Desbloquear o celular inúmeras vezes ao longo do dia para checar notificações, navegar nas redes sociais sem objetivo definido, cultivar aplicativos mesmo que a maioria nem tenha uso. Criada para facilitar o dia a dia das pessoas e encurtar caminhos, a tecnologia pode ter efeito contrário quando usada de maneira descuidada. Utilizá-la com propósito ajuda a otimizar o tempo, proporciona tranquilidade e aumenta a qualidade de vida.
Especialista em organização digital, a consultora Gabriela Brasil diz que o segredo está no uso consciente das ferramentas digitais. Para ela, a diferença entre uso saudável e equivocado está em direcionar a atenção virtual e saber com qual propósito as redes estão sendo usadas.
“Muitas pessoas sentem medo de ficar por fora e, por isso, acabam com aquele dedinho nervoso no celular. O uso saudável está muito mais ligado ao propósito do que se faz on-line. A ideia é localizar o que faz diferença e agrega valor na nossa vida”, explica.
Foi exatamente com esse objetivo que a coach Lilian Ferrari, de 52 anos, buscou redesenhar o relacionamento que mantinha com os dispositivos digitais e com a internet. Desejava se organizar melhor para usufruir da tecnologia como aliada. “A liberdade de trabalhar em casa poderia acabar virando uma vilã da produtividade, por isso, precisei ficar vigilante com as distrações ao celular, checando as redes e o e-mail toda hora, por exemplo”, diz.
Após fazer um curso, ela aprendeu a gerenciar melhor a rotina e definiu estratégias para otimizar o tempo à frente das telas. “Pude ver que organização e tecnologia são formas de sermos mais felizes e que nos libertam quando bem usadas”.
Meio a meio
A empreendedora Marília Teixeira Cordeiro, de 27 anos, seguiu pelo mesmo caminho. Abriu uma startup e buscou conhecimento para utilizar a tecnologia a favor do novo negócio. “Eu não tinha muita consciência da importância de organizar-me digitalmente. Aprendi que não é preciso eliminar as redes sociais nem abrir mão das ferramentas de que gosto. Tudo é questão de bom senso e cuidado. Equilíbrio é o desafio”, afirma.
Brasileira radicada nos Estados Unidos, onde vive desde 2015, Gabriela Brasil reforça que não é preciso romper o relacionamento com a tecnologia. Basta encontrar uma forma saudável de utilizá-la em meio às tarefas do cotidiano. Expert no assunto, autora de treinamentos e workshops sobre o tema, ela ajuda as pessoas a enxergar as prioridades da vida, identificando fatores de distração e eliminando-os.
“Diante desse cenário, as pessoas identificam distrações, confusões e percebem que é no ambiente virtual que muitas se encontram. Ter conhecimento e uma boa organização digital ajuda a liberar tempo, refazer a relação com a tecnologia, diminuir distrações, melhorar comportamentos e se livrar de vícios”.
Apego a arquivos e aplicativos cria figura do ‘acumulador virtual’
A presença cada vez mais forte da tecnologia no nosso cotidiano vem revelando um novo perfil de pessoas, os acumuladores virtuais. Pesquisa feita por uma empresa norte-americana especializada em soluções para armazenamento digital mostrou que quase metade dos entrevistados não fazem backup dos arquivos que guardam.
De acordo com a empresa, o resultado revela dependência dos dispositivos digitais e incapacidade para discriminar conteúdos que devam ser arquivados ou descartados. Mais de 25% das pessoas consultadas pela Western Digital disseram que estão com um quarto da capacidade do celular ocupada e 56% citaram mensagens recebidas alertando sobre falta de memória nos dispositivos móveis.
Ainda conforme o estudo, um em cada quatro participantes revelaram manter fotos antigas e aplicativos que não acessaram mais de uma vez num intervalo de seis meses. Como justificativa, admitiram ter um vínculo sentimental com o conteúdo.
Isolamento social
Psiquiatra brasileira certificada em Medicina do Estilo de Vida, Ana Paula Carvalho diz que a linha entre o ônus e bônus da hiperconectividade que vivenciamos é tênue. Segundo a especialista, a tecnologia é positiva ao proporcionar, por exemplo, o reencontro entre pessoas que se afastaram em função do tempo ou da distância, desde que não se sobreponha às relações pessoais.
“Amizades virtuais não equivalem às reais. A troca não é a mesma. Uma pessoa que passa os dias se relacionando com os outros por meio de smartphones ou tablets não deixa de estar em isolamento social, tão ou mais nocivo ao organismo quanto a obesidade, como provam estudos”, enfatiza a psiquiatra.
“Muitos entram em depressão por conta do relacionamento abusivo com tecnologia e internet. O medo de ficar por fora, de perder informações, acaba gerando essa ansiedade”.
Gabriela Brasil – consultora de organização e produtividade, especialista em organização digital