espécie de recomensa. “Não existe a menor chance de utilização do ministério ou da polícia para perseguição política. Não foi feito isso durante a Operação Lava Jato. As pessoas foram condenadas com base em crime de corrupção, de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Com base em provas robustas e não por suas opiniões políticas. Não vai ser no ministério que eu vou começar a realizar isso”, afirmou Moro.
Ele lembrou que a condeção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocorreu em 2017, quando ninguém imaginava que Jair Bolsonaro fosse ser eleito. “O que existe é um crime que foi descoberto, investigado e provado e as cortes apenas cumpriram a lei. Não posso pautar minha vida num álibi falso de perseguição política.”
Moro salientou, ainda, que condenou políticos de vários partidos, alguns adversários do PT.
Caso Marielle
O futuro ministro também mencionou o assassinato da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, e seu motorista Anderson Gomes, em 15 de março. “Não desconheço o problema que envolve o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco e do senhor Anderson Gomes”, disse ele.
“Eu acho que é um crime que tem que ser solucionado. Eu, assumindo o ministério, pretendo me inteirar melhor dessas questões e ver o que é possível fazer no âmbito do ministério.”
Redução da maioridade penal
Moro entende ser “razoável” e se disse favorável à redução da maioridade penal para 16 anos em casos de crimes de graves contra a vida, que resultem grave lesão corporal ou crime de estupro.
“Pra esse tipo de crime, um adolescente de 16 anos tem plenas condições de responder pelos seus atos”, disse Moro.
Flexibilização da legislação de armas
O futuro ministro foi questionado sobre a flexibilização do uso de armas, e sinalizou ser favorável à flexibilização da legislação, bandeira defendida na campanha por Bolsonaro. Mas ponderou que “uma flexibilização excessiva pode ser utilizada como armamento para organizações criminosas”. “Tem que pensar quantas armas o indivíduo poderá ter em sua casa”, disse Moro.
“Conversei a respeito com o presidente eleito e existe uma plataforma na qual ele se elegeu que prega a flexibilização da posse de armas. Então, dentro dessa plataforma eleitoral, parece que seria inconsistente agir de maneira contrária”, afirmou o juiz.
Opinião sobre o ‘excludente de ilicitude’
Antes de abrir para perguntas, Moro disse que “o confronto policial pode acontecer quando existem áreas dominadas pelos criminosos, mas ele é sempre indesejável”. Depois, foi questionado por um jornalista sobre como conciliar essa opinião com a proposta do presidente eleito Jair Bolsonaro de expandir o entendimento de “excludente de ilicitude”, que é quando um cidadão não é punido pela Justiça por descumprir a lei, para casos em que policiais matam pessoas em confrontos.
A pergunta foi: “O presidente eleito defende a excludente licitude, o senhor acabou de falar que o confronto policial não é o caminho. Como tratar isso com Bolsonaro?”
Em sua resposta, Moro disse que essa situação deve ser pensada apenas em locais do país em que o domínio das organizações criminosas mantêm a população em “estado permanente de exceção”, mas ele defendeu uma estratégia que evite a todo custo qualquer espécie de confronto policial e “danos colaterais”. “A nossa legislação, ao meu ver, já contempla essas situações de legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal. Tem que ser avaliado, no entanto, será necessária uma regulação melhor.”
O futuro ministro disse acreditar que confrontos são situações limites. “Por exemplo, é necessário que o policial espere que um traficante armado atire contra ele de fuzil, pra que ele possa reagir? Me parece que exigir isso de um agente policial é demais. O risco de ele morrer é muito grande”, disse Moro.
Sobre a posição de Bolsonaro, Moro disse acreditar que a ideia é discutir a situação. “Havendo, porém, o confronto, tem que discutir, e essa é a posição, me parece, do presidente eleito. Tem que discutir a situação de um agente policial, ou muitas vezes de um militar fazendo as vezes de um agente policial – porque as forças armadas têm que ser convocadas –, que eventualmente alveja e leva ao óbito um desses traficantes armados.”
No fim da entrevista, o juiz federal foi questionado uma vez mais sobre o tema e ressaltou que, “no que se refere a confrontos, há uma necessidade de se repensar o tratamento jurídico. Se o tratamento jurídico é suficiente ou não para cobrir situações em que o policial no âmbito de um confronto tenha que eventualmente disparar a sua arma contra um criminoso fortemente armado.”
Ele acrescentou ainda, que essa preocupação não só do presidente eleito. “Essa preocupação já foi me externada por várias outras pessoas, inclusive por membros das Forças Armadas. O que precisa é ter um protocolo. Como que você vai agir. Você tem que esperar ser alvejado por um tiro de fuzil para você poder reagir? Para você poder evitar esse mal, de ser vitimado num confronto policial? Então tem que ser analisado se essas situações estão ou não cobertas pela legislação atual de legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal. E, não havendo, se cogitar uma situação jurídica para essas situações.”
Ele lembrou ainda que a estatística de assassinatos de policiais no Brasil é “absolutamente intolerável” e que “a diligência policial bem sucedida é quando ninguém morre, quando o criminoso vai preso e o policial vai para casa seguro”.
Progressão de pena
Moro afirmou que o regime penal tem de ser mais rigoroso em alguns casos, e que o tema requer discussão. “Acho que se barateia a vida quando se tem progressão [de pena] muito generosa”, diz Moro.
Ele defendeu a medida como forma de ressocializar o preso. “Isso é muito importante, mas se existem provas de que o preso mantém vínculos com organizações criminosas, isso significa que ele não está pronto para a ressocialização. A ideia aqui é servir de incentivo para que os presos se abstenham de se afiliar a organizações criminosas, e também enfraquecer essas organizações e proteger a comunidade da soltura de um preso que não está pronto para a ressocialização.”
Esta é a primeira vez que o Sérgio Moro participa de uma entrevista coletiva, desde 2014, quando assumiu a Operação Lava Jato e se tornou figura conhecida em todo o Brasil — Foto: Giuliano Gomes/PR PRESS
Movimentos sociais x terrorismo
Moro apontou que os movimentos sociais não são inimputáveis, devem responder por danos causados a terceiros, mas qualificá-los como terroristas “não é consistente” e “não se tem intenção de criminalizar manifestações sociais”.
Policiais disfarçados
Outro ponto levantado pelo futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública é esclarecer a lei brasileira sobre a atuação de policiais disfarçados, para que a polícia possa atuar de forma semelhante ao modelo americano. “Isso se faz muito nos Estados Unidos com grande eficácia contra organizações criminosas: a utilização de policiais disfarçados para descobrir esses crimes”, disse ele citando o exemplo de “policiais disfarçados comprando grandes carregamentos de drogas e armas”.
“A nossa legislação, embora na minha opinião permita este tipo de comportamento, ela não é assim totalmente clara. E é importante deixar isso de uma maneira mais clara.”
Investimento em tecnologia
O futuro ministro defendeu “investir consideravelmente em tecnologia” para melhorar os índices de elucidação de crimes e as técnicas de combater o crime organizado, inclusive dentro da prisão.
Segundo Moro, é necessário incrementar o controle das comunicações dos presos em presídios de segurança máxima. “Como no exterior, a prisão tem que realmente limitar a possibilidade de essas pessoas comandarem o crime de dentro. Precisa investir consideravelmente em tecnologia”, disse ele.
O DNA também é uma aposta dele. “Nós temos uma lei hoje no Brasil que autoriza a colheita do perfil genético do preso, que é como se fosse uma moderna impressão digital, o DNA. Essa é uma prova revolucionária pra identificação de crimes praticados com grave ameaça à pessoa. Em países que desenvolveram esse banco de dados, isso serve não só para elucidar crimes, mas pra exonerar inocentes às vezes condenados por crimes judiciários. Nós temos, no entanto, apesar da lei, uma colheita muito tímida deste tipo de material. Então eu quero desenvolver uma política agressiva – agressiva não quer dizer violenta, evidentemente –, mas pra aumentar essa base de dados, que certamente vai resultar em melhores estatísticas para a elucidação de crimes no Brasil, que são muito baixas.”
Mudanças no Coaf
Moro afirmou que o Ministério da Justiça é o local adequado para se discutir mudanças no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), atualmente vinculado ao Ministério da Fazenda. “É preciso reestruturar o Coaf e fortalecer o Coaf”.
Na avaliação dele, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, estará muito ocupado com as questões ligadas à economia e o Coaf não deve ser um foco de preocupação dele. Por isso, de acordo com Moro, o local mais adequado para se discutir o Coaf seria o Ministério da Justiça.
Ele mencionou que não haverá interferência política no ministério e que esta também é uma posição de Jair Bolsonaro, que jamais aceitaria, segundo Moro, proteção a ninguém.
Indicação ao STF
Perguntado se impôs ao presidente eleito, como condição para assumir o ministério, a indicação a uma vaga no Supremo Tribunal Federal, Moro negou a condicionante, mas disse que a discussão sobre vagas que eventualmente surgirem no futuro deve ser feita em outro contexto.
“A pergunta é bastante pertinente, mas eu não estabeleci condições. Eu fui conversar com o presidente eleito com uma pauta para nós sabermos onde teríamos convergências e onde teríamos divergências superáveis, certo? Eu jamais procuraria o presidente eleito e estabeleceria condições pra assumir cargo público”, respondeu Sergio Moro.
Ele disse que, atualmente, não acha apropriado discutir sobre vagas no STF, já que não existe nenhuma aberta. “No que se refere ao Supremo Tribunal Federal, não existe uma vaga no momento e não faço aqui nenhum juízo de censura à sua pergunta, mas não acho aqui apropriado a discussão a respeito de uma vaga no Supremo Tribunal Federal atualmente”, disse.
Possíveis divergências com Bolsonaro
Moro afirmou que podem ocorrer divergências entre ele o presidente eleito e que isso é normal. “Vejo com absoluta naturalidade”. Segundo ele, a conversa que teve com Bolsonaro “foi bastante produtiva” e que houve “algumas divergências razoáveis”. “É possível que cheguemos a um meio termo”, disse.
O juiz também apontou que não tem dúvida de que a decisão final é do presidente. “Eventualmente, a melhor decisão pode ser a dele”, afirmou.
Sobre sua avaliação pessoal do novo presidente, Moro disse que o considera moderado. “A minha avaliação que eu tenho do presidente eleito é que é uma pessoa moderada. Inclusive essa própria conversa pessoal me mostrou mais claramente isso. O presidente eleito inclusive moderou o discurso durante as eleições e tem as suas manifestações recentes apresentado esse discurso mais moderado.”
Democracia e Estado de direito
O futuro ministro disse, ainda, que não vê risco à democracia e ao Estado de direito. “Eu não vejo em nenhum momento um risco a democracia e ao Estado de direito”, reiterou Moro.
“No entanto, a afirmação que fiz é que existem alguns receios a meu ver infundados, e a minha presença no governo também pode ter um efeito salutar de afastar esses receios infundados, porque afinal de contas eu sou um juiz, sou um homem de lei, então eu jamais admitiria qualquer solução que fosse fora da lei, como também o presidente eleito. Mas às vezes para convencer as pessoas é preciso reformar o momento.”
Imigrantes venezuelanos
Moro também foi questionado se defende o fechamento da fronteira do Brasil com a Venezuela para impedir o fluxo de imigrantes fugindo da crise econômica que assola o país vizinho. Segundo o futuro ministro, a decisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública sob seu comando deverá ser discutida “a nível de governo”, mas ele disse considerar “inviável” fechar a fronteira.
“O meu posicionamento é o mesmo de outros membros do governo, que já declararam publicamente, de que não é possível fechar a fronteira. Não é uma solução viável”, afirmou Sergio Moro. “Agora, é necessário verificar o fluxo dessa imigração e tentar absorver essas pessoas. Não podem simplesmente ficar largadas na rua, abandonadas, sem perspectiva nenhuma. Então, tem que ser analisada a melhor solução para essa situação. E eu não tenho a resposta muito precisa de qual vem a ser essa solução. Até porque não é um problema unicamente da Justiça, de segurança pública.”
Juíza substituta
Ao comentar sobre a juíza Gabriela Hardt, que o substitui provisoriamente na Operação Lava Jato, Moro disse que ela é “absolutamente preparada”.
“É uma pessoa competente, íntegra. Ela não é uma juíza que surge agora. Ela já tem um longo histórico na justiça federal, com casos processuais relevantes”, afirmou. Ele disse ainda que não se sentiria confortável de deixar a operação se os processos não ficassem “em boas mãos”.
Entenda a nomeação
Moro abandonou a carreira de juiz federal para ser ministro da Justiça do governo do presidente eleito. Na segunda-feira (5), ele comentou a decisão de deixar a magistratura e disse que não se vê “ainda como um político verdadeiro”. Na avaliação dele, o cargo é predominantemente técnico.
Moro se afastou das atividades de juiz federal e da Lava Jato logo após aceitar o convite para ser ministro. Em ofício, ele comunicou que vai sair de férias por 17 dias a partir desta segunda e que vai pedir a exoneração da magistratura em janeiro.
Com a saída de Moro, a juíza Gabriela Hardt, substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, fica à frente dos processos da Lava Jato interinamente, até que seja escolhido um novo responsável.