A voz dos mineiros ganhou relevância num lugar costumeiramente dominado por cariocas e paulistas: a dublagem. Estúdios vêm sendo criados na capital mineira, estimulando um novo campo de trabalho para os atores locais, principalmente após a entrada dos sites de streaming, resultando no aumento da quantidade de produções que receberam uma versão brasileira.
A atriz e produtora Alessandra Carneiro de Mendonça já é uma “veterana” na dublagem. Sem sair de Belo Horizonte, ela empresta a sua voz a diversos filmes, séries e animações desde 2008, ano em que se abriu o primeiro estúdio na cidade (o Doxa Way). Hoje a cidade conta com três empresas que prestam este tipo de serviço à canais de TV, fora as que se dedicam a trabalhos institucionais.
“Fomos crescendo bem devagar e o mercado ainda é muito pequeno, apesar de já contarmos com clientes como HBO, Cinemax, Discovery Kids, Nickelodeon e Cartoon Network”, observa Alessandra, que deu voz a, entre outras, Nicole Kidman em “Reencontrando a Felicidade”, Meryl Streep em “A Casa dos Espíritos”, Jessica Lange em “Titus” e a Cecilia Roth em “Tudo Sobre a Minha Mãe”.
Apesar da chiadeira dos concorrentes de São Paulo e Rio de Janeiro, pela prática de valores mais baixos que os cobrados pela tabela dos sindicatos, Alessandra reitera que esta diferença não interfere na qualidade do trabalho. “Não tem como cobrar o mesmo valor se a realidade dos estados é diferente, por conta do custo de vida. Mas estamos na batalha por uma tabela nacional”, registra.
Um valor igual também não seria muito atrativo, neste momento, para distribuidoras e canais que estão sediados justamente no eixo Rio-São Paulo. “Não é fácil entrar num mercado que já tem uma posse de Rio e São Paulo. É preciso haver um movimento para ampliar este mercado, já que temos bons profissionais e estúdios”, destaca Alessandra, uma das cinco diretores de dublagem atuantes em BH.
Novos talentos
Os três estúdios principais – além da Doxa Way, existem a Dub8 e a Scriptus – trabalham com um casting de 80 nomes, que precisam ter inscrição como atores, no caso de terem acima de 18 anos. “Como o mercado está se ampliando, estamos trabalhando para descobrir novos talentos, a partir de parcerias com universidades, cursos e workshops”, assinala a diretora.
O desafio agora é conquistar as distribuidoras de cinema, já que praticamente todas as produções mais comerciais que chegam às salas têm versões dubladas– preferidas por boa parte do público de shopping. Outra meta, de acordo com ela, é criar condições para que a mixagem de som – que mescla as vozes à música e aos ruídos – possa ser realizada na capital mineira.
Sem nunca ter se preocupado em catalogar seu trabalho, Seixas calcula que já ultrapassa a casa das dezenas de milhares
Profissional mineiro é um dos grandes nomes do país
O que une personagens icônicos como Spock, Dirty Harry, James Bond, Mr. Magoo e Ben Hur é uma voz minera. Em mais de 40 anos como dublador, Marcio Seixas já viveu as mais diversas aventuras e romances usando apenas as suas cordas vocais.
Ele saiu de Belo Horizonte em 1974 para trabalhar na Herbert Richers, lendário estúdio de dublagem (fechado em 2009), onde foi, durante muitos anos, o responsável por dizer, na abertura de todas as produções, “Versão brasileira: Herbert Richers”.
“Trabalhar lá foi uma escola. Agradeço a Deus por, num processo de seleção com 300 candidatos, eu ter sido um dos dois aprovados pela empresa do alemão (como ele chamava o empresário que deu nome ao estúdio)”, lembra.
Ele se lembra do aprendizado com o colega Ênio Santos, quando este narrava filmes de guerra. “Ficava arrepiado com aquela voz maravilhosa, observando a articulação das palavras, a linearidade, a forma como colocava os pontos finais nas frases, as pausas”, elogia.
Seixas não tem dúvidas de que a dublagem do país é uma das melhores do mundo, mas ainda se surpreende com a opção cada vez maior do brasileiro em ver filmes e seriados com vozes nacionais, tanto na TV quanto nos cinemas e nos sites de streaming.
“O americano sempre nos valorizou, embora aqui sempre tenham nos visto com deboche e preconceito. O falecido (jornalista) Paulo Francis dizia que éramos analfabetos, que não sabíamos ler”, recorda o dublador.
Quando aceitou fazer um teste para dublar dois filmes de John Wayne, ele não só foi aprovado como também recebeu elogios das filhas do ator americano de faroeste e longas de guerra, ressaltando que era a voz que mais havia se aproximado da prosódia de Wayne.
“A dublagem brasileira é boa devido ao esmero do ator. Basta ver as canções das animações da Disney. As versões em português são primorosas. O Telmo de Avelar escala nomes como Quarteto em Cy, Ivon Cury, Zezé Motta e Léo Jayme”, destaca Márcio Seixas
Hoje mais dedicado a dar cursos de dublagem pela internet, Seixas já chegou a percorrer quase todo o Rio de Janeiro num mesmo dia, saindo de um estúdio para outro para gravar vários filmes. “Era uma correria. Usava uma moto para dar conta de todos os compromissos”.
A pressa foi sempre uma das características do trabalho, mesmo quando o número de produções não era tão grande como agora. “A diferença que é hoje você grava apenas a sua voz, separadamente, não se encontra com os colegas. Já tem a voz em inglês no diálogo que for fazer”.
Detalhes que mudam a prática. Com o diálogo sendo feito com outro dublador, como antes, Seixas não tem dúvidas de que o resultado era, no mínimo, mais divertido. “Em cenas de cama, por exemplo, como as imagens eram contra luz, mostrando partes do corpo, dava para inventar os sons de amor”.