Terra
Muito poucos serviços médicos são gratuitos na Nigéria. E o paciente podem ficar até preso no hospital caso não consiga pagar a conta depois de um procedimento. Em uma situação como essa, o que fazer? Em uma sociedade profundamente religiosa, muitos enfermos rezam por uma intervenção divina.
Zeal Akaraiwai tem um elegante Mercedes preto, de motor potente e bancos de couro. Consultor financeiro, com 40 anos, Zeal estaciona seu veículo luxuoso em frente a um hospital de Lagos, cidade mais populosa da Nigéria, com quase 8 milhões de habitantes.
Ele é recebido calorosamente por uma equipe de assistentes sociais do hospital. Eles então entregam ao consultor uma lista com os nomes dos pacientes que receberam alta, mas que não podem sair do hospital porque não têm dinheiro para a pagar a conta.
Enquanto se dirige para dentro do hospital, os assistente sociais contam a Zeal quem são as pessoas que ele vai encontrar.
Em uma sala para 20 pacientes homens, a pintura da parede está descascada e os ladrilhos caem aos pedaços. No teto, os ventiladores funcionam com dificuldade. Um trabalhador varre o chão com um pincel. Os funcionários fazem o que podem para remediar as dificuldades em um típico hospital de um país pobre.
Na Nigéria, a expectativa de vida é de 52 anos para homens e 54 para mulheres. No Brasil, esses números são bem superiores: 72 anos para homens, e 79 às mulheres.
Os assistentes sociais guiam Zeal até a cama de um paciente com a perna enfaixada. Ele pergunta: “O que aconteceu com você?”. O jovem, que trabalha com barbeiro, responde que foi baleado, mas não sabe de quem veio o tiro.
“Como pagará a conta do hospital”, pergunta o consultor, em voz baixa. “Estou rezando para Deus”, responde o jovem.
Eles conversam por alguns minutos. O paciente não sabe quem é aquele homem de roupa engomada. Para sair do hospital, o jovem baleado terá de pagar uma conta hospitalar de U$ 250 (cerca de R$ 980), mas não dispõe de recursos para isso. Quem quitará a dívida é Zeal Akaraiwai.
O consultor não mantém contato com nenhuma das pessoas que ajuda. Nem quer que elas lhe agradeçam. Ele só tem um desejo: sonha que os pacientes se lembrem que “um anjo” apareceu no hospital, pagou a conta e foi embora.
“Por isso chamo o que eu faço de “Projeto Anjo”, diz. “Seja o anjo que você gostaria de conhecer”, completa.
Pagar as contas dos pacientes pobres de hospitais é uma maneira que Zeal encontrou para materializar sua fé cristã, diz. Ele afirma querer demonstrar que todo mundo pode ajudar outra pessoa. Os amigos e familiares do consultor também doam dinheiro para o projeto – ele anota todos os gastos e informações dos pacientes ajudados em um caderno.
Na ala das mulheres, Zeal é levado a uma paciente de 60 anos. Ela está inconsciente e respirando por aparelhos depois de sofrer um grave derrame. Os assistentes sociais querem que Zeal pague sua conta para que ela possa ser transferida a uma unidade de terapia intensiva para receber tratamento especializado. Ele balança a cabeça e se afasta da cama.
No corredor, ele encontra a filha da mulher. Zeal pergunta sobre a saúde da paciente. Mesmo se ele pagar o serviço, será apenas o primeiro passo de uma longa jornada, caso a mulher sobreviva. Zeal fala gentilmente com a garota e diz que sente muito por não poder ajudá-la. Ela agradece, sorri e vira-se para cuidar da mãe.
Bancar o tratamento da mulher iria contrariar uma das regras do Projeto Anjo: ele só ajuda pacientes que estão em condições de receber alta e não em estado grave. “Claro que há exceções”, diz. Ele cita o caso de uma mulher que sofreu por 11 meses à espera de uma histerectomia (cirurgia para retirada do útero). Zeal pagou U$ 400 pela operação (cerca de R$ 1.500).
[pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”left”]Na visita ao hospital de Lagos, há outras exceções como essa. O projeto assumiu a conta de um paciente que precisa de uma cirurgia para curar uma úlcera, por exemplo.
O consultor financeiro também quer saber as condições de uma menina de 10 anos que está esperando por uma nova cirurgia intestinal – ele pagou seu tratamento até agora e continuará a fazê-lo até que ela volte para casa. A assistente social diz a ele que a garota está melhorando.
Zeal conheceu a criança, mas prefere não voltar a vê-la. “Elas tem os olhos do meu filho”, justifica.
Na visita ao hospital, Zeal conversa com todos os pacientes da lista elaborada pelos assistentes sociais. Depois, vai até o caixa e liquida as contas. Ele diz que o fato de precisar fazer esse tipo de filantropia o deixa triste, porque reconhece que o trabalho acaba por mostrar um fracasso do governo da Nigéria.
“O simples fato de uma pessoa ter que ir a um hospital para pagar as contas de pessoas que não podem sair do local diz muito sobre as injustiças do sistema”, afirma o consultor. “Não há razão para não termos plano de saúde adequado para todo mundo, nosso país tem pessoas inteligentes que precisam pensar em estratégias para resolver essa situação.”
Apenas 5% da população nigeriana têm seguro de saúde particular – o país tem uma população de 186 milhões de pessoas.
Na sociedade nigeriana há certo ceticismo sobre a crinção de um serviço universal de saúde, como Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Não se sabe se o Estado teria dinheiro para bancar o atendimento de milhões de pessoas em um país cuja desigualdade entre ricos e pobres é gigantesca.
Por sua vez, Zeal critica a falta de atendimento gratuito à população pobre. “Toda semana eu vejo as consequências de não existir um plano de saúde obrigatório para as pessoas. Elas morrem (por não ter dinheiro), então, qual o preço de uma vida humana?”, pergunta.