Estado de Minas
A cada dois dias, uma mulher foi morta em Minas Gerais no ano passado, o que corresponde a uma alta de 13% desde 2016. E a segunda semana deste ano termina com mais episódios tristes para incrementar as estatísticas de feminicídios registradas em Minas Gerais. Em Formiga, Centro-Oeste de Minas, uma fisioterapeuta de 37 anos foi assassinada pelo ex, de 45. O homem também atirou em uma das cinco filhas dela, de 17, que foi internada em um hospital da cidade. Após balear as duas, ele se matou com um tiro na cabeça. O crime ocorreu na noite de quinta-feira. Horas antes, outra mulher, de 38, grávida de oito meses, foi esfaqueada pelo companheiro em Esmeraldas, na Grande BH. A morte dela e do bebê foram confirmadas no mesmo dia. Somente entre os dias 1º e 6 de janeiro, a Polícia Civil já contabilizava três feminicídios e outras três tentativas no estado, isso sem contar os dois casos de quinta-feira.
O crime em Formiga ocorreu perto da casa de Milena da Silva Pereira Siqueira, no Bairro Recanto da Praia. Por meio da assessoria de imprensa da Polícia Civil, a Delegacia de Mulheres da cidade informou que Emerson Modesto de Faria era casado com outra mulher – que sabia do envolvimento dele com a vítima. Quando Milena pôs fim ao relacionamento, o homem passou a ameaçá-la. Em 4 de outubro do ano passado, a fisioterapeuta procurou a delegacia para denunciar as ameaças. Equipes de policiais civis procuraram Emerson, que foi levado para a delegacia e preso em flagrante com base no Artigo 147 do Código Penal (crime de ameaça), mas ele pagou fiança e foi liberado.
No mesmo dia, foi requerida a medida protetiva para Milena junto ao Judiciário. A vítima informou à delegada que o ex não a procurava mais, mas passava de carro frequentemente em frente a casa dela. Conforme a Polícia Civil, Emerson estava dentro do carro, esperando por ela a certa distância e, quando Milena chegou com a filha, ele as abordou e efetuou os disparos. Há relatos preliminares de que ele tentou forçá-la a entrar no carro e como Milena resistiu, acabou sendo baleada junto com a filha. Mãe e filha foram atingidas no tórax. A adolescente ainda tentou se proteger com uma das mãos, que também foi gravemente ferida por um disparo. Em seguida, o homem atirou contra a própria cabeça.
As duas foram levadas à Santa Casa de Caridade de Formiga, mas a mulher já chegou morta ao hospital. A adolescente ficou internada na unidade. De acordo com a Polícia Militar (PM), o revólver usado no crime foi apreendido ao lado do carro de Emerson, um Gol prata. Dentro do veículo foram encontrados um facão, medicamentos, uma corda e braçadeiras. Os materiais foram entregues à Polícia Civil. Além de trabalhar em uma clínica de estética, Milena cantava em uma banda da cidade. Tanto o estabelecimento quanto o grupo musical publicaram mensagens de luto pela vítima.
MAIS UM CASO Outra história trágica foi registrada em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com o assassinato de uma mulher grávida de oito meses. De acordo com os relatos de populares à polícia, Deurismar Vieira, de 38, “não havia aceitado o fim do relacionamento” com a ex-companheira, Gilvane Paula Agostinho, também de 38. Com uma faca e uma talhadeira, ele atacou a vítima na cabeça, no rosto e em uma das orelhas. A mulher precisou ser socorrida à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA). Contudo, a equipe médica indicou a transferência para o Hospital Municipal de Contagem, também na Grande BH, onde ela foi internada em estado grave e morreu. De acordo com o boletim de ocorrência, Deurismar tem deficiência física em um dos braços e em uma das pernas.
Logo depois do crime, ele fugiu em um Fiat Grand Siena prata, adaptado para pessoas com necessidades especiais. Porém, momentos depois, receberam uma comunicação da Polícia Militar Rodoviária (PMRv), que atendia uma ocorrência de capotagem na LMG-808, envolvendo o veículo. Lá, a PMRv constatou que se tratava do suspeito de feminicídio. Deurismar estava preso às ferragens e, após ser retirado, foi encaminhado ao Hospital Municipal de Contagem – o mesmo onde a ex-companheira morreu.
Desprezo pela condição feminina
O feminicídio é o assassinato de uma pessoa pela condição de ser mulher. Em 2015, a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15) juntou-se à Lei Maria da Penha na construção do empoderamento das mulheres em conjunto com as políticas criadas para prevenir e punir atentados, agressões e maus-tratos. Os números divulgados ontem pela Polícia Civil mostram aumento de 4% de casos de feminicídios de 2017 a 2018. A alta é ainda maior se comparados com 2016: 13%. Entretanto, em relação ao número de feminicídios tentados, o número teve uma pequena queda: de 309 para 277.
A delegada Alice Batello explica que o feminicídio se caracteriza como as mortes de mulheres provocadas por menosprezo pela condição feminina, discriminação ou por violência. “O fim do relacionamento não é a razão do feminicídio. A razão é o sentimento de posse, o machismo em que o homem acredita que a mulher te pertence”, pontuou ela. E uma característica marcante destacada pela delegada é que muitas das tentativas ou dos assassinatos são praticados na presença de pais ou filhos (as) das vítimas – como ocorreu no caso de Formiga. E a pena do feminicídio é aumentada de um terço até a metade se o crime for praticado nessas condições citadas. “Os agressores também tendem atingir as áreas de feminilidade como, por exemplo, o seio. Isso mostra que, na percepção dele, a mulher é inferior. É uma mensagem implícita de ódio contra o gênero”, completou a delegada, que lembrou que os crimes sempre são muito brutais.
Por isso, a especialista atenta: os sinais de que ocorrem episódios de violência muitas vezes são claros, mas podem ser bloqueados pelo envolvimento afetivo. “O relacionamento abusivo costuma evoluir em um ciclo de agressão que evolui da verbal para a física, arrependimento e reconciliação. A agressão física dificilmente virá antes da violência psicológica. E tudo começa quando o homem passa a impedir que a mulher vá a faculdade, use tal roupa”, pontuou. A policial também chama a atenção para o fato de que as denúncias não precisam partir necessariamente das agredidas, embora no caso da proteção prevista na Lei Maria da Penha essa participação seja necessária. “Em briga de marido e mulher, os amigos, os familiares, os vizinhos precisam meter a colher”, completou.