Orçada em US$ 10 bilhões (R$ 38 bilhões), a Infraestrutura Conjunta de Defesa Empresarial (Jedi, na sigla em inglês) consiste em uma enorme nuvem cibernética que poderia armazenar códigos nucleares.
Trata-se de uma tentativa do governo americano de competir com a Rússia e com a China na área da tecnologia militar.
A empreitada, no entanto, vem dividindo opiniões por vários motivos.
A mais recente polêmica aconteceu em meados de dezembro, quando a reportagem da BBC revelou que uma empresa de tecnologia que disputa o contrato do Pentágono para tocar o projeto Jedi tem relações estreitas com uma companhia ligada a um oligarca russo alvo de sanções do governo americano.
Viktor Vekselberg, que é próximo do Kremlin, tem ligações com o C5, um conglomerado de empresas de investimento focado na área cibernética que trabalhou em estreita colaboração com sua principal concorrente, a Amazon Web Services (AWS).
Tanto o C5 quanto a AWS dizem que o C5 não está envolvido na disputa pelo projeto Jedi.
Todos os lances são confidenciais. O Pentágono se recusou a comentar, afirmando que as informações sobre as empresas envolvidas não poderiam ser divulgadas.
Em que consiste o projeto Jedi?
Em uma tentativa de competir com a Rússia e a China, a Infraestrutura Conjunta de Defesa Empresarial (ou Joint Enterprise Defense Infrastructure, Jedi) é uma das empreitadas mais ambiciosas já lançadas pelo Pentágono.
Em vez de dados militares serem armazenados em servidores menores em diferentes departamentos dentro do Pentágono, as informações serão mantidas em uma nuvem.
A nuvem é um termo usado para descrever vários servidores remotos, conectados à internet, que podem armazenar grandes conjuntos de informações e podem ser acessados de qualquer lugar do mundo.
Os principais segredos militares seriam, assim, transferidos para a nuvem Jedi, incluindo detalhes confidenciais sobre sistemas de armas, pessoal militar, inteligência e operações.
Soldados na linha de frente passariam, por exemplo, a ter acesso imediato a todas as informações mais recentes, o que aumentaria a eficiência no campo de batalha.
O major-general dos EUA, David Krumm, que ajudou a elaborar o contrato, explicou, durante o lançamento do projeto, que ter essas informações nas mãos dos militares ajudaria os EUA a vencer guerras.
“Um pelotão do exército precisa saber que uma unidade aliada está ao redor do quarteirão e que não deve abrir fogo”, diz.
“Ou que um Dispositivo Explosivo Improvisado (IED, na sigla em inglês) foi encontrado antes invadir um local”, acrescenta.
Existe a preocupação de que, se o sistema de TI do Pentágono não for atualizado com urgência, os EUA “perderão a guerra do futuro”.
Grandes empresas globais de tecnologia, como Microsoft, Oracle e IBM, apresentaram propostas. A decisão final deve sair abril de 2019.
As principais vozes do setor – incluindo as outras empresas que disputam o contrato – afirmam que a Amazon Web Services (AWS) segue como clara favorita.
Por que o projeto é tão controverso?
“Não armazenaria meus dados mais pessoais, nem meus colegas, em uma nuvem comercial, ponto final”, diz John Weiler, diretor do Conselho Consultivo de Aquisição de Tecnologia da Informação (IT-AAC na sigla em inglês), com sede em Washington.
Ele diz acreditar que há enormes riscos em armazenar essas informações confidenciais em uma nuvem pública, comercialmente controlada, administrada por apenas uma empresa.
“Temos nossos códigos nucleares, a localização de nossas tropas. Se a segurança da nuvem for violada, nossos inimigos poderão usar nossas informações contra nós. Eles podem estar nos esperando.”
O Pentágono teve que explicar ao Congresso porque estava oferecendo apenas o contrato para uma única empresa, diante de pedidos para que uma nuvem desse porte fosse gerenciada por vários provedores de serviços para diluir o risco de violações de segurança.
Segundo o Departamento de Defesa americano, ter apenas um provedor de nuvem serviria melhor às tropas no solo e aceleraria o acesso a informações vitais.
A AWS também defendeu a posição do governo dos EUA, afirmando: “Uma única nuvem seria mais segura do que um ambiente com várias nuvens”.
Também houve críticas de que a licitação foi pensada apenas com uma empresa em mente, a AWS, algo que o Pentágono nega, dizendo que o processo foi transparente e imparcial.
Além disso, foram levantadas questões sobre as ligações da AWS com o grupo C5.
Quem são a Amazon Web Services e a C5 Capital?
Braço da Amazon, a Amazon Web Services tornou-se a maior provedora de serviços em nuvem do mundo, controlando um terço do mercado de computação em nuvem.
O grupo C5 é relativamente novo, mas em poucos anos levantou 100 milhões de libras (US$ 125 milhões) para investir em segurança cibernética.
Apesar de AWS e C5 trabalharem juntos em vários projetos de computação em nuvem em todo o mundo, ambas as empresas negaram ter um relacionamento próximo.
Uma das muitas empresas cibernéticas do grupo C5, a C5 Accelerate afirma em seu site que está “desenvolvendo um Cloud Accelerator Cluster na Europa, Oriente Médio, África e Estados Unidos, junto com a Amazon Web Services”.
O C5 afirma que nunca fez um lance para prestação de serviço de qualquer tipo em consórcio com a AWS em nenhum país e que trabalhou com outros provedores de serviços de nuvem, como a IBM e a Microsoft.
No entanto, a vice-presidente da AWS, Teresa Carlson, e o homem por trás do grupo C5, Andre Pienaar, percorreram o mundo promovendo o relacionamento de suas empresas.
As duas companhias também uniram forças em um projeto no Oriente Médio. A AWS ganhou um contrato para desenvolver plataformas de computação em nuvem para o Reino do Bahrein, e o C5 ficou responsável de migrar sites do governo para a nuvem.
Quem é Andre Pienaar e como ele está ligado à Rússia?
Pienaar, que está por trás do grupo C5, é um empresário sul-africano bem relacionado.
O conselho de uma de suas principais empresas, a C5 Capital, tem acesso fácil a algumas das figuras mais influentes nos círculos militares e da área de segurança em ambos os lados do Atlântico.
Ele tem ainda ligações com Viktor Vekselberg, que está na lista de sanções dos EUA por seus laços próximos com Vladimir Putin.
Questionado pela BBC sobre se conhecia Pienaar, Vekselberg disse que, por dois anos e meio, o dono da C5 prestava serviços a uma de suas empresas na África do Sul. A parceria chegou ao fim no início deste ano.
Ou seja, ele teria trabalhado para Vekselberg enquanto comandava a C5 – além de, paralelamente, realizar projetos com a Amazon Web Services.
Piennar, por sua vez, negou ter trabalhado para a empresa do magnata russo e acrescentou que só prestou consultoria em questões sobre mineração.
Logo depois, o porta-voz de Vekselberg decidiu alterar a declaração que havia sido dada por seu chefe para coincidir com a de Pienaar – o que sugere que os dois ainda estão em contato.
Como o grupo C5 estaria ligado à Rússia?
A partir de uma análise das estruturas acionárias das empresas envolvidas com a C5, a BBC encontrou um aporte de dinheiro russo.
Uma das subsidiárias do conglomerado, a C5 Razor Bidco, recebeu um investimento de 16,1 milhões de libras em 2015. O russo Vladmir Kuznetsov, considerado homem de confiança de Vekselberg, tornou-se diretor e acionista majoritário da empresa.
A AWS ressaltou que não trabalha com a C5 Razor Bidco. A companhia, no entanto, faz parte do grupo C5 e é propriedade de Andre Pienaar.
Ele trabalhou para o oligarca russo de 1999 até o começo deste ano, quando as sanções contra Vekselberg levaram à renúncia em massa de todo o conselho de seu grupo de negócios, o Renova Group.
Kuznetsov disse à BBC que renunciou a cargos que possuía na maioria das empresas de Vekselberg em 2014. Permaneceu, contudo, no conselho da Renova Management até abril de 2018.
Também negou ser “braço direito” de Vekselberg.
A BBC também teve acesso a um documento, publicado por uma organização chamada Family Office Circle Foundation em 2016, que afirma que Kuznetsov admitiu ligação estreita com o magnata.
Ele teria dito em um dos eventos da entidade que trabalhava em “empresas familiares de Viktor Vekselberg” e que era “diretor do Renova Group”.
Kuznetsov disse, por sua vez, que seu investimento na C5 Razor Bidco não foi influenciado nem por Vekselberg nem pelo Kremlin, e que o dinheiro veio de sua própria conta bancária.
A C5 disse que o oligarca não investiu direta ou indiretamente em nenhuma das empresas do grupo.
Vekselberg alegou que Kuznetsov nunca dirigiu “suas empresas familiares” e que não fez nenhum investimento por intermédio de Kuznetsov ou por qualquer outro meio.
Quem é Viktor Vekselberg?
Até abril deste ano, Vekselberg era conhecido como o magnata russo que gastava centenas de milhares de dólares em ovos Fabergé, peças produzidas por Peter Carl Fabergé e seus assistentes no período de 1885 a 1917 para os czares da Rússia.
Mas, a partir dessa data, ele passou a figurar na lista dos russos alvos de sanção por parte do governo dos Estados Unido por seus laços estreitos com o Kremlin.
Vekselberg disse que vai apelar contra as sanções, que impactaram negativamente seus negócios.
O ex-funcionário do Pentágono Michael Carpenter, que era subsecretário-adjunto de Defesa da Rússia, disse à BBC que acredita que Vekselberg “representa um risco para os EUA”.
“Qualquer oligarca na Rússia, quando solicitado pelo Kremlin, seguirá suas ordens. Essa é a condição para que eles mantenham seu patrimônio.”
Pouco depois de seu nome aparecer na lista de sanções do Tesouro dos EUA, o bilionário foi detido quando tentava embarcar em um avião em Nova York.
Agentes federais que trabalhavam no inquérito do procurador especial do Departamento de Justiça americano Robert Mueller sobre a suposta interferência russa na eleição de 2016 nos Estados Unidos questionaram Vekselberg e apreenderam seus aparelhos eletrônicos.
Ele nega qualquer delito ou envolvimento na campanha do presidente Donald Trump.
No início deste ano, entretanto, a imprensa americana noticiou que a Columbus Nova, uma empresa afiliada ao império de Vekselberg, pagou 500 mil libras a Michael Cohen, advogado de Trump na época.
O dinheiro foi para a empresa de Cohen, a Essential Consultants LLC, empresa que ele usou como parte de um “acordo secreto” com Stormy Daniels para evitar que ela divulgasse seu suposto caso com Trump.
Andrey Shtorkh, porta-voz de Vekselberg, disse à rede de TV americana NBC News que nem Vekselberg nem Renova “tiveram alguma relação contratual com Cohen ou com a Essential Consultants”.
O que é o Skolkovo?
O Centro de Inovação Skolkovo foi estabelecido pelo primeiro-ministro russo Dmitry Medvedev em 2009, ainda como presidente da Rússia. Era a resposta do país ao Vale do Silício dos EUA.
Viktor Vekselberg foi contratado para chefiá-lo e permaneceu em seu comando desde então.
O Skolkovo foi descrito como uma incubadora das mais recentes tecnologias que criariam milhares de empregos e ajudariam a reduzir a dependência da Rússia em petróleo e gás, permitindo ao país competir com o Ocidente.
No entanto, alguns anos após sua criação, os alertas de potencial espionagem vieram tanto do Exército dos EUA quanto do FBI, acusações que Skolkovo e Viktor Vekselberg negam veementemente.
Tanto o FBI quanto os militares dos EUA alertaram que o centro de inovação, projetado para rivalizar com o Vale do Silício, na Califórnia, poderia ser uma fachada para a “espionagem industrial”.
Vekselberg disse que foi com “grande pesar” que Skolkovo foi alvo de críticas e que o centro trabalhou de perto com os EUA e muitas empresas globais de tecnologia como parte de um “ecossistema” onde “inovação e empreendedorismo podem prosperar”.