Vilã que atormenta um em cada cinco adultos, a insônia é ainda mais prevalente – e preocupante –na infância, figurando em quarto lugar entre as queixas nos consultórios. Afeta 40% das crianças e adolescentes e revela problemas de fundo emocional.
Nos primeiros anos de vida, a dificuldade para iniciar e manter o sono costuma estar ligada à falta de regras para estabelecer um ambiente que favoreça o descanso. Condicionar a hora de dormir à última mamadeira da noite ou à presença da mãe também prejudica.
Se não tratados, os distúrbios comportamentais gerados impactam a saúde de maneira sistêmica, impedindo o organismo de se reparar, dificultando a consolidação da memória, do aprendizado e prejudicando o raciocínio.
“Há estudos mostrando inclusive que a insônia em um cérebro em desenvolvimento também pode aumentar as chances de problemas como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), além de predispor a questões ligadas ao aprendizado, à depressão e à ansiedade”, acrescenta a neuropediatra Andrea Weinmann, especialista em neurofisiologia.
Anos de espera
Mãe de João Pedro, de 6 anos, e de Leonardo, de 4, Renata Martinelli Perin demorou três anos para desvendar as noites mal dormidas do caçula. “Ele acordava incontáveis vezes, pelo menos cinco dias na semana, e ficava 30, 40 minutos chorando sem parar. Eu cantava, contava história e nada. Era desesperador”, conta a fonoaudióloga, que, privada de sono, em uma ocasião chegou a dormir ao volante.
Desvendadas por uma especialista, as razões da insônia incluíam a falta de uma rotina bem definida para que a criança se acostumasse a deitar e dormir na mesma hora e a associação do sono à presença da mãe. “A hora de ir para a cama não variava muito, mas não tínhamos rotina. Eu também costumava dormir sentada numa cadeira ao lado da cama dele e tinha que ter sempre uma parte do meu corpo tocando-o”, lembra Renata.
Pediatra com atuação em medicina do sono, Ana Elisa Ribeiro Fernandes diz que os principais sinais de privação do repouso são excesso de irritação e hiperatividade, em bebês, e cochilos diurnos, em frente à TV ou no carro, em crianças maiores. “Classificamos como insônia a dificuldade que persiste por pelo menos três meses, três vezes por semana. Mas não podemos usar o diagnóstico em bebês com menos de 6 meses”, observa.
Questões fisiológicas
Vigilante quanto à rotina da filha Giovana – que, mesmo após completar seis meses de idade, não dormia por mais de seis horas
seguidas –, a médica Camila Caires também procurou ajuda. “Busquei uma consultoria de sono e, mesmo seguindo à risca tudo o que era recomendado, ela continuava acordando muito na madrugada. Comecei a desconfiar que havia algo por trás daquilo e fui atrás de uma especialista em sono”, relata.
Diferentemente do caçula de Renata, que entrou nos eixos depois de uma semana da nova rotina, Giovana, hoje com 1 ano e 2 meses, foi diagnosticada com apneia do sono. O distúrbio faz a respiração parar e voltar diversas vezes ao longo da noite. “Investigar a origem do problema foi fundamental, pois, até então, achávamos que era questão puramente comportamental”, diz Camila. A menina passou por cirurgia há cerca de uma semana.
3 vezes por semana: se o despertar noturno acontecer com essa frequência por três meses, pode ser classificado como insônia
Rotina simples é eficaz para combater o mal
Tão importante quanto investigar as causas da privação de sono em crianças é estabelecer uma rotina capaz de ensiná-las a hora certa de ir para a cama e dormir. Consultora de sono formada e certificada pela International Maternity & Parenting Institute (IMPI), nos Estados Unidos, Mônica Mafra diz que os hábitos precisam ser compatíveis com o dia a dia de cada família, mas
devem, obrigatoriamente, incluir um ritual.
“A abordagem é individualizada, mas algumas condutas são generalizadas. É o caso do ritual do sono, fundamental para que as ações se repitam diariamente”, explica a profissional de BH. “Se a mãe coloca no banho no mesmo horário, canta a mesma música, veste o pijama e leva para a cama, com o tempo a criança associa a primeira ação à hora de dormir”, detalha.
Educadora parental especialista em sono infantil, Lívia Praeiro, da consultoria 8 Horas, na capital, reforça que a abordagem ajuda na investigação de causas emocionais, mas que, dependendo do caso, não elimina a necessidade de um profissional da área médica. “Quando está tudo controlado e a criança, ainda assim, não dorme, precisamos pesquisar possíveis questões fisiológicas”, alerta.
Adaptações propostas nas consultorias levam 21 dias para serem concretizadas. Ideal, segundo profissionais, é que a abordagem seja feita com bebês a partir de 6 meses e crianças até 5 anos