O Brasil avança a passos lentos rumo à meta de ter, dentro dos próximos quatro anos, pelo menos 90% de seus jovens de até 19 anos com o ensino médio carimbado no diploma. Apenas dois terços deles terminaram a educação básica. Entre os que não concluíram, a maioria não está mais na escola e metade nem chegou ao fim do 9º ano do fundamental. Os dados estão sendo divulgados hoje pelo movimento Todos pela Educação e são mais um instrumento que comprova as disparidades Brasil afora e o abismo no qual se transformou a educação em território nacional.[pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”right”]
Os resultados fazem parte do monitoramento de cinco metas para o Brasil alcançar até 2022. Elas foram traçadas com o objetivo de assegurar o direito à educação básica a todos os brasileiros no momento em que o país completar 200 anos de sua Independência. Os dados dizem respeito à meta de número 4, que prevê todo jovem com ensino médio concluído até os 19 anos. O objetivo é que 95% ou mais dos adolescentes de 16 anos tenham completado o ensino fundamental e 90% ou mais de quem tem 19 anos tenham completado o ensino médio. No Brasil, este ano, 75,8% de jovens de 16 anos haviam concluído o ensino fundamental, de acordo com o levantamento. Dos adolescentes que não finalizaram a etapa, 23% já estão fora das salas de aula, mesmo tendo, em grande maioria, frequentado a escola.
Em Minas, a taxa de conclusão é de 81,6%. Além do estado, apenas outras sete das 27 unidades federativas apresentaram taxas superiores a 80%. O monitoramento mostra ainda que as chamadas taxas de insucesso escolar (reprovação e abandono) começam a se intensificar já no ensino fundamental: em 2017, 10,5% dos alunos do 3º ano não conseguiram avançar para o ano letivo seguinte. Já no 6º ano, esse índice salta para 15,5%.
No ensino médio, o cenário se agrava, com somente 63,5% dos jovens de 19 anos tendo já concluído essa etapa escolar. Entre os que ainda não finalizaram, 62% já nem frequentam mais a escola e, desses, mais da metade (55%) parou os estudos ainda no fundamental. Abandono e reprovações chegam ao ápice na 1ª série do ensino médio: de cada 100 estudantes, 23 não seguem para a 2ª série no ano seguinte. Apesar do avanço em todos os estados e no Distrito Federal, as taxas de conclusão são baixas: somente oito têm índices acima de 65% e nenhuma acima de 80%. A Bahia é o caso mais crítico e está numa faixa cuja taxa varia de 35 a 50%. Dezesseis estados estão entre 50% a 65%. E oito deles mais o Distrito Federal, na faixa que compreende entre 65% e 80%.
O levantamento mostra também que apesar de não concluintes, a maioria dos jovens de 16 anos frequenta a escola. Entre os que frequentam, 86,4% estão no ensino fundamental e 13,3% estão nessa mesma etapa da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Já a análise do grupo de 19 anos que não concluiu o nível médio mostra que a maioria deles não frequenta a escola (62%). Desses, 39% desistiram quando estavam no ensino médio e 55% no fundamental. Entre quem está na sala de aula, 66,6% estão no ensino médio e 9,8% no fundamental, devendo concluir a escolaridade básica ainda mais tarde.
“É um desastre para o ensino médio como um todo e um fracasso do ponto de vista de todo o sistema educacional brasileiro. O aluno que chega ao nível médio vem carregando defasagem de outras etapas. Apesar de avanços em alguns estados, vemos que o Brasil não tem um projeto de país para conseguir equacionar a questão. O ritmo de avanço é muito lento e os resultados são desastrosos”, diz a coordenadora de projetos do Todos, Thaiane Pereira. Desde 2012, a taxa de conclusão do fundamental avançou 7,2 pontos percentuais e a do médio, 11,8.
Reprovação e abandono na transição
Abandono e reprovação ajudam a explicar o cenário insatisfatório. Enquanto no 9º ano do fundamental esses dois itens atingem 10,4% dos adolescentes, na 1ª série do nível médio encontram o ápice (23,6%). Thaiane explica que nessa composição a reprovação supera o abandono e se destaca justamente nas fases de transição. “No 1º ano do médio, o aluno vê que não dá conta. Ele terá 13 disciplinas obrigatórias, muitas vezes enfrenta problema estrutural na escola, que também não é atrativa nem tem aderência à vida dele. Sem projeto de vida, sai”, comenta. No 6º ano, o problema se deve à transição abrupta em relação ao 5º ano. “O estudante começa a ter vários professores e o modelo de escola muda totalmente. Além disso, ele não está completamente alfabetizado muitas vezes e as taxas de reprovação acabam sendo altas”, diz.
Na opinião da especialista, a meta 4 é o reflexo do sistema educacional: o aluno entra na escola, mas não há uma estratégia articulada da base até o ensino médio, o que exige um projeto para equacionar a questão. Essa sala de aula às avessas compromete, diretamente, o tripé acesso, permanência e aprendizagem. “Estamos conseguindo colocar a maioria dos alunos na escola, ainda que haja vários fora do sistema (muitos que não concluíram estão fora). Depois, a questão vai piorando, pois o estudante precisa permanecer e esse número, de modo geral, está muito ruim, porque não estão conseguindo concluir”, relata Thaiane. “Quando se olha a nota do Saeb (Sistema de Avaliação Básica) e do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), a situação fica ainda mais feia. Pode até estar na escola, mas os que estão sobrevivendo não conseguem aprender os níveis adequados.”
E em mais uma meta, o Brasil vai deixando o tempo passar. Longe de superar os objetivos postos até 2022, resta a esperança de não apenas resolver o problema do ensino médio, mas também dar atenção ao que vem sendo gestado desde a primeira infância, quando as questões de acesso à creche à pré-escola são apenas o início de uma sequência de transtornos, que culminam em níveis de aprendizagem ruins, que se alastram até o fim da educação básica. “Países que estão avançando mudaram já o modelo do ensino médio. O nosso é muito arcaico, pouco flexível, em que o jovem não tem protagonismo nem possibilidade de escolha. Os próximos governantes têm papel importante para assegurar que a implementação da base (nacional comum curricular) seja coerente para não regredirmos ainda mais. É preciso assegurar que os jovens não só tenham mais tempo na escola, mas tenham mais possibilidade de escolha e desenvolvam seus projetos de vida.”